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Zacarias 5.5-11 - A Retirada da Impureza

 

A sétima visão de Zacarias continua abordando a questão da pureza do povo judeu, porém, em um molde mais complexo que levanta automaticamente uma série de perguntas por parte do leitor. Algo, contudo, fica evidente: certas facetas da vida e da religião babilônica, devido aos anos de exílio, estavam presentes no seio da comunidade judaica e precisavam ser abandonadas por completo para eles servirem a Deus na qualidade de povo da aliança. Se as gerações pré-exílicas foram julgadas e punidas pela sua indecisão sobre quem adorar e servir (1Rs 18.21) e por seu ecumenismo (2Rs 17.33,41; Sf 1.5), a geração pós-exílica tinha a obrigação de aprender com os erros do passado e, assim, acertar no presente.

A visão se inicia com um chamado do anjo intérprete para que Zacarias olhasse algo que entrava em cena (v.5): “Então, saiu o anjo que falava comigo e me disse: ‘Levanta os teus olhos e vê o que é isso que sai”. O chamado à observação de algo novo que surge é uma evidência inegável de que a visão anterior se encerrou e uma nova visão tem lugar diante do profeta. Algo interessante é que o objeto da visão não está estático, mas em movimento, o qual é difícil definir. Ao dizer “isso que sai”, a ideia pode ser de que o objeto já está sendo retirado daquele local, como mostra o restante da visão, ou de que ele surge no raio de visão dos interlocutores. De qualquer modo, a ideia do movimento é importante, pois a visão trata de algo que não pode permanecer arraigado no meio do povo que pretendia servir de coração ao Senhor e que vinha sentindo os efeitos da graça restauradora.

Entretanto, apesar de ser algo visível, o objeto da atenção de Zacarias lhe intriga e necessita explicação, o que ele pede ao anjo (v.6): “Eu perguntei: ‘O que é isso?’. E ele respondeu: ‘Isso que sai é um pote de medir’. E disse: ‘Essa é a iniquidade deles em toda a terra’”. O “pote de medir”, na verdade, é um “efa”. Trata-se de uma medida de secos, utilizada na época no comércio de grãos, cujo volume girava em torno de 20 litros.[1] Assim, potes do tamanho de um efa eram peças comuns e bem conhecidas. Apesar de ser essa a palavra hebraica que aparece no texto, o contexto demonstra que o foco em questão não é a medida em si, mas o pote usado para medir. Mesmo porque, dado o restante da visão, percebe-se que a medida estava longe de ser algo em torno de 20 litros, mas algo aumentado (v.7), mantendo-se apenas a aparência do pote. Chamar um recipiente pela sua medida não é uma prática desconhecida de nós — basta lembrar de quando vasilhames de líquidos eram chamados de “litro”, mesmo aqueles cujo volume não era exatamente 1 litro.

Assim, a primeira parte da explicação do anjo deve ter sido algo óbvio para Zacarias, já que ele tinha condições de reconhecer um pote. Entretanto, o restante justifica a pergunta do profeta, pois o significado do objeto é que perfazia o sentido e o propósito da visão. Quanto a isso, o anjo intérprete identifica o pote de medir com a “iniquidade”, ou seja, os atos de pecado que desagradam a Deus, que geram culpa em quem os pratica e que os tornam passíveis do castigo do Senhor. Dito isso, deve-se perguntar a quem o anjo atribui a iniquidade, uma vez que ele simplesmente diz “iniquidade deles”, sem especificar o grupo de pessoas. Ele completa traçando um limite geográfico para tais iníquos de maneira genérica, dizendo apenas “na terra”, sem apontar que terra é essa. Há quem entenda que “eles” é uma referência à humanidade e que “terra” é o mundo inteiro. Porém, os propósitos das visões de incentivar a reconstrução do templo, de purificar os judeus e de restabelecer o culto e a comunhão com seu Deus tornam essa possibilidade sem sentido. Além disso, essa iniquidade, no restante da visão, é retirada dessa “terra” e levada para outra localidade no próprio planeta Terra (v.11). Assim, o melhor modo de interpretar a explicação do anjo é que o pote representa a iniquidade do povo judeu que retornou do exílio, o qual novamente estava pecando na terra da promessa, correndo novo risco de disciplina na forma de uma deportação do seu país.

A visão, a partir daqui, assume novos graus de complexidade com a introdução de novos elementos. O primeiro deles vem da observação do interior do pote (v.7): “E eis que uma tampa de chumbo foi levantada e uma mulher estava sentada dentro do pote”. Tão logo se leia esse versículo é possível notar que não se trata de um pote pequeno, mas de algo grande, assim como também ocorreu com a visão, anterior a essa, do grande rolo que voava. Esse pote de medir tinha tamanho suficiente para caber uma mulher dentro. O que deve nos prender a atenção é por que essa mulher está dentro do pote. O texto produz uma imagem dessa mulher, cujo significado é explicado no versículo seguinte, como sendo mantida contra a vontade dentro do pote, já que a tampa do recipiente é feita de “chumbo”. Antes que o profeta clame novamente por uma explicação àquela intrigante imagem, o anjo se adianta e traz luz ao sentido da visão (v.8a): “E ele disse: ‘Essa é a impiedade’”. Se o pote, em vez de medir grãos, vinha sendo utilizado para medir a iniquidade do povo judeu na terra da promessa, a própria impiedade deles estava no interior da vasilha personificada por uma mulher. Assim, é como se dissesse: “Essa mulher representa a impiedade”.[2] É arriscado tentar adivinhar a razão da personificação do mal surgir na forma de uma mulher e não de um homem. Hipóteses possíveis seriam o fato de o pecado ser atraente e sedutor, ou o apego dos israelitas à religiosidade da Babilônia, de onde retornaram, em que figuram divindades como Ishtar, deusa do amor e da fertilidade, e até mesmo o fato de a palavra hebraica traduzida por “impiedade” ser um substantivo feminino. Entretanto, tais pensamentos não passam de especulação e não são necessários para a identificação da impiedade no interior do pote.

A visão prossegue (v.8b): “Então, ele a lançou para dentro do pote e colocou a tampa de chumbo sobre a boca dele”. Não é dito pelo texto, mas a cena parece ser de que a mulher, ao se abrir o pote, tenta fugir e precisa ser lançada com força novamente em sua prisão, sobre a qual é recolocada a pesada tampa. É difícil definir a abrangência da ideia da prisão, já que o povo, de fato, vinha pecando livremente e necessitava de uma ação purificadora vinda de Deus. Dois podem ser os significados da iniquidade presa sob a tampa de chumbo. A primeira é que o Senhor vinha contendo a maldade para ela não se alastrar como no passado; e a segunda, que ele tem domínio sobre o pecado do homem para promover restauração e avivamento quando bem entender. Essas duas possibilidades podem estar presentes simultaneamente. De qualquer forma, fica claro que a iniquidade dos judeus precisava de providências sérias, vindas de Deus, para que não tivesse lugar no meio do seu povo.

Entram, então, em cena, novos personagens que interagem com o pote (v.9): “Então, levantei meus olhos e vi: Eis que saíram duas mulheres com um vento em suas asas — as asas delas eram como asas de uma ave migratória. Elas carregavam o pote entre a terra e o céu”. Essas duas mulheres, diferente da primeira, não são citadas como personificações de nada. Elas apenas são descritas como tendo “asas”. A palavra hebraica para “asa” também pode ser traduzida como “orla” ou “borda”,[3] apontando para as extremidades de um vestido, o que realmente se integraria melhor à imagem das mulheres. Contudo, a sequência do texto traça um símile entre as asas das mulheres e as asas de uma “ave migratória”, ou de uma cegonha. Independente de ser uma cegonha ou outra espécie de ave, o que fica claro é que as asas são grandes — aves que migram para regiões distantes têm asas com envergadura suficiente para uma viagem desse porte.

Essa conclusão leva boa parte dos leitores a identificar as duas mulheres como anjos do sexo feminino, o que cria pelo menos dois problemas. O primeiro é ir além do que o texto diz e criar uma doutrina inexistente na Bíblia — vale lembrar que Jesus ensinou a inexistência, na esfera angelical, de relacionamento “homem e mulher” como na raça humana (Mt 22.30). O segundo é ignorar o caráter simbólico da visão em que a impiedade é uma mulher sentada dentro de um pote que é nomeado de iniquidade em toda terra. Portanto, deve-se ser cauteloso em relação às figuras da visão e atentar para o significado e aplicação que Deus pretendeu transmitir por meio dela. Um perigo adicional vem de tentar identificar tais mulheres, como alguns fazem, com Assíria e Babilônia, nações que exilaram os israelitas (722 a.C. e 587 a.C., respectivamente), o que foge totalmente ao sentido da visão.[4] Sem identidade definida, as duas mulheres agem sob o comando de Deus em prol da purificação de Judá.

Assim, as mulheres, com vento em suas grandes asas — produzindo a ideia de um voo —, “carregavam” ou “levantavam” no ar o pote da iniquidade. Trata-se de um transporte e o texto subsequente aclara o destino da viagem (v.10): “Perguntei, então, ao anjo que falava comigo: ‘Para onde elas estão levando o pote?’”. Mesmo antes de o anjo intérprete responder à pergunta, já é possível depreender parte da lição que o Senhor pretende ensinar com isso. Ao apresentar a iniquidade dos judeus na terra da promessa, denunciada também por Ageu, ele deixa claro que é preciso conter a maldade, retirá-la daquela terra e levá-la para bem longe, tão longe quanto voam as aves migratórias. Na prática, isso significa evitar seriamente o pecado, não imitando as nações ao redor. Esse quadro também lembra que não adiantava retirar apenas os rebeldes em pecado flagrante (Zc 5.3), mas era preciso retirar toda iniquidade do modo de vida da nação.[5]

Esse ensino se torna ainda mais específico quando o anjo responde à pergunta do profeta (v.11): “Ele me respondeu: ‘Para construir para a mulher uma casa na terra de Sinar. Quando estiver pronta, ela será posta ali, na sua morada’”. A terra de Sinar é a região onde está localizada Babilônia (Gn 10.10). Além de essa cidade representar nas Escrituras o foco do sentimento e das atividades contra Deus (Gn 11.4; 14.1; Is 13–14; 47:1,3; Jr 50–51; Ap 14.8; 17.1,5,18; 18.21),[6] para os judeus do período pós-exílico ainda consistia no local em que, em sua maioria, nasceram, cresceram e foram educados. Por essa razão, apesar de terem sido criados nos ensinos da lei e dos profetas, também tiveram sua mentalidade formada no meio de pagãos incrédulos, o que fatalmente acabou por moldá-los em alguma medida, Isso, certamente, os fez adotar padrões morais e um estilo de vida menos exigente que o requerido pela lei.[7] Essa contemporização com a cultura e a religião das nações, principalmente a babilônica, não era aceitável para o povo que queria reconstruir, pela graça, seu relacionamento com Deus e servi-lo dignamente. Por isso, os antigos hábitos babilônicos deveriam permanecer na Babilônia, habitando ali com seus compatriotas, e jamais encontrar morada no meio de Israel, o povo do Senhor. Essa é a imagem completa da purificação que o Senhor faria, a qual o povo devia aceitar e com a qual devia cooperar.

Tirando os detalhes do contexto histórico e o relacionamento pactual com Deus por meio da lei característico de Israel, a lição desse texto é tão válida para a igreja de hoje como foi para os judeus dos dias de Zacarias. O pecado da acomodação ao sistema mundano de vida e de valores persiste em frear a edificação do povo do Senhor. A iniquidade de hoje é tão ou mais atraente que daqueles dias, fazendo com que também nas igrejas vá se instalando gradualmente um sistema de vida e de culto menos exigente em relação às Escrituras e mais tolerante com a perda de identidade e santidade dos crentes como povo separado ao seu salvador, Jesus Cristo. Sob a desculpa de um amor sem compromisso e de uma paz que não leva em conta a justiça, a “Babilônia” tem entrado no meio da igreja e a tem aproximado cada vez mais do mundo. A sétima visão do profeta Zacarias brada em nosso meio: “Chega! Não é possível servir a dois senhores (Mt 6.24)! Afastai de vós a iniquidade para que a igreja seja santa para aquele que a comprou com seu sangue (At 20.28)! Dependentes de Deus, lutai com domínio próprio (Gl 5.22,23) para conter vossos atos iníquos e trabalhai por uma vida santa, pois vosso Deus é santo (1Pe 1.16)! Servi vosso Deus com veracidade, fidelidade e comprometimento integral!”. Ao final, ela completaria: “E que o mal, longe da igreja, habite no mundo perdido, sobre o qual o juízo está para vir”.

Pr. Thomas Tronco


[1] Elwell, W. A.; Comfort, P. W. Tyndale Bible dictionary. Tyndale reference library. Wheaton: Tyndale House Publishers, 2001, p. 1300.

[2] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah. UBS Handbook Series. Nova York: United Bible Societies, 2002, p. 157.

[3] Schökel, Luiz Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997, p. 320.

[4] Spence-Jones, H. D. M. (ed.). Zechariah. The Pulpit Commentary. London; New York: Funk & Wagnalls, 1909, p. 50.

[5] Barker, Kenneth L. “Zechariah” In The Expositor's Bible Commentary: Volume 7. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1985, p. 634.

[6] The NET Bible. First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006, [Zc 5: nota §9].

[7] Baldwin, J. G. Ageu, Zacarias e Malaquias: Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 103.

 

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