A Galinha que Virou um Cão
Esse acontecimento que poderíamos chamar de “antinatural” — já que a natureza de uma galinha normalmente a impulsionaria a fugir e não a conviver — levou-me a refletir sobre a própria condição do pecador que é salvo pela fé em Cristo. Tendo ainda uma natureza de pecado, seu impulso natural seria, a exemplo de Adão (Gn 3.8), fugir de Deus. Afinal, o pecado fez com que a busca por Deus se tornasse algo estranho ao homem: “Não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3.11b,12). Entretanto, o que era antinatural, a saber, o pecador buscar o Deus santo, aconteceu por iniciativa do nosso salvador. Por causa dele, alguns milagres ocorreram.
O primeiro é que nós fomos aproximados. Se o pecado nos afastou de Deus, tornando-nos alheios e alienados de tudo que lhe diz respeito (Ef 4.18), a obra redentora de Cristo promoveu a inversão do processo da queda: “Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo” (Ef 2.13).
O segundo é que fomos purificados. A impureza do pecador é inaceitável a Deus, de modo que aqueles que perecerão mantêm vidas marcadas pela podridão das suas ações (1Co 6.9,10). Porém, na sequência, o apóstolo Paulo afirma que nossa aproximação de Deus se deve ao fato de ele ter nos purificado da culpa do pecado “Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.11).
O terceiro é que fomos repatriados. A respeito dos pecadores é dito que eles pertencem ao “mundo” (Jo 17.14, 1Jo 4.5). A justificação e a aproximação pelo sangue de Cristo também mudam a pátria a que pertencem os pecadores arrependidos: “Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl 1.13,14). Agora, salvos por ele, podemos dizer que “a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3.20).
O quarto milagre é que fomos reconciliados. A natureza pecaminosa nos colocou na terrível condição de inimigos de Deus. Entretanto, seu amor e graça fizeram com que isso fosse desfeito e passássemos por uma reconciliação com o Senhor: “E a vós outros também, que, outrora, éreis estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras malignas, agora, porém, vos reconciliou no corpo da sua carne, mediante a sua morte, para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis” (Cl 1.21,22).
Nossas reações a essas verdades maravilhosas devem ser duas. Em primeiro lugar, devemos ser gratos a Deus pela transformação da nossa velha condição. Se a natureza pecaminosa nos fazia andar distantes de Deus, ser impuros, pertencer ao mundo perdido e viver como inimigos do Senhor, sua obra redentora deve nos encurvar diariamente diante dele para adoração e ações de graça. Mas há ainda uma segunda reação, pela qual devemos nos esforçar para viver diferente do modo como vivíamos. Por ter Deus transformado nossa velha condição, não é mais possível nos adequarmos ao pecado e ao marasmo espiritual com a desculpa de que “a carne é fraca”. Na verdade, Deus enviou seu Filho e o fez perecer para que nossa carne fraca fosse revestida de uma nova natureza, guiada e fortalecida pelo próprio Deus. Por isso, a ordem apostólica é: “Quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef 4.22-24).
Essa deve ser nossa busca diária. Afinal, se uma galinha arisca pode mudar de atitude e se parecer com o chamado “melhor amigo do homem”, nós, crentes em Cristo, podemos muito bem nos esforçar, sempre dependentes de Deus, para sermos bons servos e filhos que convivam muito bem com nosso Pai celestial brilhando a luz de Cristo diante do mundo.
Pr. Thomas Tronco