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Estudo 29 - O Autoesvaziamento de Cristo

 

1 – A ORIGEM DO CONCEITO

Essa questão está ligada à palavra derivada de kenosis contida em Fp 2.7.

“Antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana” (ARA).

“Mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens” (NVI).

ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν[1] μορφὴν δούλου λαβών, ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος· καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος” (Nestle-Aland Greek New Testament).

 

A pergunta é: “Ele se esvaziou do quê?”

A)    Sínodo de Antioquia (341 A.D.) – Afirmou que Cristo se esvaziou de “ser igual a Deus”, mas defendia a divindade absoluta de Cristo;

B)    Reforma Protestante –Discutiu se Cristo teria se esvaziado de seus atributos como onipotência, onipresença e onisciência sem, contudo, afetar sua divindade;

C)    Teologia do século 18 – Alguns estudiosos afirmaram que Cristo se tornou menos que Deus.


2 – O VERDADEIRO SIGNIFICADO DESSE CONCEITO

A) A Passagem central

A passagem central da kenosis é Fp 2.5-11.

Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Nova Versão Internacional (NVI)

5 Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, 6 pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; 7 antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. 9 Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, 10 para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11 e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.

5 Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, 6 que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; 7 mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. 8 E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! 9 Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome,  10 para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11 e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.

 

B) A natureza original de Cristo

O v.6 apresenta Cristo antes da encarnação existindo em “forma de Deus”. A palavra grega μορφή (morphé) significa “natureza”, “forma visível”,[2] “forma”,[3]forma pela qual uma pessoa ou uma coisa atingem a visão”, “a aparência externa”,[4]a natureza ou o caráter de algo, com ênfase na forma interna e externa”.[5] Em outras palavras, é a “substância de um ser ou de algo”.

A mesma palavra aparece em Mc 16.12. Nesse caso, a μορφή aponta para uma forma diferente da qual Jesus era comumente reconhecido. Entretanto, no caso de Deus que não tem uma forma corpórea, μορφή nos revela que Jesus é da mesma substância ou natureza de Deus. Jesus não existia na pré-encarnação como um ser que não fosse “exatamente Deus”.

 

C) O autoesvaziamento

Foi algo que o próprio Cristo impôs a si mesmo. O autoesvaziamento de Cristo envolve tudo que ele fez para morrer na cruz, incluindo assumir a forma de servo. Ao fazer isso, Jesus foi encontrado em figura humana (σχήμα – skema). Isso indica que ele tinha a aparência de um homem e uma vida como a de um homem. Assim, sendo completamente Deus, Jesus passou a ser em tudo como um homem, com exceção apenas do pecado. Sobre os conceitos de μορφή e σχήμα, Joseph B. Lightfoot escreveu:

“Sendo assim, que sentido nós devemos associar à ‘forma de Deus’, na qual nosso Senhor preexistia? Nas Homilias de Clemente, o apóstolo Pedro é representado como insistindo em passagens antropomórficas nas Escrituras e sustentando assim que Deus tem uma forma concreta (μορφή – morphé). Diante da objeção do seu oponente de que, se Deus tem uma forma (μορφή) deve ter também uma figura, uma aparência (σχήμα – skema), o apóstolo é forçado a responder aceitando a inferência: ‘Deus tem uma σχήμα; Tem os olhos e as mãos e os pés como um homem; não obstante, não tem nenhuma necessidade de usá-los’ (Clem. Hom. xvii. 3,7,8).

Não era essa a concepção do apóstolo Paulo com respeito a Deus. Ele não poderia falar nesse sentido sobre a μορφή, nem poderia falar nesse sentido sobre a σχήμα, daquele que é o ‘Rei dos reis e o Senhor dos senhores, o único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver (1Tm 6.15,16)’. Permanece então que μορφή deve aplicar-se aos atributos da divindade. Ou seja, é usado substancialmente no mesmo sentido que carrega na filosofia grega. Sugere a mesma ideia que é expressa de outra maneira em João por λόγος τo θεοῦ (o Verbo de Deus), em escritores cristãos das épocas seguintes por υἱός θεοῦ ὢν θεός (o Filho de Deus que é Deus) e no Credo Niceno por θεός ἐκ θεοῦ (Deus de Deus).

Ao aceitar essa conclusão não é necessário supor que o apóstolo Paulo derivou conscientemente seu uso do termo de alguma nomenclatura filosófica. Havia especificidade suficiente, mesmo em seu uso popular, para sugerir esse sentido quando isso foi transferido dos objetos dos sentidos às concepções da mente.

Ainda que o apóstolo João tenha adotado λόγος (palavra) e o próprio apóstolo Paulo tenha adotado εἰκών (imagem) e πρωτότοκος (primogênito) da linguagem das escolas teológicas existentes, parece muito longe do improvável que a expressão análoga μορφὴ θεοῦ (forma de Deus) tenha sido derivada de uma fonte similar. As especulações dos judaísmos alexandrino e gnóstico formaram um meio pelo qual os termos filosóficos da Grécia antiga foram trazidos ao alcance dos apóstolos de Cristo.

Assim na passagem sob a consideração, o μορφή é contrastado com o σχῆμα, como aquele que é intrínseco e essencial com aquele que é acidental e para fora. E as três cláusulas implicam respectivamente a natureza divina verdadeira de nosso Senhor (μορφὴ θεοῦ – ‘forma da Deus’), a natureza humana verdadeira (μορφὴ δούλου – ‘forma de servo’), e o exterior da natureza humana (σχήματι ὡς ἄνθρωπος – ‘figura humana’).”[6]

O autoesvaziamento de Cristo é o caminho que ele fez saindo da glória e majestade celestial e terminando essa jornada em humilhação e vergonha na cruz do Calvário. Nesse processo está inclusa a encarnação como meio de levá-lo à morte substitutiva.

Esse processo em nada afeta a divindade de Jesus, nem o uso dos seus atributos divinos. Em vez disso, o autoesvaziamento fez com que o verdadeiro Deus morresse em humilhação, na condição de um homem, para salvar homens perdidos.

Portanto, na kenosis Cristo se esvaziou e abriu mão de manter sua condição condizente com a divindade, ou seja, viver na glória celestial, e assumiu a humanidade para que pudesse morrer.

 

3 – TEORIAS FALSAS SOBRE A ‘KENOSIS’

A)    Cristo abriu mão de alguns ou de todos os seus atributos divinos

Essa ideia não é sustentável por várias razões:

·         Jesus, em carne, afirmou ser igual a Deus (Jo 10.30);

·         Se Jesus passou a ser menos divino, houve então uma alteração na pessoa de Deus, conceito que colocaria a própria divindade em xeque, já que “Deus não muda” (Tg 1.17);

·         O aspecto substitutivo da morte de Jesus exige que ele seja perfeito homem, ao mesmo tempo que os aspectos propiciatório (satisfez as exigências de Deus) e redentor (resgatou por meio de pagamento) da sua morte exigem que ele seja perfeito Deus a fim de sanar um débito das dimensões do próprio Deus.

B)    Cristo parecia ser homem, pois disfarçava sua divindade

Cristo não disfarçou sua divindade. Ele apenas assumiu a humanidade. As Escrituras demonstram que a divindade podia ser reconhecida nele (Jo 1.14; 14.9; Hb 1.3).

 


[1] Vem do verbo κενόω que significa “esvaziar, tornar vazio, privar de força”. Está na terceira pessoa do singular e na voz ativa, a qual demonstra que a ação foi efetuada “por Cristo” e não “por outra pessoa em Cristo” (o que seria a voz passiva). O objeto dessa ação está presente na palavra precedente derivada de ἑαυτοῦ que significa “ele mesmo, a si mesmo”.

[2] Swanson, J. Dictionary of Biblical Languages with Semantic Domain: Greek (New Testament) (electronic ed.). Oak Harbor: Logos Research Systems, Inc., 1997, (GGK3671).

[3] Strong, J. The exhaustive concordance of the Bible, (electronic ed.) Ontario: Woodside Bible Fellowship, 1996, (G3444).

[4] THAYER Greek-English Lexicon of the New Testament, (Electronic edition). International Bible Translators (IBT), Inc., 2000, (3533).

[5] Louw, J.P.; Nida, E.A. Louw-Nida Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains, 2nd Edition, (electronic ed.). Edited by, New York: United Bible Societies, 1988, (58.2).

[6] Lightfoot, J.B. St. Paul’s Epistle to the Philippians. Londres: Macmillian and Co., 1898, 132-133.

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