Quinta, 18 de Abril de 2024
   
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Obadias 14

 

“Você não devia ter ficado nas encruzilhadas para aniquilar os fugitivos da cidade e não devia ter entregado os sobreviventes dela no dia da aflição” (Obadias 14).

O trecho das acusações de Deus que lista as ações que Edom não podia ter feito — e pelas quais seria fatalmente punido — se encerra no v.14 com duas atuações perversas em vez de três, como nos versículos anteriores. Mas não é por serem apenas duas que o versículo é mais brando. Ao contrário, surgem aqui as atitudes mais cruéis daquele povo contra os habitantes de Jerusalém, concluindo um quadro crescente, no formato “você não devia”, que começou no v.12, e atinge, agora, um ponto assustador de maldade em meio à injustificada violência contra refugiados indefesos.[1]

O texto diz que aquele povo “não devia ter ficado nas encruzilhadas”. O verbo “ficar”, no original, tem o sentido, entre outros significados, de “postar-se”, “situar-se”, “permanecer” e “esperar”.[2] É um ótimo verbo para descrever a atitude de alguém que traça um plano de armar uma emboscada e o coloca em prática, ficando de prontidão enquanto aguarda o momento certo de se lançar sobre sua presa. Contudo, esse plano não previa apenas uma atitude, mas também um local: as “encruzilhadas”. O significado da palavra hebraica traduzida como “encruzilhada” é incerto. Ela só aparece mais uma vez na Bíblia (em Na 3.1) com um sentido um pouco distinto. Entretanto, a raiz do termo vem do verbo hebraico que significa rasgar ou separar, de modo que uma “bifurcação na estrada”, local em que o caminho é dividido e se separa, é uma boa tradução, especialmente para o contexto da passagem, que parece apontar para locais estratégicos nos quais bandos de edomitas emboscaram e prenderam os israelitas que fugiram do ataque a Jerusalém.[3]

A tática da emboscada, em si, já traz consigo um elemento de caráter traiçoeiro, pois ataca o inimigo quando ele está despreparado e sem a possibilidade de se defender adequadamente, tornando a batalha desigual. Mas a descrição sequencial mostra um quadro muito pior em que os alvos eram “fugitivos da cidade”, texto que aparece no original como “fugitivos dele”. Contudo, não restam dúvidas a respeito do local de origem dessa fuga: a cidade de Jerusalém. Em suma, aqueles que conseguiram evitar a morte e a prisão dentro da cidade invadida empreenderam uma desesperada fuga para salvar suas vidas.

Nessa fuga era natural que, em meio ao medo e terror, os fugitivos corressem pelos caminhos mais naturais e bem-conhecidos que favorecessem a evasão. As estradas com suas bifurcações para vários lugares seriam pontos prováveis onde encontrar tais pessoas para detê-las, completando os objetivos militares. Mas não era apenas isso que Edom desejava. Seu objetivo deixou de ser tático, já que a batalha estava vencida e a cidade tomada, e passou a ser fonte do deleite adicional de alimentar sua crueldade. Para isso, eles armaram emboscadas com a intenção deliberada de “aniquilar os fugitivos da cidade”. Pessoas derrotadas, cansadas, com medo, talvez feridas, confusas e despreparadas foram os alvos das espadas e lanças edomitas, as quais surgiram de modo inesperado e fizeram vítimas sem qualquer escrúpulo ou pudor.

A cláusula seguinte contém a reprovação do Senhor a Edom, dizendo que ele “não devia ter entregado os sobreviventes”. Ao que tudo indica, ou a intenção de aniquilar os fugitivos foi realizada apenas parcialmente nos locais de emboscada, ou a prisão com o fim de aniquilação posterior foi o objetivo da captura dos que sobreviveram à batalha que culminou na invasão de Jerusalém. Ao dizer que Edom havia “entregado os sobreviventes”, a mensagem implícita, mas óbvia, é que eles foram entregues para serem mortos, exterminados, aniquilados. Entretanto, o texto não explica a quem os prisioneiros foram entregues.

Quando observamos sentenças punitivas de Deus a outras nações, percebemos uma prática semelhante entre outros inimigos de Israel. Em uma sentença proferida contra Gaza, umas das cinco principais cidades da Filístia, é dito: “Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Gaza e por quatro, não sustarei o castigo, porque levaram em cativeiro todo o povo, para o entregarem a Edom. Por isso, meterei fogo aos muros de Gaza, fogo que consumirá os seus castelos” (Am 1.6-7). A cidade fenícia de Tiro ouviu algo semelhante pela mesma razão: “Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Tiro e por quatro, não sustarei o castigo, porque entregaram todos os cativos a Edom e não se lembraram da aliança de irmãos. Por isso, meterei fogo aos muros de Tiro, fogo que consumirá os seus castelos” (Am 1.9-10). É possível que se trate de feitos ocorridos na mesma ocasião que estamos tratando no livro de Obadias, já que Amós data do século 8 a.C., menos de cem anos após uma provável e preferível data mais antiga para o livro de Obadias.

Sendo essa a ocasião ou não, o que se depreende desses textos é que foi prática de mais de uma nação reservar os sobreviventes para serem entregues ao aliado militar. Como Edom nunca foi uma potência bélica que pudesse encabeçar uma invasão militar, especialmente sobre filisteus e fenícios, e não justificaria vê-lo como líder único a quem fossem entregues os prisioneiros, é razoável supor que o exército multinacional agiu junto, capturando e reservando os cativos para, também juntos, em celebração de triunfo uns com os outros, exterminarem os derrotados.

Desse modo, veríamos tanto Edom entregando prisioneiros como outras nações fazendo o mesmo, sendo todas elas alvos dessas palavras de juízo divino, tanto em Obadias como em Amós. Trata-se de uma situação ainda mais cruel que aquilo que se mostrou na primeira parte do versículo, pois envolve um morticínio desnecessário com intenções comemorativas sádicas. Quando se vê o quadro todo, é impossível não lembrar dos versículos anteriores que mencionaram a ação perversa de “olhar com prazer” para sofrimento de Judá, ocasião em que, mais uma vez, como no v.12, é nomeada aqui como “dia da aflição”. Trata-se de atos maldosos que deram prazer aos maus.

Impressionante até que ponto podem chegar a maldade e a crueldade do ser humano depois que o pecado entrou no mundo! Edom começou a ser descrito como um povo que estava junto a outros inimigos de Israel, tendo possivelmente ocupado um lugar secundário na invasão da cidade, mas que se alegrou morbidamente diante do sofrimento de Israel, seu povo irmão. Posteriormente, entrou na cidade junto com seus aliados, agiu da mesma forma que os demais invasores e apropriou-se de bens que não lhe pertenciam. Encerrou sua campanha militar perseguindo e emboscando fugitivos fracos, indefesos e assustados com a mais cruel e perversa intenção de exterminá-los enquanto comemorava o sofrimento da cidade ao lado dos seus aliados. Um quadro aterrador do crescimento do mal.

A coisa mais triste e assustadora disso tudo é que qualquer um de nós pode, em primeiro lugar, sofrer a maldade de pessoas assim, que abandonaram os pilares morais e éticos que Deus deu aos homens por meio das Escrituras para que lhes servissem como guia no bem e como freio no mal. Por outro lado, nós mesmos podemos progredir no mal, se é possível descrever o aumento da maldade como um “progresso”, um progresso decadente.

A verdade é que, longe das instruções divinas da Palavra de Deus e sem o compromisso constantemente renovado de obedecer e servir ao nosso salvador, qualquer servo do Senhor pode esfriar na fé e passar a amar cada vez mais o mundo. Nesse caso, seu prazer não virá mais da comunhão com Deus, da prática dos seus ensinos, da noção do perdão graciosamente recebido ou da esperança da vida eterna. Em lugar disso, os impulsos pessoais e os apetites carnais passam a ser o centro da vida e das motivações, crescendo cada vez mais, desviando a pessoa gradual, mas incessantemente, até que ela se torne irreconhecível, sendo facilmente confundida com um ímpio qualquer, um rebelde contra o Senhor. Que a triste experiência de Edom nos alerte para a necessidade diária de comunhão, arrependimento, aprendizado e adoração ao único e verdadeiro Deus.

Pr. Thomas Tronco


[1] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 731.

[2] Schökel, Luiz Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997, p. 503.

[3] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 14, nota 70].

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