Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Obadias 11

 

“No dia em que você ficou em pé defronte a ela, dia este em que estranhos capturaram seus bens, estrangeiros entraram por sua porta e lançaram sortes sobre Jerusalém, você também agiu como um dentre eles” (Obadias 11).

Se nos primeiros dez versículos de Obadias, os atos de Edom contra Israel ficaram, até certo ponto, subentendidos, os próximos quatro versículos os exporão com mais detalhes, de modo que, quem lê a profecia desse livro não fica sem entender quais foram os pecados que Deus puniria de modo tão intenso. Grosso modo, os edomitas se tornaram culpados por participarem com outros povos de uma invasão a Jerusalém (v.11,13a), deleitarem-se de modo cruel diante do sofrimento dos israelitas (v.12-13b), apropriarem-se dos seus bens (v.13c) e perseguirem os fugitivos indefesos com a finalidade de fazê-los morrer (v.14).

O v.11 inicia com uma referência a um “dia” específico. A palavra hebraica traduzida como “no dia em que” aparece duas vezes, uma no início do versículo e outra na menção de estranhos tomando os bens do povo de Jerusalém. Apesar de o termo “dia”, em Obadias, ter seu clímax no anúncio do “dia do Senhor” (v.15),[1] tornando assim razoável suas dez menções no livro para criar paralelos e comparações, sua dupla aparição no v.11 compromete um pouco da fluência do texto, seja em português ou hebraico. Por isso, ainda que truncando a construção das frases, tal repetição parece ser intencional, cumprindo a finalidade de enfatizar o dia em que Edom cometeu algo imensamente terrível. Foi um dia marcante com consequências irreversíveis. Nesse dia, o exército edomita “ficou em pé defronte a ela”. O texto não diz em frente a que Edom ficou parado, mas a segunda metade do versículo deixa claro se tratar de Jerusalém. A imagem de ficar em pé diante de uma cidade, junto a outros exércitos estrangeiros, é a descrição de um cerco. Jerusalém foi cercada por um exército multinacional, ao qual não conseguiu repelir, caindo em suas mãos.

Ao descrever o que ocorreu nesse dia singular, é dito que “estranhos capturaram seus bens”. O sentido do termo “bens” aqui é um pouco ambíguo, porque ele também pode ser traduzido como “os fortes”, uma possível referência ao exército israelita que defendeu a cidade. Se interpretado desse modo, o trecho diria que “estranhos fizeram cativos seus guerreiros”. Essa versão é possível e corresponderia bem ao que parece ser uma descrição cronológica que contaria com o cerco, a derrota do exército defensor, a entrada na cidade e a distribuição dos despojos por meio de sorteios. Porém, a mesma palavra hebraica surge no v.13, onde é, indubitavelmente, uma referência aos “bens”[2] tomados dentro da cidade invadida. Em textos tão próximos, é incomum que um escritor use o mesmo termo com sentidos distintos, preferindo substituir um deles por um sinônimo a fim de não criar confusão no leitor. Desse modo, no caso de o correto ser que “estranhos capturaram seus bens”, é provável que se trate da apropriação das posses que estavam fora dos muros e que, na pressa da fuga, não puderam ser levadas para dentro da cidade, como rebanhos e outros bens deixados para trás.

Na próxima etapa, os exércitos “estrangeiros entraram por sua porta”. Jerusalém era uma cidade difícil de ser invadida, tanto por suas muralhas, como por seu relevo, no qual parte da muralha ficava sobre uma elevação, tornando a fortificação mais alta e impenetrável. A porção mais fácil de invadir era menor e acabava por concentrar o exército defensor, tornando-o mais forte e enfraquecendo a ação dos invasores. O fato de parecer que o texto expõe uma queda rápida talvez se deva ao fato de que o ataque não era esperado e que não havia guerreiros suficientes para a defesa, contando mais com moradores e camponeses que se refugiaram na cidade, abandonando seus bens pelo caminho. Se o texto não é claro quanto à duração e dificuldade do cerco, o resultado patente é que os inimigos venceram a batalha e entraram na cidade por sua porta, dominando seu interior.

Finalmente, já com domínio pleno sobre a localidade, os invasores “lançaram sortes sobre Jerusalém”. Trata-se de uma prática antiga na distribuição de posses sem que houvesse discórdia e confusão. Modos comuns dessa prática utilizavam pedras colocadas na dobra do peito de uma roupa, ou em um pote em que eram chacoalhadas até serem tiradas. O resultado era considerado como decisão divina,[3] não rendendo discussões posteriores. Uma ocorrência conhecida desse modo de repartir bens se deu na crucificação de Jesus, na qual os soldados “repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte” (Mt 27.35). Pode parecer uma prática útil por parte de quem toma e reparte para si posses alheias, mas é tremendamente triste e humilhante para aqueles que foram privados de seus bens e que os veem serem dados como prêmios a quem foi sorteado.

Diante desse quadro infeliz para os israelitas, Edom aparece como um dos participantes da promoção trágica, sendo dito que “você também agiu como um dentre eles”. Esse trecho, apesar das dificuldades de tradução, parece conter a chave para se compreender a participação dos edomitas na invasão. Duas linhas dentre as versões bíblicas optam por apresentar o final desse versículo como algo semelhante a “você era um deles” ou “você era como se fosse um deles”. Na primeira possibilidade, Edom agiu ativamente na invasão. Na segunda, Edom assistiu a invasão e a apoiou, sem tomar parte na batalha. Contudo, o texto original traz problemas para essas duas alternativas.

Para quem opta pelo sentido de “você era um deles”, a dificuldade vem de uma preposição, traduzida por “era como”, que produz a ideia de que Edom não teve a mesma atuação dos demais exércitos, mas os apoiou tão intensamente que foi como se ele mesmo tivesse participado. A opção de considerar Edom um espectador satisfeito é mais comum por parte daqueles que creem que a ocasião em questão é a queda de Jerusalém pelas hordas babilônicas, em 587 a.C., na qual a participação ativa de Edom é bem improvável. Para esses, o melhor sentido seria “você era como se fosse um deles”. Mas esses também encontram um sério problema devido à presença do advérbio traduzido como “também”, que encabeça esse trecho do versículo. Seu efeito é que ele desfaz a ideia de que Edom assistiu, mas não participou. O texto deixa claro que ele “também” teve parte nos acontecimentos. Por conseguinte, a versão “você era um deles” é mais comum entre aqueles que acham se tratar de uma invasão multinacional anterior na qual a participação de Edom é mais provável junto a exércitos com menor poderio militar e, portanto, mais dependentes da união de forças entre as nações.

Apesar de eu mesmo crer em uma data anterior, para que a tradução faça jus ao texto original, é preciso que as duas partículas hebraicas aqui mencionadas sejam levadas em conta. Desse modo, uma boa forma de compreender a cláusula final do versículo é “você também agiu como um dentre eles”. Nesse caso, uma participação intermediária parece surgir no quadro geral. Edom possivelmente atuou sem ser a linha de frente dos combates, talvez mais “em pé defronte a ela” que junto àqueles que “capturaram seus bens” na chegada a Jerusalém, o que seria esperado no caso de os edomitas estarem junto a nações mais fortes e com mais guerreiros. Por outro lado, eles também entraram pela porta da cidade e tomaram bens de Jerusalém para si (v.13), assim como os demais invasores, agindo “como” eles, “como um dentre eles”. Se Edom não se destacou na batalha, certamente lucrou com os despojos e se alegrou muito com isso, nem tanto pelo proveito financeiro, mas pela contemplação do sofrimento de Israel (v.12). De qualquer modo, seja uma participação ativa, passiva ou intermediária, a sentença da parte de Deus foi que a destruição completa os atingiria, visto que agiram “contra seu irmão Jacó” (v.10).

Refletindo sobre a questão, não é possível deixar de fazer uma comparação razoável com nossa realidade. Nós também, por vezes, podemos ter uma participação parcial nas ações do mundo. Vivemos tempos em que a igreja de Jesus tem sido ensinada, inclusive de púlpitos, que não é necessário um distanciamento tão grande do modo de viver dos incrédulos e que uma certa aproximação e identificação com eles é até benéfica. Segundo os propagadores dessa visão, Deus não estaria tão interessado em detalhes pequenos, mas no quadro geral, de modo que, se não formos tão santos, mas demonstrarmos amor, isso já bastaria para o Senhor. Ele não levaria em conta as desobediências e pecados desde que não façamos totalmente igual ao mundo.

Entretanto, essa ideia não serviu para Edom. Parece que a participação dos edomitas em um grau menor que os demais não foi um fator de alívio no tratamento divino, pois seu maior crime não foi o que ele fez, mas contra quem fez, “seu irmão”. Do mesmo modo, os pecados que praticamos não são avaliados em comparação com os perdidos, mas em relação a quem eles ofendem e contra quem são cometidos: o próprio Deus. Por isso, não podemos nos acomodar aos padrões mundanos de vida e pensamento, nem podemos ficar tranquilos por pecarmos em um nível menor que o dos ímpios. Temos de lutar contra o mal e a rebeldia porque ambas ofendem nosso Senhor e rei. E quando estivermos diante dele, em lugar de ouvir “servo bom e fiel” (Mt 25.21), certamente a última coisa que gostaríamos de escutar será “você também agiu como um dentre eles”.

Pr. Thomas Tronco

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[1] Smith, Billy K.; Page, Franklin S. Amos, Obadiah, Jonah, vol. 19B, The New American Commentary. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1995, p. 191-192.

[2] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 11, nota 52].

[3] Brown, Francis; Driver, S. R.; Briggs, Charles. Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon. Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, 2000, p. 174.

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