Quarta, 24 de Abril de 2024
   
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Obadias 5

 

“Se ladrões viessem a ti durante a noite, não roubariam o suficiente para eles? Se colhedores de uvas viessem a ti, não deixariam alguns cachos sem colher? Oh, como você será devastado!” (Obadias 5).

Seguindo o mesmo raciocínio do versículo anterior, de levantar suposições hipotéticas com finalidade didática — só que dessa vez numa esfera da vida cotidiana e não em situações figurativas —, o escritor propõe duas situações que servirão como base de comparação para o que Deus anuncia por meio do profeta a respeito do que faria aos edomitas quando trouxesse seu juízo. A diferença marcante entre o v.5 e o anterior é que o v.4 supõe situações positivas nas quais Edom se colocaria em locais protegidos e inacessíveis a ataques inimigos, o que serviu ao propósito do Senhor de mostrar que eles nunca conseguiriam ficar inacessíveis a ele. O presente versículo, entretanto, propõe situações negativas de perdas com a finalidade de dosificar o tamanho do impacto do que Deus lhes faria quando executasse seu julgamento.

Esse texto é tão forte e eloquente no anúncio de uma dura punição que Jeremias o repete justamente na profecia que envolve a destruição do próprio Edom, acrescentando vários detalhes que Obadias não chegou a mencionar (Jr 49.7-22). Assim, no tocante ao grau do tratamento divino que lhes recairia sobre a cabeça, Jeremias lhes recorda as antigas palavras de Obadias, dizendo: “Se vindimadores viessem a ti, não deixariam alguns cachos? Se ladrões, de noite, não te danificariam só o que lhes bastasse?” (Jr 49.9).

Com o fim de qualificar o juízo futuro, o profeta Obadias lança mão de sua primeira comparação didática na forma de um roubo por parte de ladrões que cometessem seu ato subtraindo posses da sua vítima. Ao mencionar um ataque noturno, podemos imaginar a situação de um furto em segredo, sem que os donos da casa percebam ou possam impedir. De qualquer modo, o objetivo não é descrever a ação criminosa, mas o tamanho do roubo. É dito que eles “roubariam o suficiente”. Isso quer dizer que eles não levariam tudo que há na casa, mas apenas o que lhes bastasse. Talvez a menção de uma ação noturna seja para mostrar que os ladrões até poderiam ter levado mais auxiliados pelo sigilo do seu golpe. Apesar disso, ainda que o prejuízo fosse real, não significaria a ruína completa e total da vítima. Ela não seria privada de todos os seus bens, mas apenas daquilo que foi roubado. O proprietário sofreria apenas uma perda parcial.[1] A ideia é que isso ocorreria devido ao objetivo de os invasores não ser o de devastar a vítima, fazendo-lhe um ataque de contornos pessoais ou trazer alguma vingança ou retribuição, mas simplesmente tomar algo para si de modo criminoso.

A segunda cena envolve vindimadores, ou seja, colhedores de uva. Apesar de o texto hebraico usar a mesma expressão “viessem ti” que utilizou no caso dos ladrões, a figura pode descrever duas situações. A primeira, gerada pela expressão aqui citada, pode ser a de outro grupo de ladrões que, em vez de tomar bens da casa, roubam parte da produção de uvas diretamente das videiras. Assim, seria uma figura paralela à primeira, cuja conclusão seria a mesma: eles não roubariam toda a produção, mas apenas o que lhes bastasse.

Entretanto, outra possibilidade é a de uma colheita feita por funcionários do dono das terras, sendo parte da atividade agrária. Mesmo nesse caso, seria normal que nem todos os cachos fossem colhidos, visto que a lei de Moisés assim o determinava: “Quando vindimares a tua vinha, não tornarás a rebuscá-la; para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva será o restante” (Dt 24.21). Rebuscar significa procurar algo insistentemente. É buscar e tornar a buscar. É o que faria um produtor que não quisesse deixar nada para trás, nem perder um cacho de uvas sequer. Mas a lei não permitia agir assim a fim de que sobrasse algo que pessoas necessitadas pudessem colher para sobreviver à pobreza e à fome. Era um dispositivo misericordioso da lei com vistas ao acolhimento e suprimento dos necessitados. Tanto a primeira como a segunda possibilidade pintam um quadro no qual pessoas vitimadas pelas circunstâncias têm alguma esperança e recurso, seja pela não tomada de toda a produção ou pela possibilidade legal de encontrar e colher em campos alheios o necessário para viver. Nem toda esperança desapareceu.

Contudo, a menção dessas situações não serviu a Edom para produzir esperança, mas para acabar com ela, visto que o versículo acrescenta: “Oh, como você será devastado!”. Essa interjeição, típica de canções de pranto,[2] que surge no meio da frase no texto original, dando a ele um tom mais emocional e retórico, é contraposto às hipóteses que o profeta levanta. No primeiro caso, os ladrões não arruinariam a vítima tirando-lhe absolutamente tudo que possuía. Entretanto, quando Deus agisse, Edom não teria a mesma sorte, nem a chance de se recuperar, mas seria completamente arruinada. Do mesmo modo, viajantes e pessoas necessitadas tinham a esperança de encontrar o que precisassem para sua subsistência devido ao caráter misericordioso da lei, mas nenhuma misericórdia haveria, nem esperança alguma restaria a Edom quando o Senhor vindicasse seu povo e retribuísse aos edomitas o que haviam feito aos israelitas no dia do seu desespero.

Diferente de um roubo noturno, no qual os ladrões levam apenas o que lhes basta, no caso de Edom nada sobraria, pois o tratamento do Senhor seria uma retribuição bem pessoal com a intenção específica de abater tal povo. Também não seria como na colheita de uvas, pois nada seria deixado em sinal de misericórdia.[3] Essa interjeição presente no versículo, na forma de um lamento, tem grande peso literário, mas mais peso ainda em sua aplicação.

Israel conheceu bem o peso desse tipo de interjeição, como, por exemplo, no lamento de Davi pela derrota do exército de Saul e, em especial, pela morte de seu amigo Jônatas: “A tua glória, ó Israel, foi morta sobre os teus altos! Como caíram os valentes!” (2Sm 1.19). Outro exemplo marcante é a introdução do livro de Lamentações, na qual o profeta Jeremias derrama suas lágrimas pela desventura nacional causada pelo terrível abatimento diante da Babilônia: “Como jaz solitária a cidade outrora populosa! Tornou-se como viúva a que foi grande entre as nações; princesa entre as províncias, ficou sujeita a trabalhos forçados!” (Lm 1.1). Isso significa que quando Deus traz a punição que ele prediz, ela é tudo que ele anunciou, causando um sofrimento que não pode ser ignorado ou desprezado. Trata-se de algo muito sério.

Esse texto, por um lado, lembra-nos da graça do Senhor ao não deixar que pessoas sejam completamente abatidas pela maldade do mundo e pela carestia. Mas também serve para apontar outro lado do seu modo de tratar os homens quando finalmente lhes fecha as portas da misericórdia. No caso de Edom, depois que Deus o julgasse, nenhuma misericórdia seria concedida, nem esperança alguma restaria de que pudesse novamente se levantar e recuperar sua condição anterior. O juízo, mesmo que demorasse a chegar, seria implacável e irreversível.

Do mesmo modo, o Novo Testamento alerta os servos de Deus de que, ainda que ele seja gracioso e conceda o que não merecemos, não vivemos sem um Pai, o qual, por nos tratar como filhos, também nos disciplina em algum momento depois de pacientemente ter ensinado e corrigido por sua Palavra. Ainda que isso seja positivo, tal trato traz dores que gostaríamos de evitar: “Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (Hb 12.11).

Entretanto, a aplicação principal que faz jus ao peso do texto de Obadias recai sobre as pessoas que ainda rejeitam Jesus como seu salvador. A esses, a Bíblia anuncia a misericórdia presente do Senhor tanto ao enviar seu Filho para morrer em lugar dos pecadores como sua paciência ao lhes oferecer a salvação pela mensagem do evangelho sem que já tenha encerrado o tempo em que o nome de Jesus pode ser buscado e invocado. Porém, também alerta que o preço de rejeitar a salvação pela fé em Jesus será a condenação eterna que, quando aplicada, não permitirá que reste esperança nem haja uma segunda chance. A aparente segurança do presente um dia se mostrará enganosa: “Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” (Lc 12.20). E o resultado não será como um roubo pela metade, ou como uma plantação com alimentos disponíveis, mas o irreversível e completo abatimento pelo Senhor: “Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado” (Mt 13.12).

Pr. Thomas Tronco


[1] Smith, Billy K.; Page, Franklin S. Amos, Obadiah, Jonah, vol. 19B, The New American Commentary. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1995, p. 186.

[2] Baker, David W.; Alexander, T. Desmond; Sturz, Richard J. Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias: Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 40.

[3] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Vol. 1. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 1456.

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