Terça, 23 de Abril de 2024
   
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É Pecado Desenhar Jesus?

Pastoral

“Este é a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15).

É comum ver crianças pintando ilustrações sobre as histórias de Jesus. Entretanto, seria essa uma prática pecaminosa? Seria uma evidente afronta ao mandamento “não farás para ti imagem...” (Êx 20.4; Dt 5.8)? Ainda que alguns teólogos defendam que Cristo não pode ser desenhado numa folha de papel sem que seja cometido algum tipo de idolatria, gostaria de tranquilizar os professores do departamento infantil sobre a questão: não é pecado pintar desenhos sobre Jesus ou mesmo contemplar uma boa obra de arte que busque retratar o nosso Salvador.

De fato, o Antigo Testamento proíbe veementemente que o homem se curve diante de qualquer imagem. Textos como Deuteronômio 4.12-19 e o famoso episódio do bezerro de ouro (Êx 32) fazem coro à proibição presente no decálogo. Porém, é evidente que o alvo de tais instruções é impedir que o povo cultue ídolos mortos e inúteis no lugar do Deus vivo e operante. Além disso, a ênfase na transcendência do Senhor — ou seja, sua absoluta separação, autonomia e soberania em relação à criação — tinha por alvo mostrar que Deus não pode ser manipulado por rituais, limitado pela geografia ou associado a conceitos pagãos de divindade (2Cr 6.18; At 17.24-25). Em linhas gerais, os autores do AT destacam insistentemente que o Senhor não é como o homem ou como os ídolos e, portanto, qualquer representação material seria incoerente com a natureza espiritual de Deus (Jo 4.24).

A questão é que a revelação progressiva do Senhor, ao longo da história, caminhou pelas páginas do AT e, enfim, culminou em um ápice glorioso: Jesus Cristo, totalmente Deus e totalmente homem (Hb 1.1-4). Ao assumir a plena humanidade, nosso Salvador se tornou um ícone palpável do Deus trino, já que ele próprio afirmou que “quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9 cf. Jo 1.18; 2Co 4.4). A palavra utilizada por Paulo em Colossenses 1.15 para “imagem” (eikōn) sugere justamente a ideia de uma efígie. Portanto, no Jesus encarnado, o invisível tornou-se visível, ainda que o Senhor continue sendo também espiritual e não limitado pela matéria. Sem dúvida, trata-se de um grande paradoxo para nossa mente finita, pois, mesmo transcendente, Deus assumiu voluntariamente a forma humana (Fp 2.5-8) e passou a ter olhos, ouvidos, pés e mãos, exatamente como nós.

Alguns defendem, porém, que pintar um quadro sobre Jesus seria um ato idólatra por retratar apenas sua realidade humana e não sua natureza divina — que, obviamente, não poderia ser limitada a um desenho. Além disso, argumentam que, como não temos um retrato de Cristo divinamente inspirado e preservado, não sabemos qual era sua real aparência e, assim, qualquer tentativa de registro seria fruto da imaginação e consequente idolatria. Tais teólogos pregam, ainda, que o único meio de revelação seguro que Deus usa é a sua Palavra — o que é verdade! —, de modo que as crianças devem ser ensinadas a se relacionar com Jesus por meio de vocábulos, mas sem se aventurar a esboçar sua fisionomia, mesmo que em traços genéricos de um boneco de palito.

A falácia de tais argumentos reside no fato de que a própria revelação escrita, por mais inspirada que seja, ainda é limitada para esgotar todo o significado e conceito da divindade do Senhor. Verbalizar “Deus é majestoso” não faz justiça à majestade divina em sua completude, pois linguagem alguma totaliza o ser de Deus. Do mesmo modo, um quadro pintado nos tempos de Cristo não poderia retratar a plenitude da sua divindade. Talvez, o melhor que tal pintura pudesse fazer fosse sugerir isso de modo limitado ao representar o Salvador realizando algum milagre ou ato exclusivamente divino. Aliás, nem mesmo a simples aparência de Cristo sugeria que ele era Deus (Is 53.2), fazendo com que uma fotografia de Jesus também não retratasse sua natureza divina. Em todos os casos, devemos aplicar o princípio da acomodação, no qual o Deus transcendente se adapta à nossa capacidade de compreensão limitada com o objetivo de relacionar-se conosco de modo efetivo. Na Escritura inspirada, Deus se revelou de forma verbal. Em Cristo, revelou-se de forma inegavelmente visual. A conjugação dessas duas realidades nos permite imaginar um Jesus com aparência humana normal, sem negar que existam verdades que transcendam o lápis de cor.

Além disso, ao pregar a inviabilidade de representar graficamente Jesus após a encarnação, muitos teólogos não percebem que flertam com uma versão light da antiga heresia docetista. Nessa distorção, Jesus apenas teria uma aparência humana, mas não seria de carne e osso. Ora, quando uma criança é proibida de desenhar Cristo com a aparência de um homem comum — com cabeça, cabelo, olhos, boca, mãos, pés —, a corporeidade de Jesus é colocada em xeque, afirmando, indiretamente, que nosso Salvador se tornou um ser etéreo e inimaginável, quando o testemunho bíblico é outro (Lc 24.39; Jo 20.27). O princípio mais valioso nos desenhos infantis não é retratar o rosto do Salvador com precisão renascentista, mas mostrar que ele se tornou do mesmo “material” que nós a fim de morrer em nosso lugar (Hb 2.14-17).

Fica evidente, portanto, que a proibição gratuita e descabida de elementos tão simples e naturais à fé cristã pode afastar verdades fundamentais da mente dos crentes, abrindo espaço para invencionices e legalismos vazios, tão prejudiciais para a igreja quanto a iconolatria romanista — o outro extremo da gangorra. Mas, enfim... Se você não percebe tal realidade, então nem adianta eu tentar desenhar!

Pr. Níckolas Borges

Coram Deo

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