Sábado, 20 de Abril de 2024
   
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Quarentena, Solidão e Solitude

Pastoral

Nós vivemos, de fato, em um mundo faminto por solitude, silêncio e privacidade: portanto, faminto por meditação e verdadeira amizade.

C.S. Lewis (1898-1963), O Peso da Glória

Nos últimos meses, grande parte da população mundial, especialmente nos grandes centros urbanos, foi forçada a mudanças do estilo de vida que a colocou mais próxima de palavras com diferentes graus de dificuldade de definição. Eu tendo a pensar que a escolha da humanidade por viver em cidades e grandes comunidades realçou nossa experiência com os termos que veremos abaixo. Pela primeira vez na história do nosso planeta, mais da metade da população mundial (3,3 bilhões de pessoas) vive em cidades. Duzentos anos atrás, apenas 3% da população se concentrava em centros urbanos, um número que se manteve relativamente estável, com exceção de pandemias ocasionais, por cerca de mil anos. Projeta-se pois que, nos próximos 10 anos, 60% da população mundial se concentrará em cidades usufruindo de uma tecnologia distrativa que evolui a galope, ou melhor, a “Gigalopes”.

O termo mais fácil e objetivo — quarentena — é definido pelo Dicionário Aurélio como “isolamento de certas pessoas, lugares e animais que podem acarretar perigo de infecção; o período de quarentena é relativo e depende do tempo necessário para proteção contra a propagação de uma doença determinada”. Além de ser o termo mais fácil e objetivo, foi o mais amplamente divulgado e explicado na mídia, suportando o #FiqueEmCasa e causando a inédita suspensão temporária de cultos presenciais em nossa igreja.

O segundo termo — solidão — embora subjetivo, faz parte da experiência humana comum e é universalmente definido com relativa facilidade. Os seres humanos são tão familiarizados com o termo que até o usam como muita naturalidade para animais de estimação, como cachorros. O Aurélio é muito preciso em sua definição, pois valida o vocábulo mesmo quando se está rodeado de outras pessoas: “Estado de quem está só, retirado do mundo ou de quem se sente dessa forma mesmo estando rodeado por outras pessoas; isolamento: os encantos e as tristezas da solidão”.

Espiritualmente, as Escrituras colocam a solidão como o estado basilar do ser humano que ainda não nasceu de novo pelo Espírito e ainda continua distante de Deus, morto em delitos e pecados. O homem vive rodeado de pessoas — quando não gasta sua vida investindo tempo e recursos para que fique cercado de gente (Pv 19.4) —, mas não possui a companhia de Deus (Is 53.6, Rm 3.10-18, 2Co 5.17-20), o único que pode dissipar definitivamente o estado de solidão mortal em que vive nossa alma (Jo 16.32). O próprio Senhor Jesus Cristo experimentou a solidão quando se tornou maldição em nosso lugar no sacrifício vicário da cruz (Gl 3.13, 2Co 5.21). No ápice da dor física e emocional que experimentou na cruz, nosso Senhor não disse “como doem esses pregos!”, mas “Eli, Eli, lamá sabactâni!” — “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” — (Mt 27.46), mostrando como a interrupção da comunhão eterna com o Pai pesou sobre seu espírito ao trazer sobre si somente a solidão punitiva em que a humanidade está.

O terceiro termo — solitude — é subjetivo e de mais difícil definição. O Aurélio o define como “condição de quem se isola propositalmente ou está num período de reflexão e de interiorização”. Durante a história do pensamento cristão, diversos teólogos experimentaram e encorajaram o exercício da solitude, tendo como exemplo máximo o próprio Senhor Jesus Cristo (Mt 14.23). Infelizmente, a solitude tem sido negligenciada por crentes no mundo de distrações em que estamos mergulhados. Sobre o exemplo de Cristo, o puritano Thomas Brooks (1608-1680) escreveu: “Cristo escolhendo a solidão para a oração privada, não apenas nos indica o perigo da distração e desvio de pensamentos na oração, mas quão necessário é que escolhamos os lugares mais convenientes que pudermos para a oração privada”.

Creio que a explicação balanceada de Jonathan Edwards (1703-1758) sobre a bela combinação de momentos de solitude e comunhão na vida cristã, embora feita há séculos, ainda se faz urgente em nossa distraída e atribulada geração: “Alguns são muito afetados quando em companhia; mas não há comparação com, em segredo e meditação íntima, orar e conversar com Deus estando sozinho e separado do mundo. Um verdadeiro cristão sem dúvida se deleita na comunhão religiosa e na conversação cristã, e encontra nisso muito que afeta seu coração; mas, às vezes, também tem prazer em se retirar de toda a humanidade para conversar com Deus na solidão. E isso também tem vantagens peculiares para fixar seu coração e envolver suas afeições. A verdadeira religião dispõe as pessoas a ficarem muito sozinhas em lugares solitários para meditação sagrada e oração”.

Sozinho com Deus e junto com os irmãos,

Ev. Leandro Boer

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