Quinta, 25 de Abril de 2024
   
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A Igreja não É o Celeiro do Mundo

Distribuir “sopão” madrugadas adentro, envolver-se com ONGs de assistência social, levar cestas básicas a comunidades carentes, abrir o prédio da igreja para abrigar pessoas sem-teto e participar de manifestações públicas para “justiça social” são realmente responsabilidades legítimas do povo de Deus?

É surpreendente ver a quantidade de jovens e até de igrejas inteiras envolvidos com o auxílio material de desconhecidos, enquanto o povo de Deus padece ao redor do mundo. Infelizmente, a igreja tem passado de “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3.15) para uma instituição paragovernamental de auxílio aos carentes, em que a má compreensão teológica, influenciada por uma visão de mundo marxista e uma teologia liberal, tem feito a verdadeira “relevância” da igreja esvair-se rapidamente.

Portanto, a fim de combater tais visões e práticas, são apresentados a seguir três elementos que compõem uma teologia bíblica da assistência social.

Em primeiro lugar, deve-se sempre notar as prioridades de auxílio. Ao contrário do que muitos pensam, a igreja não deve ser o celeiro do mundo, entregando seus recursos de forma inconsequente a qualquer pessoa que esteja em necessidade. A Escritura estabelece a seguinte lista de prioridades para o auxílio material: 1) a própria família (1Tm 5.8); 2) os crentes da igreja local (Gl 6.10); 3) os irmãos de outras igrejas ou desconhecidos (At 11.29-30; Rm 15.26-27; 1Co 16.1-4; 2Co 8.1-4,24; 9.1-2,11-14); 4) os incrédulos conhecidos (Pv 3.27-28; 14.21; 21.10; Rm 12.17,20); 5) os incrédulos não conhecidos (Mt 22.37-40).

A lista acima pode parecer “insensível” ou “não evangélica” para alguns. Afirmações genéricas como “Jesus amou a todos” ou “fazei o bem sem olhar a quem” podem parecer piedosas, mas são fruto de um entendimento vago de generosidade. O próprio Cristo exibiu nítidas prioridades em seu ministério terreno, falando especialmente “às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10.5-6). E, mesmo em casos excepcionais, como o exorcismo da filha de uma mulher siro-fenícia (Mt 15.21-28; Mc 7.24-30), percebe-se que a ênfase da passagem é o contraste entre a fé gentílica e a incredulidade israelita, não o ensino sobre assistência material de qualquer tipo.

Dessa forma, “amar ao próximo como a si mesmo” não significa que o crente deve sempre emprestar dinheiro a seu vizinho necessitado, enquanto os seus próprios familiares, os membros de sua igreja ou mesmo os irmãos de outras comunidades locais estejam passando apertos. Porém, vale ressaltar o óbvio: existem várias formas de praticar o amor ao próximo, mesmo se tratando de não crentes. Pregar o evangelho é, sem dúvida, a maior expressão disso. Ajudar uma mulher sozinha a subir as escadas do metrô com suas pesadas embalagens também é amar ao próximo, assim como ceder o assento do transporte público a um idoso desconhecido.

Além disso, é importante lembrar que o Estado, também instituído por Deus (Rm 13.1), deve zelar por todos os desamparados da nação por meio de leis e práticas justas, sem qualquer favoritismo — seja em prol dos pobres ou dos ricos (Êx 23.6-9; Lv 19.15; Dt 1.16-17; Pv 31.4-9). Compreendendo esse papel estatal, a igreja não será sobrecarregada, já que a responsabilidade primordial do crente é o amparo de seus familiares e da comunidade cristã local. Desse modo, cabe ao crente orar por seus governantes (1Tm 2.1-3) e, por meio da pregação, exortá-los quando se desviarem da justiça (1Rs 18.17-18; Mc 6.17-20; At 24.24-27). Isso não significa, porém, que o cristão tenha autorização para participar de manifestações públicas ou atos políticos baderneiros “em defesa” dos oprimidos (Pv 24.21-22). Em um país democrático, a civilidade cristã é exercida por meio do bom comportamento, do voto consciente, da fiscalização constante e da eventual denúncia aos órgãos competentes. É assim que o crente alinha a submissão devida às autoridades (1Pe 2.11-17) com a repreensão do mal (Ef 5.11).

Em segundo lugar, é importante zelar pelo correto sistema de auxílio instituído na igreja. O livro de Atos registra que a função diaconal surgiu justamente para amparar os carentes (At 6.1-6) e que cabia aos apóstolos a administração dos recursos destinados à obra social (At 4.34-35). Essa atribuição da liderança local parece ser expressa também em Atos 11.29-30 e 1Coríntios 16.1-4, de forma que deve ser uma prática adotada pela igreja ainda hoje.

As razões para isso são muitas, incluindo a visão abrangente que pastores e diáconos possuem sobre as necessidades do rebanho e a experiência ministerial da liderança, a qual previne abusos por parte de eventuais aproveitadores (2Ts 3.10-12). É evidente, porém, que os líderes da igreja devem ser zelosos no cumprimento desse dever, administrando com sabedoria os recursos destinados ao povo de Deus em necessidade (Tg 2.15-16).

Por isso, o servo do Senhor deve permanecer atento às privações de seus irmãos, dispondo de seus próprios bens quando necessário (1Jo 3.17-18). Entretanto, deve fazê-lo sob a orientação dos pastores e diáconos locais, de forma que práticas como “vaquinhas” informais, sem autorização prévia da liderança, devem ser evitadas.

A própria Escritura também estipula quais devem ser os critérios para assistência social, livrando a igreja de excessos. Devem ser amparadas as “viúvas verdadeiramente viúvas” (1Tm 5.3-16) e aqueles que não fazem “corpo mole” para o trabalho (2Ts 3.10-12). Outra realidade importante é que o esquema de auxílio eclesiástico planejado e sustentado pelo próprio Deus contempla pessoas agraciadas com recursos e generosidade especiais (o chamado “dom de contribuição”, ensinado em Romanos 12.8). Além disso, outro princípio importante a ser observado é a discrição (Mt 6.2-4), algo muitas vezes ignorado em postagens nas redes sociais ou mesmo em eventos beneficentes de muitas igrejas.

Em terceiro lugar, vale mencionar que existem diversas formas de auxílio. Com isso, o cristão deve lembrar que há outras maneiras de ajudar alguém além da distribuição de cestas básicas. Muitos crentes engajados nas “lutas sociais”, bradando pela justiça lá fora, nem sequer conhecem a realidade da igreja local, ignorando as necessidades de seus irmãos e as ações da liderança para supri-las.

O mínimo contato com as diversas faces da comunidade local seria suficiente para mostrar que a assistência social cristã é abrangente, constante e necessária. Trata-se da troca de uma lâmpada queimada no cômodo escuro de uma senhora que mora sozinha; uma ida ao postinho de saúde do bairro para apanhar os remédios de um acamado; dar carona a uma família que não tem dinheiro para ir aos cultos; prestar assistência médica a uma irmã doente que necessita de curativos diários e não tem recursos para contratação de uma enfermeira particular; e por aí vai. A lista é imensa.

Colocar em movimento todas essas tarefas também é “visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações” (Tg 1.27). A igreja certamente disporá dos recursos necessários para outras fragilidades, mas nem todo auxílio se resume a um depósito bancário. Assim, o cristão que se preocupa com as mazelas sociais do mundo deve, antes, olhar para a própria igreja a fim de suprir tamanhas carências. Certamente, quando terminar o serviço local — se é que se pode usar a palavra “terminar”, já que muitas necessidades são perenes —, estará pronto para prestar assistência a irmãos desconhecidos, em outras igrejas. E o ciclo, então, inicia-se novamente.

Por fim, com tais princípios bíblicos em mente, o cristão deverá questionar se tem agido biblicamente ou tem sido “agitado por todo vento de doutrina” (Ef 4.14). Muitas vezes, uma atitude aparentemente nobre, “tendo forma de piedade” (2Tm 3.5), pode estar prejudicando a verdadeira causa do Reino de Deus. Trata-se de um chamado consciente e equilibrado às boas obras, pois é para isso que o cristão foi convocado (Ef 2.10; Tt 2.14; 3.8,14; 1Pe 2.12).

Pr. Níckolas Borges

Coram Deo

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