Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Janelas Abertas

Pastoral

Há algumas semanas, interrompi a exposição do Evangelho de Mateus nos cultos da noite para pregar sobre os três amigos de Daniel e sua coragem diante da fornalha ardente (Dn 4). Na ocasião, eu disse que pregaria sobre isso por causa do fim das férias, época em que muitos crentes têm de voltar ao ambiente babilônico do trabalho e da escola, enfrentando o desafio de se manter de pé, solitários, enquanto o mundo inteiro se curva diante das estátuas feias levantadas nos pátios lá fora.

Depois daquele sermão, continuei lendo o profeta Daniel e cheguei ao capítulo 6, que conta o famoso episódio da cova dos leões.  A maioria dos crentes sabe como aquele drama se desenrolou, mas vou lhes refrescar a memória.

O rei Dario constituiu líderes sobre todo o seu reino e, como Daniel se sobressaiu, ele pensava em colocá-lo acima de todos os demais. Então, um grupo de invejosos induziu o monarca a assinar um decreto proibindo que qualquer petição fosse feita, exceto ao rei, durante trinta dias, sob pena de o transgressor ser lançado na cova dos leões. Esse decreto, é lógico, vedava a prática da oração que Daniel exercia com zelo notável e, na verdade, o objetivo dos conspiradores era criar uma armadilha para o velho profeta, induzindo-o à desobediência e, enfim, à morte. Eles conheciam muito bem Daniel e, em seus planos maquiavélicos, contavam com sua fidelidade ao Senhor. Sabiam de fato que ele não deixaria de orar nem debaixo de mil decretos reais.

Dario, porém, que era simpático a Daniel, parece não ter notado a tramoia e assinou a lei inventada por aqueles perversos. Resultado: como era de se esperar, Daniel desobedeceu e, segundo o seu costume, orava três vezes ao dia em seus aposentos, bem em frente às janelas que se abriam para o Oeste, na direção de Jerusalém. Então, os inimigos, que já estavam à espreita, foram às pressas contar tudo a Dario que, ao que parece, só então percebeu a armadilha e ficou arrasado, tentando livrar da morte o velho judeu piedoso.

No fim das contas, não teve jeito. Daniel foi jogado na cova dos leões. Na manhã do dia seguinte, porém, Dario, ao procurá-lo para saber do seu estado, descobriu alegre que um anjo de Deus havia fechado a boca dos leões e livrado o fiel servo do Senhor da morte. Então, o rei mandou chamar os conspiradores, suas esposas e filhos e os jogou na cova dos leões. As feras estavam tão famintas que despedaçaram a todos antes que chegassem lá embaixo. Um novo decreto foi expedido depois pelo rei, determinando que o Deus de Daniel fosse respeitado em todo o reino.

É claro que uma história magnífica como essa é um verdadeiro celeiro de aplicações. Eu já ouvi até uma música que destacava a atitude piedosa dos leões que jejuaram durante toda a madrugada! Exagero — é claro —, mas o fato é que ninguém consegue ler Daniel 6 sem se impressionar com aquele velhinho de mais de oitenta anos que preferiu enfrentar os dentes das feras a deixar de buscar a Deus em oração. Nesse aspecto, eu mesmo me senti envergonhado ao perceber o quanto Daniel se arriscou para manter seu hábito de oração enquanto eu abro mão dessa prática sempre que aparece qualquer urgência ou mesmo quando não há urgência nenhuma.

Há, contudo, uma aplicação que se depreende do texto que não diz respeito diretamente à prática de orar e sim ao dever de testemunhar. Notem que Daniel podia manter sua vida de oração em segredo, fechando as portas e janelas do seu quarto, impedindo que o vissem de joelhos. Assim, ele continuaria orando sem que ninguém soubesse e sua vida estaria segura. Afinal de contas, Deus ouve as orações feitas às escuras, dentro do quarto — o próprio Jesus disse isso (Mt 6.6). Por que, então, Daniel não usou desse expediente?

A resposta a essa pergunta talvez não seja tão difícil. Eu suspeito que, se Daniel orasse em segredo, todos iriam supor que ele havia abandonado a obediência a Deus com medo de perder a sua vida e, então, quase setenta anos de testemunho vivo dentro da corte iriam por água abaixo. Todos diriam que sua fé era falsa, que ele não confiava em Deus na hora do perigo e que, entre a segurança física e a obediência religiosa, ele optara por manter a primeira em detrimento da segunda.

Daniel preferia perder a vida a deixar que pensassem isso, comprometendo seu testemunho. Assim, enfrentou a inimizade, o perigo, as acusações, a condenação, a escuridão da cova e a companhia dos leões que — justiça seja feita — foi melhor do que a companhia dos seus colegas da corte.

Testemunho de verdade é assim: tem um custo para ser mantido, mas se expõe assim mesmo. Faz questão de ser notado. Não se esconde, não dissimula, não tenta disfarçar. Abre as portas e as janelas para que todos possam vê-lo, mesmo sabendo das fornalhas e dos leões. E é esse testemunho que marca e faz história, quer o leão jejue, ou não.

Vivemos tempos difíceis, é verdade; tempos em que os crentes se igualam aos descrentes e têm até vergonha da fé. Os sinais de piedade de muitos são tímidos demais e só afloram dentro de quatro paredes, geralmente durante os cultos de domingo à noite. Falta-nos a inspiração dos heróis de Deus do passado que alardeavam seu testemunho com as janelas abertas, mesmo na expectativa de covas fechadas. 

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria


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