Terça, 16 de Abril de 2024
   
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Frio em Dezembro!

Pastoral

Quando criança, desenvolvi uma filosofia acerca do processo histórico que se baseava nos fatos que ocorriam no meu quintal. Eu morava num lugar simples e com muitas coisas para fazer e arrumar. Meu pai, na medida do possível, ia fazendo tudo, tornando o nosso espaço cada vez melhor. Havia uma cerca de ripas toda torta — ele a substituiu por um muro. Havia uma manivela para tirar água do poço com um balde — ele instalou uma bomba que puxava a água para uma caixa. Havia uma rampa lamacenta — ele fez um cimentado ladeado por grama e árvores frutíferas.

Eu observava tudo isso e, sem televisão ou qualquer outro tipo de acesso a informações globais, ia formando minha visão de mundo cheia de otimismo futurista. Deixe-me explicar melhor: vendo as melhorias que meu pai fazia no quintal e na casa, eu desenvolvi a convicção de que o que ocorria no pequeno espaço em que eu vivia era também o que ocorria no mundo inteiro. Eu achava que todos, em todos os lugares, estavam construindo muros novos, instalando bombas elétricas e pavimentando caminhos de barro. Crendo nisso, eu tinha plena certeza de que, no futuro, quando eu fosse adulto, o mundo seria muito lindo, um lugar maravilhoso de se viver. Essa expectativa era tão certa para mim que eu sequer a compartilhava com as outras pessoas. Pra que dizer o óbvio ululante? Meu mundo era meu quintal e o que de bom acontecia nesse mundo era palpável, inegável, fatual. Não havia o que discutir. Era, pois, assim que eu cria na melhora e no progresso da Terra.

Mais tarde passei a ver o mundo além da velha cerca de ripas e descobri entristecido que enquanto um homem planta um gramado, milhares de outros destroem florestas; enquanto um ornamenta um casebre, milhares de outros vandalizam cidades. Minha filosofia otimista de história estava errada e eu a vi desmoronar já na adolescência. “Ainda bem”, pensei, “que não a contei pra ninguém, se não seria ridicularizado”. De fato, só agora estou tendo coragem de contar o que imaginava, tendo o cuidado de enfatizar que, na época, eu era só um menino ingênuo.

Bem, justificativas à parte, o fato é que hoje eu ando pelas ruas da cidade e vejo as calçadas todas sujas, os cachorros vadios revirando e espalhando o lixo, as fachadas das casas e das lojas pichadas, as pessoas gritando palavrões no trânsito, os jovens se drogando ou fazendo arruaças nas praças... Decisivamente, o mundo que eu queria ver quando crescesse não era este. Na verdade, o mundo em que vivo hoje nunca esteve nem nos meus piores pesadelos de criança!

Por que estou escrevendo essas coisas? Porque estamos em dezembro, o mês do Natal. “Tá”, mas e daí? Daí que em dezembro sempre me pareceu que um lampejo da minha esperança infantil podia ser visto. Sim, pois, comemorando o Natal, as pessoas pintavam suas casas, limpavam os jardins, enchiam as janelas de enfeites, espalhavam músicas com belas melodias pelo ar e instalavam luzinhas coloridas por toda parte. Tudo ficava mais bonito, marcando a época mais feliz do ano e me fazendo lembrar a filosofia otimista que nasceu sob as árvores no meu quintal.

Note, porém, como as coisas estão agora. Observe o “espírito de Natal” deste ano. Quase nada do habitual clima sublime e tocante sobrou. Há poucos enfeites, pouca música, pouca beleza... Com efeito, mesmo o pequeno lampejo de minha velha expectativa vai se tornando menos brilhante a cada ano. Fazendo uma pequena digressão, eu acho que sei o motivo específico disso. Quando alguém odeia alguma coisa, primeiro tenta destruir a substância dela, depois busca acabar com sua memória. Os inimigos da fé, os dominadores deste mundo tenebroso (humanos, desumanos e não humanos) fizeram isso com o Natal. Primeiro o desfiguraram, transformando-o em comércio e em farra. Agora tentam apagá-lo da cabeça das pessoas, removendo da nossa cultura — por intermédio da mídia e de outros poderes seculares — qualquer vestígio cristão. O resultado de um ataque tão forte e prolongado é que, aos poucos, desaparecem das ruas, das praças e dos corações até mesmo as menores luzes de beleza que esta época deveria inspirar.

Dezembro, assim, ficou frio. É agora um mês comparável a uma lápide onde vejo escrito: “Aqui jaz a filosofia de história de um moleque bobo”. A época que antes me fazia lembrar as minhas belas expectativas, agora me faz ter mais certeza da tolice delas. De fato, seja qual for o mês do ano, é fácil perceber que o mundo caminha cada vez mais na direção contrária da que imaginei. Tudo vai ficando mais e mais desolado, certamente porque o pecado, cedo ou tarde, faz com que os que são dominados por ele se deleitem na devastação, na feiura, na sujeira e no que é grosseiro, tosco, deformado e vazio.

Hoje sou adulto, meu quintal é maior e, assim, posso ver isso. Mas como adulto e também crente em Jesus posso ver algo mais. Posso ver que, quando menino, eu não estava de todo errado. Crescendo na igreja, aprendi por meio da Bíblia que o mundo bonito que antes imaginei será real um dia. Não pelo trabalho de milhões de homens. Não! Antes, tal como o pequeno mundo do meu quintal, o mundo perfeito que virá com a aurora do Dia de Deus será obra de um homem só que criará novo céu e nova Terra. E isso não é um desejo infantil. É uma promessa divina, pois um menino nos nasceu, um filho se nos deu e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. O seu reinado não terá fim e ele consertará afinal todas as cercas quebradas, construirá todos os muros caídos, pavimentará todas as veredas lamacentas, limpará todos os jardins e fará a água jorrar viva de todos os poços.

É nele, pois, nesse Menino Deus, que encontro a realização de todos os meus anelos de criança, enquanto caminho entre os escombros desse meu quintal de adulto. É nele que nutro a esperança de um dezembro escatológico, eterno, cálido e cheio de cores, que me aguarda no futuro, enquanto estremeço de frio na geleira espiritual deste fim de ano sem luzes, sem enfeites e sem graça.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

 

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