Sexta, 19 de Abril de 2024
   
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Gálatas 3.1-5 - A Inutilidade do Zelo Legalista

 

No capítulo 3 de Gálatas, Paulo passa a tecer diversos argumentos em defesa da fé como instrumento de justificação e ação especial de Deus em detrimento da observância da Lei.

A seção se inicia com fortes palavras de censura que expõem a triste condição dos galateus. Com elas, Paulo quer claramente despertar seus leitores de forma que tornem à sensatez. “Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou?” (1), escreve o Apóstolo. Daí se depreende em primeiro lugar que abandonar a confiança exclusiva em Cristo e se estribar numa justiça própria imaginária que busca a salvação por meio da obediência externa a regras é a mais absurda loucura. Também um conceito mais amplo de sabedoria advém disso: o homem sábio é aquele que reconheceu a impotência dos seus esforços pessoais e lançou-se pela fé, sem reservas, nos braços do Salvador. Há, assim, sabedoria na fé. O homem sábio é, basicamente, o homem que crê. Sua sabedoria se expressa na fé em Cristo (2Tm 3.15).

A partir do v. 1 também se deduz que o legalismo exerce um notável fascínio sobre a natureza humana. É como se enfeitiçasse o homem, nublando sua mente e impedindo-o de andar à luz das verdades mais elementares do evangelho. O homem fica fascinado com a idéia de ser capaz de produzir sua própria justificação; sente-se atraído pela aparência de piedade que acompanha o zelo pelas tradições e pelas regras religiosas; busca cegamente a aprovação e admiração dos homens que mostram-se sempre impressionados com a religiosidade exterior; enfim, fica encantado com o que tem ares de grandeza e seriedade, mas não tem poder para fazer o indivíduo andar um centímetro sequer no rumo da santidade (Cl 2.23). Aqui, portanto, Paulo toca num dos fatores que fazem do legalismo uma das mais perigosas armadilhas: o fato dele fascinar as pessoas e, após entorpecer suas mentes, conduzi-las à apostasia, ao abandono da fé na suficiência de Cristo (5.4).

A insensatez dos crentes da Galácia ganhava contornos ainda mais fortes quando se considerava que o evangelho fora exposto a eles com clareza indescritível. Paulo lhes apresentara o sacrifício do Senhor e o significado de sua obra com tamanha vivacidade que era como se eles tivessem sido testemunhas oculares da crucificação (1Co 1.23; 2.2).[1] A suficiência da obra de Cristo no Calvário fora apresentada a eles de forma tão enfática que nenhum espaço restara para a confiança nas obras da Lei. A despeito disso, aqueles cristãos deixaram-se levar pelos encantos da doutrina da justificação pelas obras, sendo seduzidos pelos contornos de um sistema religioso centrado no esforço humano, com seu zelo aparentemente piedoso e glórias transitórias. Isso reforça o fato de que o problema dos galateus não fora ingenuidade ou ignorância, mas verdadeira e surpreendente estupidez, o que mostra quão poderosa pode se tornar a influência de falsos mestres no seio da igreja.  

A fim de despertar os crentes da Galácia do sono da insensatez, Paulo passa, a partir do v.2, a dirigir-lhes perguntas cujas respostas são fáceis e óbvias. Aliás, tão óbvias são as respostas que tais perguntas requerem que, por meio delas, fica ainda mais patente a insensatez dos galateus.

Paulo dirige aos seus leitores, no v.2, a seguinte pergunta: “foi pela prática da Lei que vocês receberam o Espírito, ou pela fé naquilo que ouviram?”  Daqui se depreende tanto que os galateus haviam recebido o Espírito Santo como que tinham plena consciência disso. Aqui é preciso deixar claro que essa consciência não era decorrente de nenhuma evidência sobrenatural externa. De fato, os relatos da conversão dos crentes da Galácia constantes do Livro de Atos mostram que tais conversões não foram acompanhadas de nenhuma manifestação externa de dons espirituais (At 13.43, 48; 14.1, 20-21). Portanto, a consciência de que tinham o Espírito estava presente nos galateus em virtude de uma obra interna do próprio Espírito em seus corações, a qual consistira a princípio de enchê-los com uma alegria especial num ambiente que lhes era hostil (At 13.52) e agora se manifestava num testemunho interior que lhes dava a certeza de que eram filhos de Deus (Rm 8.15-16).

Ora, certos de que tinham o Espírito, aqueles crentes não eram ignorantes ao ponto de crer que tal dádiva lhes fora concedida por meio da observância da Lei mosaica. Ademais, o propósito da própria pergunta do v.2 é realçar algo óbvio, ou seja, que o Espírito de Deus passara a habitar neles a partir do momento que creram na mensagem anunciada por Paulo e não pelo fato de terem cumprido a Lei, já que, como se sabe, ninguém é capaz de cumpri-la de fato.

O ensino da habitação do Espírito Santo no crente é parte integrante do Novo Testamento (Rm 5.5; 1Co 2.12; 3.16; 6.19; 2Co 1.21-22; 5.5), sendo certo que a ausência do Espírito em alguém, é prova de que tal pessoa não é salva (Rm 8.9; 1Co 2.14; Jd 19).  Que essa dádiva nos advém pela fé em Cristo é fato que também compõe o ensino bíblico (Jo 7.37-39; Ef 1.13). Paulo, assim, faz uso dessa verdade para, mais uma vez, mostrar a superioridade da fé em relação à prática do legalismo. Ele mostra dessa forma que somente a fé os introduzira no rol dos homens habitados por Deus, sendo a Lei incapaz de conceder-lhes tal privilégio.

A pergunta que Paulo faz no v. 2 reveste-se de uma importância singular nos dias modernos. Isso porque na atualidade existem igrejas evangélicas que incentivam seus membros a buscar o batismo do Espírito Santo por meio de certas práticas cultuais ou de zelo religioso. Chegam mesmo a dizer que só recebe o Espírito o crente que durante um período indeterminado se dedica a jejuns e orações, submetendo-se ainda a outras regras impostas pela igreja. Ora, isso equivale a dizer que o Espírito é dado por meio das obras e não pela fé. É justamente esse pensamento que o v. 2 rejeita. Paulo, desde o início, havia ensinado aos galateus que a justificação é pela fé e não pela prática da Lei (At 13.39). Agora, ele os faz lembrar que também a habitação de Deus no homem advém somente da fé em Cristo, nada restando à Lei que faça dela fonte de benefícios espirituais.

Paulo prossegue demonstrando a insensatez dos crentes da Galácia. Agora, no v. 3, ele mostra quão absurda tolice é terem iniciado a carreira cristã pela atuação do Espírito Santo e, então, depois de conhecerem a incomparável força transformadora dele, se voltarem para si mesmos, crendo que em si encontrarão recursos para serem aperfeiçoados. Aqui Paulo deixa claro primeiramente que é pela atuação sobrenatural do Espírito de Cristo que nos tornamos cristãos. É nele que encontramos o início de toda a nossa carreira espiritual como filhos de Deus (Jo 16.8; Rm 2.29; 1Co 2.4-5; 6.11; Ef 1.13; 2Ts 2.13; 1Pe 1.2). O papel do Espírito, porém, na transformação do homem não pára aí.  Sua obra no crente continua (Rm 5.5; 8.13; 2Co 3.18; Ef 3.16; Fp 1.6) e, sem ela, o cristão que confia meramente em seus esforços pessoais, não progride um centímetro sequer.

Na Galácia, porém, os crentes não assimilaram essas verdades indo ainda muito além em seu erro. De fato, estavam confiando no esforço pessoal legalista não somente para servir a Deus, mas também para de alguma forma obter o que criam ser a justificação completa. Eles acreditavam que pela atuação do Espírito neles, a obra de justificação havia apenas se iniciado e que agora dependia deles a conclusão dessa obra. Essa crença é herética porque, além de reduzir a real amplitude da obra de Deus na salvação humana, no fim das contas coloca sobre os ombros do homem a responsabilidade por sua própria salvação, como se ele tivesse poderes para obtê-la. Portanto, diminuir a obra de Deus e exaltar a obra do homem é o resultado final desse desvio doutrinário. Paulo rejeita tudo isso. Em seu ensino, a consagração a Deus depende da obra do Espírito (Rm 7.6) e, além disso, nenhuma confiança pode ser depositada no esforço humano para a obtenção da justiça de Deus (Fp 3.3; Tt 3.5).

No v. 4, Paulo faz os crentes da Galácia recordarem um pouco de sua história. Quando eles receberam o evangelho da salvação pela fé, rompendo muitos deles com o antigo sistema judaico, essa decisão lhes trouxe inúmeros dissabores. Aliás, foram precisamente os judeus, homens que confiavam na justiça de Lei que, vendo suas crenças serem ameaçadas, se insurgiram contra Paulo na Galácia (At 13.49-51; 14.2,4-5,19-20). Evidentemente essa perseguição atingiu também os que creram na pregação de Paulo (At 14.22). Dessa forma, foi por terem abraçado uma mensagem que desprezava o legalismo judaico que os crentes galateus haviam sofrido tanto. Agora, porém, respondendo aos apelos dos falsos mestres, eles estavam se voltando precisamente para o legalismo judaico, cuja rejeição lhes havia custado preço tão alto. Teria sido desnecessário todo aquele sofrimento? pergunta Paulo. Que terrível prejuízo ter sofrido por algo que, conforme pareciam agora crer, não tinha valor algum! Antes tivessem permanecido na Lei. Assim receberiam os aplausos daqueles que os perseguiram e não teriam passado inutilmente por tantas provas. Ao encerrar o v. 4 com a frase “se é que foi inútil”, Paulo faz transparecer que duvida da hipótese que levantou. É como se dissesse: “prefiro, contudo, ainda acreditar que vocês não consideram inútil tudo pelo que passaram”.

Com o v.5, Paulo termina o parágrafo reforçando o ensino já exposto (v.2) de que a dádiva do Espírito vem pela fé e não pela prática da Lei. A isso ele acrescenta, valendo-se ainda de perguntas inquietantes, que a operação de milagres entre os galateus era resultado da fé e não do zelo legalista. Não se sabe de que milagres ele fala aqui. Talvez tenha em mente os que ele próprio realizou na Galácia (At 14.3, 8-10), mas é possível que outras manifestações especiais do Espírito fossem testemunhadas por aqueles cristãos, considerando que tais operações eram muito comuns nos dias apostólicos. Seja como for, Paulo quer aqui tão-somente frisar que a graça operante de Deus é resultado da fé e não um pagamento pelas obras. Se assim fosse, não poderia mais ser chamada de graça.   

Pr. Marcos Granconato 



[1] A figura implícita aqui sugere a apresentação do evangelho por meio de algum recurso visual como uma pintura em um quadro (CALVINO, João. Gálatas. São Paulo: Paracletos, 1998. p. 82) ou um cartaz de notícias colocado num lugar público, o que era comum na antiguidade (GUTHRIE, Donald. Gálatas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984. p. 114). Paulo não havia usado esses recursos, mas suas palavras tinham fluído de tal forma que era como se tivessem desenhado na consciência dos galateus os pontos centrais da mensagem cristã. É de pregadores assim que a igreja moderna precisa.

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