Quinta, 25 de Abril de 2024
   
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Lições de Tiro

Pastoral

Um dos textos da Bíblia de que eu mais gosto é Mateus 11.21-24. Gosto desse texto porque ele traz uma carga de teologia que, segundo penso, poucos cristãos dos dias de hoje são capazes de assimilar.

Em primeiro lugar, esse texto prova que Deus não salva as pessoas com base no poder que ele tem de prever a resposta positiva delas à sua mensagem. É bom entender isso porque existe um grupo de teólogos e de pastores que, quando leem na Bíblia alguma coisa sobre a doutrina da predestinação, ficam muito incomodados, perguntando: “Como Deus pode predestinar uns e não outros para serem salvos?”. Então, para se livrarem das dificuldades dessa questão, dizem que Deus predestina somente as pessoas que ele vê de antemão que se arrependerão.

Esses teólogos e pastores geralmente são chamados “arminianos”, porque seguem de alguma forma os desdobramentos dos ensinos de um teólogo holandês medieval chamado Jacó Armínio (1560-1609). Para grande parte deles, quando Deus escolheu na “eternidade passada” quem seria salvo (Ef 1.4), ele o fez com base na sua presciência. Assim, conforme o entendimento de muitos arminianos, a predestinação foi, de certa forma, meritória: Deus viu de antemão quem creria e, então, decidiu escolher essas pessoas.

O texto que estamos considerando, porém, mostra o quanto esse pensamento é falso. Com efeito, nesse texto, Jesus afirma que os habitantes de Tiro e Sidom e até de Sodoma creriam caso testemunhassem suas maravilhas. Porém, mesmo sabendo que as coisas seriam assim, Deus não salvou os habitantes daquelas cidades. Aliás, no tocante a Tiro e Sidom, mesmo vivendo relativamente perto delas, Jesus jamais sequer as visitou. Desse modo, ele nunca lhes ofereceu a oportunidade de crer; nunca as escolheu para serem alvos de sua graça, mesmo sabendo de antemão que creriam nele.

Isso aconteceu, entre outras coisas, para nos mostrar que a eleição de Deus não depende da fé prevista. Se fosse assim, a causa primordial da salvação estaria no homem e não em Deus. Por isso, para provar que a predestinação não depende da disposição das pessoas, mas sim unicamente do modo soberano como o Senhor administra sua misericórdia (Rm 9.16), Tiro, Sidom e Sodoma nunca receberam sequer um convite ao arrependimento, apesar de Deus saber que elas, quebrantadas, atenderiam de pronto a esse convite, caso tivesse sido feito.

Outra coisa que me faz gostar do texto de Mateus 11.21-24 é que nele há indícios de que o castigo de Deus é aplicado em doses diferentes, dependendo do grau de dureza e rebeldia da pessoa que é castigada. Quando eu era acadêmico de direito, aprendi que a justiça consiste em tratar os desiguais de maneira desigual, na medida de suas desigualdades. Acho que é possível vislumbrar esse conceito no texto bíblico sobre o qual estamos refletindo aqui. De fato, Jesus diz nessa passagem que aquelas três cidades perversas a que se referia não escapariam do juízo vindouro, mas Corazim, Betsaida e Cafarnaum seriam tratadas com rigor maior naquele dia. Parece, assim, que alguns incrédulos sofrerão castigos mais pesados (Mt 23.14), com base em critérios que Deus adotará em seu sábio e soberano julgamento.

Eu sei que essas afirmações podem trazer intrigantes desdobramentos para a doutrina da perdição eterna. Porém, creio ser ousado e imprudente tentar construir esses desdobramentos aqui, até porque a Bíblia quase não trata desse assunto. E se ela diz quase nada sobre isso, acho que eu devo dizer quase nada também. Sobre as coisas de que Deus fala pouco, quem fala muito é louco! (Acabei de inventar esse ditado. Se for usá-lo não esqueça de me dar o crédito).

Finalmente, gosto de Mateus 11.21-24 porque esse texto mostra que Deus não sabe somente o que aconteceu, o que acontece e o que acontecerá. Ele sabe também o que aconteceria! Jesus sabia o que teria ocorrido em Tiro e Sidom caso ele tivesse ido até lá. Sabia que a história horrível de Sodoma teria sido muito diferente, caso os milagres que ele operava tivessem sido feitos ali. Conhecendo, assim, tudo o que aconteceria, ele seguiu um plano específico de ação que, podemos acreditar, era o mais sábio, justo e bom, mesmo envolvendo a exclusão dessas cidades da sua obra de graça.

Saber que Deus conhece o que aconteceria deve trazer conforto ao nosso coração quando a sombra da dúvida pairar sobre ele. Sim, quando perguntas do tipo “o que teria acontecido se...?” incomodam a nossa alma, podemos descansar certos de que o Senhor conhece todas as hipóteses e todos os desdobramentos dessas mesmas hipóteses. Ele sabe o que virá e sabe o que viria. E no meio de tantas possibilidades, ele escreveu nossa história como ela é, não como seria (Sl 139.16). Nisso também é possível ver sua bondade e graça. Pois foi nesta história, às vezes triste e frustrante, que ele nos salvou. Em outra, não nos salvaria.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

 

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