Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Salmo 146 - O Rei dos Céus e os Reis dos Homens

 

O imperador Lúcio Septímio Severo (145-211) foi um poderoso chefe militar cujos feitos incluíram vencer os partos devolvendo o controle da Mesopotânia aos romanos e reforçar as fronteiras do império ante aos ataques bárbaros, principalmente na Britânia — além de perseguir duramente o Cristianismo. Apesar da ditadura que instituiu em seu governo, era muito querido pelo povo por ter lutado contra o baixo moral e a corrupção dos anos de Cômodo, filho de Marco Aurélio. Resumindo, Severo foi um imperador ao mesmo tempo temido e amado. Contudo, apesar da sua grandeza política, quando percebeu que se aproximava o seu fim, gritou: “Tenho sido tudo e o tudo é nada”. Então, ordenando que lhe trouxessem a urna em que suas cinzas seriam postas depois que seu corpo fosse queimado, disse: “Ó pequena urna, tu irás conter alguém para quem o mundo era muito pouco”. O que essa história nos lembra é que, apesar do poder e da majestade que alguns homens possam alcançar em suas vidas, tudo isso é passageiro e limitado. Até o mais glorioso rei dentre os homens está fadado a virar pó depois da sua morte, assim como seu reinado.

O Salmo 146 faz uma comparação entre essa realidade humana e o reinado soberano do Senhor Deus. Os últimos cinco capítulos do saltério foram claramente produzidos para formar um grupo, já que guardam semelhanças marcantes como começarem e terminarem todos eles como os dizeres “exaltai ao Senhor” (hallû-yah), um chamado público à adoração coletiva. Nesse salmo, o motivo do louvor é o caráter singular do reinado divino, pelo que o texto serve para chamar os israelitas a confiarem no Senhor e não em alianças políticas entre os homens, assim como fez o profeta Isaías ao falar àqueles que buscavam proteção nos egípcios contra a invasão assíria: “Ai dos que descem ao Egito em busca de socorro e se estribam em cavalos; que confiam em carros, porque são muitos, e em cavaleiros, porque são mui fortes, mas não atentam para o Santo de Israel, nem buscam ao Senhor! [...] Pois os egípcios são homens e não deuses; os seus cavalos, carne e não espírito. Quando o Senhor estender a mão, cairão por terra tanto o auxiliador como o ajudado, e ambos juntamente serão consumidos” (Is 31.1,3). Assim, o salmo faz uma comparação entre os reis dos homens e o rei dos céus, o divino soberano, a fim de promover dependência no povo ao rei correto e levá-los a um louvor constante. Para esse fim, o salmista apresenta quatro verdades.

A primeira verdade é que o reinado dos homens é limitado e passageiro (vv.1-4). O salmo inicia com um louvor efusivo a Deus (v.1): “Exaltai ao Senhor. Exalta ao Senhor, ó minh’alma” (hallû-yah hallî nafshî ’et-yhwh). Entretanto, não é apenas o louvor que chama a atenção do leitor, mas a própria decisão de louvar (v.2): “Eu exaltarei ao Senhor ao longo da minha vida. Cantarei louvores para o meu Deus enquanto eu existir” (’ahallâ yhwh behayyay ’azammerâ le’lohay be‘ôdî). As expressões “ao longo da minha vida” e “enquanto eu existir” apontam para o fato de que a razão para a adoração era perene e contínua. Porém, ela não é declarada logo na sequência, mas é contraposta pelo exemplo inverso, ou seja, a transitoriedade do poderio humano (v.3): “Não confieis em príncipes ou em filhos do homem nos quais não há salvação” (’al-tivtehû bindîvîm beben-’adam she’ên lô teshû‘â). Essa salvação não tem caráter espiritual, mas sim nacional. O que o salmista quer dizer é que a garantia da paz do seu povo não viria de príncipes humanos, pois eles também eram mortais e sujeitos às vicissitudes da vida, perecendo como qualquer homem (v.4): “O espírito deles se aparta e eles retornam à terra. Nesse dia, os planos deles perecem” (tetse’ rûhô yashuv le’admatô bayyôm hahû’ ’ovdô ‘eshtonotayw). O texto na verdade diz “sua terra”, talvez tendo em mente a matéria prima da qual o homem foi formado: “Até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19b). Assim, o louvor a Deus vem do fato de ele ser exatamente o oposto dos homens mortais e limitados.

A segunda verdade é que o reinado de Deus é poderoso e fiel (vv.5,6). O versículo começa apontando o efeito de tais características (v.5): “Felizes são aqueles que têm por protetor o Deus de Jacó, aqueles cuja esperança está no Senhor, o seu Deus” (’ashrê she’el ya‘aqov be‘ezrô sivrô ‘al-yhwh ’elohayw). Jeremias concordaria com o salmista, já que depois de dizer “maldito o homem que confia no homem” (Jr 17.5), também declara: “Bendito o homem que confia no Senhor e cuja esperança é o Senhor” (Jr 17.7). O salmista também aponta a razão para que o servo dependente e esperançoso no Senhor seja feliz, explicando quem Deus é (v.6): “Aquele que fez céus e terra, o mar e tudo que há neles. Aquele que mantém a fidelidade para sempre” (‘oseh shamayim wa’arets ’et-hayyam we’et-kol-’asher-bam hashomer ’emet le‘ôlam). A primeira parte do versículo aponta para o poder ilimitado do Senhor demonstrado na criação. Se Deus tivesse alguma limitação ou se seu poder encontrasse barreiras, certamente viveríamos uma realidade bem diferente ou nem existiríamos. Por todo o Antigo Testamento a criação é uma evidência patente da onipotência divina. A parte final do versículo se refere à fidelidade de Deus pela qual ele sempre cumpre aquilo que se comprometeu a fazer, garantia de que seu poder não é empregado de forma arbitrária, mas na efetivação das suas promessas e alianças registradas nas Escrituras, garantindo tudo que os homens não podem garantir.

A terceira verdade é que o reinado de Deus é bondoso e justo (vv.7-9). Todo esse poder não é exercido de maneira impessoal. Ao contrário, Deus se relaciona com as pessoas por meio dos seus atributos morais, fazendo bem aos necessitados e punindo a injustiça. Por isso, o salmista continua sua descrição de Deus dizendo: (v.7): “Ele é quem faz justiça aos oprimidos e dá pão aos famintos. O Senhor é aquele que liberta os aprisionados” (‘oseh mishpat la‘ashûqîm noten lehem lare‘evîm yhwh mattîr ’asûrîm). Se esse salmo é mesmo do período pós-exílico — a Septuaginta traz como título os dizeres “aleluia, um salmo de Ageu e Zacarias” —, então os leitores conheciam a atuação de Deus de suprir os famintos e libertar os cativos, trazendo-os de volta do exílio babilônico. A ação bondosa de Deus não se vê apenas em esferas amplas, mas também no dia a dia dos seu servos, pelo que o texto oferece novas nuances da graça do Senhor (v.8): “O Senhor é quem abre os olhos dos cegos. O Senhor é quem levanta os encurvados. O Senhor ama os justos” (yhwh poqeah ‘iwrîm yhwh zoqef kefûfîm yhwh ’ohev tsaddîqîm). Esse cuidado de Deus pelos justos é anteposto, logo a seguir, ao seu tratamento com relação aos injustos. Se levarmos em consideração que a sociedade pós-exílica de Jerusalém já conhecia a exploração dos desvalidos (Ne 5), assim como faziam os injustos líderes do período pré-exílico (Hc 1.2-4), o que o salmista faz é encher o coração dos aflitos de esperança enquanto enche os injustos de temor (v.9): “O Senhor protege os forasteiros, sustenta o órfão e a viúva, mas entorta o caminho dos ímpios” (yhwh shomer ’et-gerîm yatôm we’almanâ ye‘ôded wederek resha‘îm ye‘awwet). Além do mais, os israelitas, em geral, estavam sofrendo nas mãos dos samaritanos (Ne 4.1-5), pelo que se tornava imperativo que o povo dependesse da bondade e da justiça de Deus e o louvasse por isso.

A última verdade é que o reinado de Deus é duradouro e contínuo (v.10). Os vv.3,4 descrevem de modo dramático a transitoriedade não apenas do governo humano, mas da própria vida dos líderes. Por isso, o salmo não poderia terminar sem que o escritor afirmasse a durabilidade do reinado divino e a continuidade do seu controle sobre a história (v.10): “O Senhor reinará para sempre. O teu Deus, ó Sião, [o fará] de geração em geração” (yimlok yhwh le‘ôlam ’elohayik tsîyôn ledor wador). Desse modo, não é possível que Deus perca o controle dos acontecimentos, nem desista de comandar o destino dos homens. Independente de seus servos não conhecerem os detalhes do seu plano eterno, nem o tempo das suas ações e dos cumprimentos das promessas, algo era sempre verdade: Deus reina por todas as gerações e o faz segundo seu poder, fidelidade, bondade e justiça. Aqui está a razão não apenas da esperanças dos servos, mas também do seu louvor, pelo que o salmo termina com o mesmo convite com o qual foi iniciado: “Exaltai ao Senhor” (hallû-yah).

Nossos dias contemplam um planeta extremamente mais populoso e complexo no que diz respeito às condições políticas e sociais. Além dos governos, o nosso mundo é parcialmente dirigido por empresas e conglomerados financeiros que existem para ter lucro a despeito da condição de vida da população mundial. E parece que ninguém pode deter a ganância dos poderosos e seus intentos de uma versão moderna de imperialismo. Se nós, cristãos, já sofremos bastante com esse tipo de ganância, ainda somos acossados por um ódio crescente da sociedade incrédula contra a Bíblia, a fé em Jesus e os padrões de vida requeridos pelo nosso Deus. Sob a desculpa de garantir os direitos das minorias, temos os nossos direitos negados e somos perseguidos não por querer que outros vivam como Cristo ensinou, mas por querer nós mesmos assim viver. Diante de tantos revezes, somos tentados a nos desesperar e desistir de tudo. Entretanto, trechos importantes da Bíblia, como esse salmo, nos lembram quem é Deus e que tipo de confiança devemos ter nele, ao mesmo tempo em que precisamos incrementar nossa disposição de adorá-lo e de proclamar seu nome. Afinal, não servimos a um rei que irá virar pó, mas um cujo poder e reinado são eternos e gloriosos. Portanto, “exaltai ao Senhor”!

Pr. Thomas Tronco

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