Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Salmo 139 - O Deus que não Conhece Limites

 

No funeral de Luís XIV, rei da França (1643-1715) também conhecido como “Luís, o Grande”, a catedral estava repleta de súditos enlutados prestando suas últimas homenagens. O salão achava-se bastante escuro, pois apenas uma única vela iluminava o caixão que continha os restos mortais do monarca. No momento devido, Jean Baptiste Massillon (1663-1742), bispo de Clermont, responsável por trazer a palavra durante o funeral, levantou-se, subiu ao púlpito e, para a surpresa de todos, apagou a única vela acesa no recinto, a qual tinha por propósito simbolizar a grandeza do rei. Então, do meio da escuridão romperam quatro palavras pronunciadas pelo pregador: “Somente Deus é grande!”. Apesar de certamente haver quem discordasse da ação do clérigo e quisesse render ao rei francês uma grandeza acima da humanidade, um fato diante de todos era inegável: a grandeza de Luis XIV fora limitada pela morte! Que grandeza haveria agora em um monte de restos putrefatos? Mesmo o homem chamado “o Grande” fora detido e reduzido diante dos limites impostos pela morte.

Davi, o escritor do Salmo 139, concordaria enfaticamente com Massillon. Ele escreveu o salmo quando era perseguido injustamente por inimigos ferozes (vv.19,20), razão pela qual nos parece que Davi estava em fuga, buscando lugares distantes para se esconder (cf. vv.7-10). Diante da injustiça que o levou à fuga, ele recorre a Deus para que seja o juiz da questão e puna seus perseguidores iníquos. Longe de ser um clamor desesperançado, a confiança de Davi, a despeito da sua condição tremendamente adversa, vinha do fato de saber que Deus não tinha limites. O poder dos seus perseguidores era nada diante do poder do soberano. As tramas secretas dos seus oponentes eram todas conhecidas pelo Deus que sonda os corações. E o alcance das lanças inimigas não era maior que o alcance da presença e da proteção do Senhor eterno. Por isso, é com convicção e confiança que ele lança a Deus seu rogo por livramento e justiça. Ao fazê-lo, Davi acaba por revelar o caráter ilimitado de certos atributos de Deus pelos quais ele é realmente o único a ser reconhecido como “grande”.

Em primeiro lugar, o salmista, em sua oração, se dirige ao Deus que tudo conhece (vv.1-6). A fim de concretizar seu pedido por auxílio vindo de um julgamento divino justo, Davi recorre ao conhecimento que Deus tem daquilo que é oculto aos homens (v.1): “Ó Senhor, tu me esquadrinhas e me sabes [como sou]” (yhwh haqartanî watteda‘). A sequência do texto mostra que Davi não se refere apenas a Deus saber quem ele é, mas a tudo aquilo que ele fazia e que estava ligado à sua existência. É claro que ele não se julgava perfeito como Deus e sem pecado, mas sua menção ao fato de Deus conhecer (v.3) “todos os meus caminhos” (kol-derakay), conforme diz, serve ao propósito de apontar o tratamento injusto e imerecido por parte dos seus perseguidores. O Senhor seria um juiz mais do que apropriado a essa circunstância porque, além de conhecer as ações de Davi (v.2a), conhecia também suas intenções (v.2b): “De longe tu distingues os meus propósitos” (bantâ lere‘î merahôq). Na verdade, o conhecimento de Deus não vem durante seu convívio com os homens, mas desde antes de as coisas acontecerem (v.4): “Mesmo quando a palavra ainda não está na minha língua, eis que tu, ó Senhor, conhece-a completamente” (kî ’ên millâ bilshônî hen yhwh yada‘ta kullah). Assim, não é possível ocultar nada de Deus, visto que seu conhecimento não tem limites. Todo nosso ser está diante dos olhos de Deus (v.5). Esse vislumbre é tão surpreendente e acima de tudo que conhecemos que concordamos com a reação estupefata de Davi (v.6): “Esse conhecimento é maravilhoso demais para mim!” (pil’îyâ da‘at mimmennî).

Em segundo lugar, Davi se dirige ao Deus que está em toda parte (vv.7-12). Sem manter o sentimento supersticioso de que longe do tabernáculo Davi estava também longe do Senhor, ele sabe que a presença divina o acompanhava a todo lugar para onde fugisse (v.7): “Onde me distanciarei do teu Espírito? E para onde fugirei da tua presença?” (’anâ ’elek merûheka we’anâ miffaneyka ’evrâ). Essas perguntas retóricas, cuja resposta obrigatória é “lugar algum”, são seguidas por suposições de locais em que, mesmo que o salmista pudesse chegar, ali também estaria o Senhor (vv.8,9). Entretanto, a ausência de limites de Deus faria não apenas com que ele estivesse presente nesses lugares longínquos, mas que continuasse a agir do mesmo modo para com seu servo (v.10): “Também ali a tua mão me conduzirá e a tua destra me segurará [com firmeza]” (gam-sham yodka tanhenî weto’hazenî yemîneka). “Conduzir” e “segurar” promovem uma ideia mais ampla de proteção e provisão por parte de Deus. Assim, para o Senhor, não existe “perto e longe” do mesmo modo como também não há “claro e escuro” (vv.11,12). O Senhor não tem limites espaciais e está em toda parte.

Em terceiro, o salmista se dirige ao Deus que tudo pode (vv.13-18). A terceira estrofe do salmo — o texto é dividido em quatro estrofes de seis versículos cada —, apesar de também tratar do conhecimento do Senhor, coloca em perspectiva aquilo que ele faz. Para exemplificar o poder divino perfeito e sem limites, Davi aponta a obra da geração de um ser humano (v.13): “Pois tu formaste as minhas entranhas. Tu me teceste no ventre da minha mãe” (kî-’attâ qanîta kilyotay tesukkenî bevetel ’immî). Apesar de haver quem entenda a palavra hebraica aqui traduzida como “entranhas” (kilyâ) como uma referência aos sentimentos e pensamentos íntimos do salmista, o contexto enaltece a obra de formar o corpo humano com perfeição nos seus mínimos detalhes, fazendo preferível a tradução “entranhas”, ou seja, os órgãos internos, como uma referência a todo o corpo. Se essa menção não faz jus ao processo espetacular e maravilhoso de trazer à existência uma pessoa, o salmista continua (v.14): “Rendo-te graças porque os teus prodígios são maravilhosos. Eu sei muito bem que portentosos são os teus feitos” (’ôdeka ‘al kî nôra’ôt niflêtî nifla’îm ma‘aseyka wenafshî yoda‘at me’od). O poder estonteante de Deus é a efetivação ilimitada das perfeições que ele conhece (vv.15,16a). Entretanto, o poder do soberano é também visto no fato de, além de formar o corpo de um homem, decretar-lhe o futuro sem que alguém ou circunstância alguma o possam impedir ou alterar seus decretos (v.16b): “Todos os meus dias foram planejados e escritos no teu livro quando nem um deles existia” (al-sifreka cullam yikkatevû yamîm yutsarû welo’ ’ehad bahem). A exaltação do salmista em relação aos pensamentos de Deus, aos decretos divinos que guiavam sua vida e à sabedoria do Senhor só tinham sentido diante do poder ilimitado que Deus tem de fazer tudo que previamente planejou e determinou (vv.17,18).

Por último, o salmista se dirige ao Deus que a todos julga (vv.19-24). Na última seção do salmo fica clara a razão de ele citar e enaltecer as capacidades ilimitadas de Deus em termos de conhecimento, presença e poder. Davi está sendo perseguido por inimigos que não temiam a Deus e que agiam hipocritamente falando falsidades diante do Senhor (v.20): “Eles falam contigo com má intenção. Teus inimigos se levantam para falar mentira” (’asher yo’meruka limzimmâ nasu’ lashawe’ ‘areyka). Por isso, o salmista expressa seu desejo de que, pelo uso das capacidades ilimitadas de Deus, os ímpios fossem trazidos a julgamento (v.19a): “Se tu, ó Deus, tão somente acabasses com o ímpio!” (’im-tiqtol ’elôah rasha‘). Entretanto, o escritor sabe que Deus é imparcial no seu juízo e que todos estão diante dos seus olhos, de modo que ele apresenta ao Senhor sua inocência nessa questão e seu antagonismo ao modo de agir dos inimigos de Deus (v.21): “Acaso eu não odeio os que te odeiam, ó Senhor, e não sinto repugnância dos teus rivais?” (halô’-mesan’eyka yhwh ’esna’ ûbitqômemeyka ’etqôtat). A inimizade entre Davi e os homens que agiam perversamente era tão grande que ele se coloca diante de Deus para ser também por ele avaliado e vindicado (vv.23,24): “Sonda-me, ó Deus, e observa o meu coração. Examina-me e observa as minhas afeições. Vê se há em mim algum comportamento [que produza] sofrimento e guia-me no caminho que permanece para sempre” (hoqrenî ’el weda‘ levavî behanenî weda‘ sar‘affay ûre’eh ’im-derek-‘otsev bî ûnehenî bederek ‘ôlam). O fato de Deus não ter limites em sua ação de julgar, unido aos seus atributos ilimitados, garantia que o salmista seria protegido e conduzido, ao passo que os homens que injustamente o perseguiam seriam punidos.

Que revelação grandiosa de Deus por meio do Salmo 139! Ele conhece perfeitamente tudo que existe e tudo que virá a existir, sem qualquer dificuldade, incompreensão ou desatenção. Ele está em toda parte e para ele não existe lugar algum em que sua atuação seja menor ou menos frequente. Ele tem poder para fazer todas as coisas e não apenas isso, mas fazê-las de modo maravilhoso, minucioso, perfeito, inteligente e admirável, sem que, para tanto, tenha de se esforçar ou se contentar com menos do que deveria fazer. Por causa disso, ele vê tudo que fazemos e conhece cada intenção no mais profundo do coração de cada um. Com base nesse conhecimento, ele tem pleno poder e autoridade para julgar e punir os rebeldes e também para proteger e guiar seus servos. Que realidade maravilhosa! Ela deve se tornar um terror para os ímpios, mas, para os crentes, confiança, alento e adoração. Conhecer Deus desse modo deve encurvar em louvor, sujeição e obediência todos que creem no seu nome. Não sei quanto a você, mas “esse conhecimento é maravilhoso demais para mim!”.

Pr. Thomas Tronco

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