Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Salmo 138 - Proteção Contra Tudo e Contra Todos

 

Nos dias da Guerra Fria, um grande medo pairava sobre o planeta: uma guerra nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética destruiria, de um modo ou de outro, o mundo todo. Se essa era uma preocupação constante de nações distantes das duas superpotências, imagine como era a insegurança sentida por americanos e soviéticos. Pensando nisso, os Estados Unidos construíram, na década de 1960, um complexo subterrâneo de 143 milhões de dólares em Cheyenne Mountain, no Colorado, com a finalidade de abrigar o Comando Norte Americano de Defesa Aeroespacial (Norad) e o controle do sistema de mísseis antibalísticos (ABM). Com um sistema de radar de 1 bilhão de dólares conectado a catorze computadores, toda a informação do mundo exterior se fazia presente no interior da montanha. Assim, abrigado por quinhentos metros de granito, esse complexo foi projetado para, a partir dele, o presidente norte-americano ter a capacidade de liderar uma guerra nuclear protegido de tudo e de todos. Graças a Deus, essa guerra nunca aconteceu!

 

O Salmo 138 trata de uma proteção muito maior que aquela promovida pelas rochas de Cheyenne Mountain. Esse é um salmo “de Davi” (ledawid), iniciando uma seção de salmos da mesma autoria que vai do 138 até o 145. Sobre a designação “de Davi” no salmo em questão, há manuscritos da Septuaginta (tradução grega do AT feita há cerca de 200 a.C.) que acrescentam as palavras “de Ageu e Zacarias”. Apesar de não termos razões para duvidar da autoria davídica, essa menção nos indica o tempo em que tais salmos foram colecionados no saltério e assumiram um significado especial para o povo — todos os oito salmos dessa seção tratam de temas relevantes ao povo que voltou do exílio como a fidelidade de Deus, a necessidade de auxílio e a gratidão pela libertação. Assim como Israel foi preservado por Deus no exílio e no seu difícil restabelecimento na Palestina, o rei Davi também sentiu a ação protetora do Senhor. Foi protegido de Saul e de seus servos, dos povos vizinhos e dos inimigos internos durante seu reinado. Esse salmo parece ter sido composto quando Davi obteve vitória, pela graça divina, sobre um povo estrangeiro que adorava outros “deuses” (v.1). Ainda que Davi soubesse que o poder dos “reis da Terra” (v.4) fosse muito superior ao do rei israelita, Deus o protegeu de todos e fez-lhe vencedor, mesmo tendo corrido sério risco de morte (vv.3,7). Com isso, o Senhor se mostra grandioso e faz certas revelações a respeito das fraquezas daquilo que é considerado forte e inabalável nesse mundo.

A primeira revelação exposta no salmo é a inutilidade dos deuses (vv.1-3). O tom do salmo, claro desde a primeira palavra, é de gratidão (v.1a): “Renderei graças a ti com todo meu coração” (’ôdeka bekol-livvî). Apesar de essa disposição ser apropriada em qualquer situação, ela geralmente surge nos salmos em circunstâncias em que a gratidão tem uma razão específica e definida em termos de atuação benéfica de Deus. Nesse caso, a providência divina parece ter vindo diante de uma ameaça estrangeira, pelo que Davi, contrariando a esperança dos inimigos em seus falsos deuses, proclama de modo zombeteiro e desafiador (v.1b): “Cantarei a ti diante dos deuses” (neged ’elohîm ’azammereka). Esse canto diante dos falsos deuses das nações certamente lembra o desafio e a zombaria de Elias aos profetas de Baal e ao seu falso deus (1Rs 18.20-40). Desse modo, a gratidão de Davi tem relação com a vitória que o Senhor lhe concedeu sobre inimigos cujos deuses não lhes puderam socorrer. Não apenas a supremacia de Deus fica patente, como também a inutilidade dos falsos deuses — em tempos de politeísmo, a prova da inutilidade dos deuses devia preceder a prova da sua inexistência (Dn 2.47; 4.34,35).

Adorando e agradecendo ao Deus verdadeiro e existente, Davi se compromete a cultuá-lo publicamente no lugar apropriado (v.2a): “Eu me prostrarei no teu santo Templo e renderei graças ao teu nome” (’eshtahaweh ’el-hêcal qodsheka we’ôdeh ’et-shemeka). A razão para isso foi que, ao envergonhar os deuses, o Senhor comprovou não apenas o seu amor leal, mas também a fidelidade da sua palavra empenhada diante dos seus servos (v.2b):  “Por causa do teu amor e da tua fidelidade, pois tu engrandeceste acima de tudo o teu nome e a tua promessa” (‘al-hasdeka we‘al-’amitteka kî-higdaleta ‘al-kol-shimka ’imrateka). Desse modo, a grandeza do nome do Senhor se antepõe à inutilidade dos deuses. Por fim, Davi explica como Deus lhe fez tão grande benefício. Em primeiro lugar, o Senhor ouviu e atendeu sua oração: (v.3a): “No dia em que eu clamei [por socorro], tu me respondeste” (beyôm qara’tî watta‘anenî). Em segundo, ele encorajou e capacitou Davi a vencer o inimigo (v.3b): “Provocaste força em minha alma” (tarhivenî benafshî ‘oz).

A segunda revelação é a subordinação dos reis (vv.4-6). Davi lidou com muitos reis: fugiu de alguns, fez alianças comerciais com outros e abateu muitos deles. Ele sabia o poder que tinha um rei e, principalmente, um conglomerado de reis. Entretanto, em seu agradecimento pelo socorro poderoso do Deus fiel, ele enumera a totalidade dos reis se submetendo ao Senhor ao serem impactados com suas palavras e ações (v.4): “Todos os reis da Terra renderão graças a ti, ó Senhor, quando ouvirem as palavras da tua boca” (yôdûka yhwh kol-malkê-’arets kî shom‘û ’imrê-pîka). Isso significa que as palavras do Senhor são maravilhosas e louváveis, mas também que são gloriosas e temíveis, razão pela qual os reis, mesmo em sua costumeira arrogância, são forçados a se curvar diante do soberano.

A atuação de Deus na história comprova todo o caráter e os atributos do monarca eterno (v.5): “E cantarão sobre os caminhos do Senhor, pois grande é a glória do Senhor” (weyashîrû bedarkê yhwh kî gadôl kevôd yhwh). Aqui, a expressão “caminhos do Senhor” aponta para seus feitos e para o seu modo de agir segundo seu caráter, objetos dos cânticos dos reis de acordo com o que Davi previu. Onipotência, onipresença e onisciência também formam o pano de fundo da razão de os reis temeram a Deus (v.6): “Pois exaltado está o Senhor, mas, [apesar disso], olha para o humilde e de longe reconhece o soberbo” (kî-ram yhwh weshafal yir’eh wegavoah mimmerhaq yeyeda‘). Mesmo estando muito acima dos homens, ele conhece e dá atenção a todos, conhecendo-lhes o caráter e sabendo exatamente como tratar a cada um. Isso inclui reis, príncipes, governadores, trabalhadores, escravos e mendigos.

A última revelação do salmo é a ineficácia dos inimigos (vv.7,8). Davi enfrentou duras batalhas e teve muitos inimigos poderosos. E ele realmente não era como os “heróis” das histórias de ficção de hoje que não morrem nem podem ser feridos. Cada batalha era um perigo real para o salmista, mas a presença protetora de Deus fazia toda a diferença nos resultados dos seus embates militares (v.7a): “Se eu ando em meio ao perigo, tu me fazes viver” (’im-’elek beqerev tsarâ tehayyenî). O grau do verbo hebraico traduzido como “fazer viver” mostra que o responsável por Davi sair com vida dos perigos que enfrentava não era ele mesmo, ou o acaso, mas tratava-se de uma ação deliberada do Senhor concedendo vida ao servo.

O modo de fazê-lo revela que os inimigos, ainda que armados e perigosos, nada eram diante do Senhor (v.7b): “Estendes a tua mão contra a ira dos meus inimigos e tua destra me preserva” (‘al ’af ’oyevay tishlah yadeka wetôshî‘enî yemîneka). Apesar de a palavra “mão” aparecer no plural no versículo seguinte, sua ocorrência no singular no v.7 aponta a facilidade que Deus tem de lidar com os inimigos do seu povo, mesmo que sejam numerosos e valentes. A verdade é que, quando o Senhor lhes estende sua mão, eles se mostram inúteis e inertes para combatê-lo. Por isso, o salmista tem plena confiança de que Deus, que é fiel e leal, agiria do mesmo modo no futuro e cumpriria suas promessas para com seu servo (v.8a): “O Senhor completará [sua obra] em meu benefício” (yhwh yigmor ba‘adî). Assim, em vez de buscar apoio político questionável e alianças espúrias, Davi busca a Deus em oração para que seja sempre bem sucedido (v.8b): “Ó Senhor, o teu amor dura para sempre. Não cesses as obras das tuas mãos!” (yhwh yigmor ba‘adî yhwh hasdeka le‘ôlam ma‘ashê yadeyka ’al-teref).

Está aí uma lição que a igreja de Cristo precisa aprender. Com a crescente admiração e dependência das modernas técnicas de administração de igrejas e de crescimento explosivo, os crentes estão se tornando cada vez menos dependentes de Deus e cada vez mais confiantes em sua própria capacidade. É claro que, quando essa capacidade se mostra ineficaz, a falta de comunhão com o Senhor e a falta de costume de orar e depender dele para tudo lançam essas igrejas no desespero ou na utilização de expedientes reprováveis e vergonhosos para conseguir lidar com os problemas. O que é necessário aprender em momentos assim é que Deus sempre protegeu seus servos no momento e do modo como planejou, independente de quais fossem as dificuldades. Ainda que tudo e todos se levantem contra o povo do Senhor, o salvador eterno tem poder mais que suficiente para preservar-lhes a vida e usá-los como instrumentos da sua vontade. Que nossa confiança em seu poder, sabedoria, fidelidade e amor nos guie nos momentos de crise e nos torne mais fortes que muitas montanhas feitas de granito e de duras rochas!

Pr. Thomas Tronco

 

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