Sexta, 19 de Abril de 2024
   
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Salmo 125 - Não Onde, mas Quem

 

Certo turista, indo ao Rio de Janeiro, tinha como prioridade em sua lista de locais a serem visitados o Estádio Jornalista Mário Filho, mais conhecido como Maracanã. A expectativa daquele turista em estar nesse templo do futebol brasileiro era muito grande. Sem demora, tomou um taxi e foi direto para lá. Ao chegar, ficou extasiado com o tamanho da construção. Adentrar aqueles portões aumentou sua ansiedade por sentir a emoção de se ver na famosa arquibancada. Lá do alto, a visão foi fantástica: era bem maior do que imaginava. O que não foi tão grande assim foi a emoção que sentiu. Ele gostou da visita, mas percebeu que quando alguém vai a um estádio, não vai para ver a construção, mas o jogo disputado ali. Ele percebeu que lhe ficou um vazio por ter ido à casa do seu time do coração e não tê-lo visto jogar. Voltou ao hotel um pouco decepcionado. Pelo menos, não perdeu a viagem: as fotos ficaram ótimas.

O Salmo 125 revela o sentimento oposto ao do turista no estádio. Esse é mais um “cântico de romagem” (shîr hamma‘alôt). Era cantado quando os peregrinos que empreenderam a viagem a Jerusalém para a festa regular já tinham chegado à cidade e adentrado suas portas. Estar em Jerusalém era fantástico! Finalmente, aquela viagem anual terminara e eles chegaram ao local amado, cheio de recordações históricas e significados para o povo de Israel. Entretanto, eles não estavam ali pela cidade em si. Vieram por outra razão: adorar o Senhor criador e soberano, o Deus da casa de Israel. Apesar de o Senhor estar em toda parte, era ao templo construído em Jerusalém, local dos utensílios sagrados e dos sacrifícios realizados pelos sacerdotes, que eles traziam suas ofertas a Deus, cumprindo os estatutos da lei. E mais do que isso: era ali que a presença divina se mostrava junto ao povo que ele separou para si. Mesmo que representativamente, era ali que o Senhor habitava entre eles. Por isso, chegar a Jerusalém era mais que vir a um lugar bonito e amado. Era se aproximar de Deus, ter comunhão com ele, adorá-lo como que face a face e manter vivas todas as esperanças na promessa da restauração plena de Israel sob o reinado do Messias. Jerusalém era mais que um lugar turístico. Era o local para adorar a Deus, fazer uma autoavaliação seguida de arrependimento e, com fé, manter viva a esperança futura. Por isso mesmo, o salmo nos apresenta três lembranças importantes que os servos de Deus devem ter quando vão adorá-lo.

A primeira lembrança é a razão da confiança dos servos de Deus (vv.1,2). O salmo inicia comparando os crentes a um ponto geográfico cheio de significados para os israelitas (v.1a): “Os que confiam no Senhor são como o Monte Sião” (havvotehîm bayhwh kehar-tsîyôn). O monte chamado Sião (tsîyôn) é o local, dentro de Jerusalém, em que havia uma fortaleza quando Davi tomou a cidade dos jebuseus. Ela se chamava “fortaleza de Sião”, mas, depois da invasão, teve seu nome mudado para “cidade de Davi” (2Sm 5.7). Não era o monte do Templo, pois Salomão reuniu os cabeças de cada tribo “para fazerem subir a arca da Aliança do Senhor da Cidade de Davi, que é Sião, para o templo” (1Rs 8.1). Mais adiante, dado o significado do local como centro do poder de Jerusalém sobre todo Israel, passou a ser sinônimo da cidade como um todo. Isso se pode notar quando Sião e Jerusalém são citados paralelamente de modo a identificá-las como sendo o mesmo lugar (Am 1.2; Sf 3.14). Para os israelitas, falar de Jerusalém era pensar em um ponto geográfico e político, mas falar de Sião era se referir a isso tudo acrescido de um sentimento não apenas nacionalista, mas esperançoso de que ali novamente se levantaria o poder soberano sobre a nação e sobre os povos ao redor do mundo (Mq 4.1-3). Por causa dessas promessas, eles tinham plena confiança que aquele local não pereceria, mas duraria para sempre, aguardando o reinado do Messias. O salmista concorda com isso ao descrever a qualidade marcante de Sião (v.1b): “Ele nunca será abalado, [mas] permanecerá para sempre” (lo’-yimmôt le‘ôlam yeshev).

O monte Sião é assunto do salmo, mas não é seu ponto central. Ele age como introdução e comparação a algo maior. O assunto do salmo não é “onde”, mas “quem”. Por isso, o escritor passa da figura de Sião, que é Jerusalém, para a pessoa do Deus de Israel (v.2a): “[Como] Jerusalém é cercada por montes, assim é o Senhor” (yerûshalaim harîm savîv lah wayhwh). Além de ser o local em que, no presente, o Senhor habitava com seu povo, e onde, no futuro, o Messias reinará, Jerusalém, cercada por outros montes, guarda semelhança com Deus no sentido em que ele também é cercado (v.2b), “cercado pelo seu povo, desde agora até a eternidade” (saviv le‘ammô me‘attâ we‘ad-‘ôlam). Assim como Jerusalém dura para sempre e é cercada por montes, o domínio e a presença do Senhor também são permanentes e, por isso, seu povo se achega a ele para sua adoração e glorificação. Era exatamente isso que aqueles peregrinos de outras terras estavam fazendo em Jerusalém: reunindo-se para adorar a Deus e lhe trazer suas ofertas. E tão inabaláveis como o governo de Deus e a durabilidade do Monte Sião, assim são “os que confiam no Senhor” (v.1). Mesmo em tempos difíceis, eles são mantidos por aquele que mantém todo o restante.

A segunda lembrança é a razão da retidão dos servos de Deus (v.3). O salmista aborda uma questão de governo presente nos seus dias, representada pela palavra “cetro” como figuração de um rei. O que não se sabe é se ele se refere a um rei estrangeiro, cujo poder se fazia sentir sobre Jerusalém, ou ao próprio rei israelita (v.3a): “Assim, o cetro do ímpio não se deterá sobre o destino dos justos” (kî lo’ yanûah shevet haresha‘ ‘al gôral hatsaddîqîm). Isso coloca tal rei em uma posição de opressor do povo por causa da sua iniquidade. Sobre isso, o texto garante que tal governo não prevalecerá por muito tempo pela seguinte razão (v.3b): “Para que os justos não lancem suas mãos em [direção à] injustiça” (lema‘an lo’-yishlehû hatsaddîqîm be‘awlatâ yedêhem). Principalmente quando os reis israelitas eram homens perversos, o povo acabava por se desviar de Deus e dar vazão aos seus impulsos carnais sem detença. Isso acontece por vários motivos. Um deles é o mau exemplo dos líderes — o povo pensa: “Se ele que é líder pode, por que eu não poderia?”. Outro é um sentimento de desforra — “farei o mesmo para que eles sintam na carne o que me fizeram sentir”. Mais um motivo é a escolha errada para suprir as necessidades geradas pela injustiça dos governantes — “tenho de fazer o que sei que é errado, pois é o único meio de me manter”.

Justamente por causa da injustiça que, por vezes, cresce de cima para baixo, Deus parece interromper tais ciclos perversos e trazer sobriedade e santificação, principalmente ao seu povo. Isso ele o faz abatendo o “cetro ímpio”, causando temor em todos. Esse efeito foi visto há alguns anos, quando a justiça italiana se lançou a uma busca implacável por políticos corruptos a fim de colocá-los na cadeia. Isso gerou um clima de austeridade que se instalou no país de tal maneira que até a moda, naquele ano, assumiu uma postura mais austera e sóbria. Os desfiles exibiram vestidos mais longos, de cores sérias e com decotes menos chamativos. Dentro de Israel, ainda que Deus tenha reservado um dia futuro para julgar a nação israelita e o mundo inteiro por seus pecados, ele agiu com mão punitiva ao longo da sua história a fim de manifestar sua justiça, santidade, poder e, também, gerar arrependimento no seu povo e retorno à retidão, à santidade e à comunhão com o Senhor. Estar em Jerusalém promovia a lembrança dos juízos de Deus e o temor necessário para os servos buscarem andar retamente.

A última lembrança é a razão da esperança dos servos de Deus (vv.4,5). O trecho final do salmo é uma oração, cuja primeira parte visa a ver os que confiam em Deus serem por ele abençoados (v.4): “Ó Senhor, faze o bem para os bons e retos de coração” (hêtîvâ yhwh lattôvîm welîsharîm belivvôtam). Apesar de ser um pedido bem genérico — fazer o bem —, o que se entendia por “bem” tinha um conteúdo específico que envolvia a provisão e a saúde do dia a dia, mas que também abarcava o futuro da nação, com a restauração e estabelecimento dos limites da sua terra (Gn 15.18-21), o reinado glorioso da casa de Davi (2Sm 7.11-16), a perpetuidade de Jerusalém, sede do trono (Jr 31.38-40) e o arrependimento e retorno dos israelitas exilados por várias partes do mundo (Ez 36.24-28 cf. Jr 31.31-34). Quanto aos ímpios, a oração é por juízo e expulsão do seu meio (v.5a): “Mas aqueles que se desviam em seus caminhos tortuosos, o Senhor os expulsará junto com os malfeitores” (wehammattîm ‘aqalqallôtam yôlîkem yhwh ’et-po‘alê ha’awen). A conclusão do clamor, esperança última do povo de Israel e marca de todo bem divino feito ao povo que escolheu, era (v.5b): “[Que haja] paz sobre Israel!” (shalôm ‘al-yisra’el). A isso, muita gente devia bradar um sonoro “amém!”.

Que o mesmo valha para nós. Que deixemos o conforto dos nossos lares para nos reunir com nossos irmãos em culto a Deus — não pela igreja em si, mas pelo Senhor. Ao nos reunirmos em culto, que recordemos juntos a razão da nossa confiança (a salvação concedida pela fé em Jesus), a razão da nossa retidão (a santidade do Senhor e da sua palavra) e a razão da nossa esperança (a promessa de que habitaremos para sempre com nosso grandioso Deus). Que haja paz sobre a igreja de Cristo!

Pr. Thomas Tronco

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