Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Salmo 107 - As Lições que Aprendemos

 

Certa vez, ouvi o relato sobre uma reunião realizada por irmãos de outra denominação, cujos membros eu conhecia, que, diante da chegada das planejadas férias do pastor, buscavam a organização do pessoal para ajudar nos cultos. A proposta era que cada irmão assumisse a responsabilidade por algo a fim de que os trabalhos diários daquela igreja não sofressem nenhuma ruptura com a ausência do seu líder. Enquanto cada um se propunha a assumir uma tarefa, um recém-convertido disse a todos: “Os irmãos sabem que eu sou crente há pouco tempo e que eu ainda sei muito pouco. Mas o pouquinho que eu aprendi usarei para ajudar: um ‘aleluia’... um ‘glória a Deus’...”. O que esse homem quis dizer foi que, apesar do pequeno conhecimento que possuía, seu coração estava disposto a ajudar e a servir ao Senhor.

O Salmo 107 é também fruto de lições aprendidas, mas não por pessoas inexperientes e que ainda conhecem pouco o Senhor. Ao contrário, trata de lições aprendidas pela exposição da palavra do Senhor e pela experiência de se ver abatido pela maldade de outros homens, pelas intempéries da natureza e pela desobediência aos ensinos de Deus. Contudo, uma peculiaridade dessas lições é que elas foram aprendidas por gente que Deus poupou da morte e libertou de destinos funestos. Por isso, o salmo é dirigido a pessoas que o salmista nomeia (v.2) como “redimidos do Senhor, os quais ele resgatou da mão do inimigo e reuniu de entre as terras” (ge’ûlê yhwh ’asher ge’alam mîyad-tsar ûme’aratsôt qivvetsam) – nesse texto, a palavra “redimidos” não tem uma conotação espiritual como no Novo Testamento, mas aponta para pessoas que foram libertas de males temporais como escravidão, exílio e morte. Ao citar um retorno do exílio, é óbvio que surge na mente do leitor a ocasião do retorno do cativeiro babilônico, mas o salmista parece ter em mente situações diversas, pois diz que a reunião dos seus irmãos se deu “do Leste e do Oeste, do Norte e do mar” (mimmizrâ ûmimma‘arav mitsafôn ûmîyam). A esses, o salmista conclama a proclamar a lição que aprenderam: que Deus é bondoso e que sua misericórdia sempre os acompanha (v.1).

O salmo dispõe quatro lições aprendidas por esses redimidos – e por tantos quantos chegaram a saber do que lhes ocorreu. Tais lições são separadas por duas frases que se repetem ao longo do salmo, marcando cada trecho como uma unidade definida. Esses trechos iniciam com a descrição dos sofredores de Israel, seguido pelo fato de Deus ter-lhes atendido as súplicas (v.6): “Mas, na sua angústia, eles clamaram ao Senhor e ele os livrou das suas tribulações” (wayyits‘aqû ’el-yhwh batsar lahem mimmetsûqôtêhem yatsîlem) – os vv.13,19,28 repetem a mesma ideia com pequenas variações de palavras hebraicas sinônimas. Depois de cada uma dessas afirmações da resposta de Deus, o salmista especifica a ação libertadora do Senhor e proclama outra frase que se repete de modo idêntico a cada ciclo (vv.8,15,21,31): “Celebrai ao Senhor por sua misericórdia e por seus maravilhosos feitos aos filhos dos homens!” (yôdû layhwh hasdô wenifle’ôtayw livnê ’adam).

Assim, a primeira lição que os redimidos tiveram foi que Deus guia seu povo até o destino seguro (vv.4-9). Nesse caso, o salmista parece refletir sobre a jornada de quatro décadas de Israel no deserto da península do Sinai, após deixar o Egito (v.4): “Eles vagaram pelo deserto, por um caminho ermo, sem encontrar uma cidade de habitação” (ta‘û bammidbar bîshîôn derek ‘îr môshav lo’ matsa’û). Como resultado disso, o texto afirma (v.5): “Famintos e sedentos, desfalecia neles a sua alma” (re‘evîm gam-tseme’îm nafsham bahem tit‘attaf). Sabe-se que o cuidado do Senhor no deserto os sustentou, mas não como o modo maravilhoso com o qual os trataria na terra da promessa ao lhes prover com frutos maravilhosos da terra (Lv 20.24; Dt 28.8; Js 24.13) e com chuvas na hora certa que lhes produzisse fartura do que comer e do que beber (Lv 26.4; Dt 11.14). Por isso, o Senhor os guiou com mão poderosa até a terra da sua devida morada (v.7): “Ele os guiou por um caminho reto a fim de chegarem à cidade de habitação” (wayyadrîkem bederek yesharâ laleket ’el-‘îr môshav) – “caminho reto” aqui não enfatiza o trajeto em si, mas a ideia da proteção de Deus durante a jornada e sua intenção final de conduzi-los ao bom destino. O resultado foi serem providos da segurança e dos víveres necessários ao seu bem-estar (v.9).

A segunda lição dos redimidos foi que Deus livra seu povo da opressão (vv.10-16). O salmista se refere, a essa altura, a israelitas que enfrentaram uma realidade tão terrível que era como se vivessem na companhia da morte (v.10), chamando-os de “aqueles que se assentaram na escuridão e às sombras da morte” (yoshvê hoshek wetsalmawet). Essa linguagem figurada cede, então, lugar para uma descrição mais clara que revela a escravidão no exílio infligida por outros povos: “Prisioneiros da opressão e [postos] à ferro” (’asîrê ‘anî ûvarzel) – “ferro” aqui pode ser uma referência a correntes e algemas que detêm um cativo ou a armas de ferro que os inimigos utilizam para ameaçar e deter os presos. Nesse cativeiro, causado pelo próprio pecado do povo (v.11), os israelitas se viram em grande sofrimento, entregues aos inimigos, sem ter qualquer esperança de serem resgatados por seus irmãos (v.12): “Eles caíram e não havia quem os socorresse” (koshlû we’ên ‘ozer). Mas Deus, no uso da sua misericórdia (v.14), “tirou-os da escuridão e da sombra da morte e arrebentou as suas algemas” (yôtsî’em mehoshek wetsalmawet ûmôserôtêhem yenatteq). Na verdade, o Senhor parece ter abatido com mão poderosa o povo que os escravizava (v.16) – deve-se notar que, para haver libertação, há a destruição do que causa a prisão.

A terceira lição foi que Deus protege seu povo da própria tolice (vv.17-22). Os alvos da atuação de Deus, dessa vez, são pessoas consideradas tolas por sofrerem um juízo divino em decorrência dos seus pecados (v.17): “Os insensatos que foram afligidos devido aos seus caminhos de transgressão e às suas iniquidades” (’ewilîm midderek pish‘am ûme‘aônotêhem yit‘annû). Nesse caso, a aflição parece ter vindo sobre eles na forma de doenças que lhes tiraram completamente o apetite e pelas quais passaram a definhar quase até a morte (v.18): “Eles tiveram repugnância de toda comida e chegaram à beira da morte” (kol-’okel teta‘ev nafsham wayyaggî‘û ‘ad-sha‘arê mawet) – isso ocorre certas vezes quando alguém é acometido por chagas e dores (Jó 33.19,20). A esses (v.20), o Senhor “enviou sua palavra e os curou, livrando-os, assim, da cova que havia para eles” (yishlah devarû weyirpa’em wîmallet mishahat hayyatam). Fica patente, nesse livramento que tem como base a misericórdia divina, seu caráter disciplinador e supressor da tolice que leva ao pecado.

A quarta lição que os redimidos tiveram foi que Deus guarda seu povo quando está diante da morte (vv.18-32). Essa seção fala de homens cujo perigoso trabalho colocava suas vidas em constante risco (v.23): “Aqueles que descem ao mar nos navios, os que trabalham na vastidão das águas” (yôredê hayyam ba’onîyôt ‘osê melo’kã bemayim ravvîm). Segundo o salmista, o poder do Senhor que controla a natureza não era novidade (v.24). Em meio à sua profissão, eles já estiveram em situações de grandes tempestades (v.25) nas quais eles perderam a esperança de sobreviver (v.26): “Subiram aos céus, desceram às profundezas. Na calamidade suas almas se derreteram” (ya‘alû shamayim yerdû tehômôt nafsham bera‘â titmôgag). Esse movimento de “sobe e desce” descreve o tamanho das vagas no mar revolto sobre as quais o navio flutuava com dificuldade, de modo que o medo tomou conta deles – outra possível tradução para esse resultado da tempestade é que “seus estômagos se reviraram em meio ao transtorno”. Antes que viessem a perecer, o Senhor lhes ouviu os clamores (v.29) e “apaziguou a tempestade [tornando-a] uma brisa suave e suas ondas se aquietaram” (yaqem se‘arâ lidmamâ wayyeheshû gallêhem). A ação libertadora foi levada a cabo por Deus, acompanhando os marinheiros em segurança até o porto (v.30): “E os conduziu até o porto desejado por eles” (wayyanhem ’el-mehôz heftsam). Assim como nos casos anteriores, esse é um grande motivo de louvor (vv.31,32).

Depois de citar essas quatro libertações, o salmista alista uma série de ações benéficas do Senhor para redimir seu povo das suas tribulações e para discipliná-los a fim de corrigir seu mau caminho (vv.33-42). Com isso em mente, o escritor do salmo conclama cada um a ser sábio na análise desses dados para saber distinguir a misericórdia de Deus em meio às circunstâncias (v.43): “Quem é sábio observe essas coisas e considere as misericórdias do Senhor” (mî-hakam weyishmar-’elleh weyitbônenû hasdê yhwh).

Está aqui uma ótima oportunidade de fazermos o mesmo: distinguir a misericórdia de Deus sobre nossas vidas. O Senhor também guia sua igreja até seu destino proveitoso quando ela jaz na ignorância sobre o futuro. Ela também foi liberta de um jugo de escravidão, a escravidão da morte e do pecado. O Senhor, por amor aos seus servos, também disciplina sua igreja para que ela não ande na tolice dos seus desejos e cobiças, afastando-se dos ensinos do seu mestre. E também é verdade que o Senhor tem guardado sua igreja da destruição quando, ao longo dos séculos, seus inimigos se levantam como ondas assassinas a fim de abatê-los. A lição que os israelitas aprenderam, ao longo da sua história, sobre a misericórdia de Deus, também foi ministrada à igreja. É por isso mesmo que é tão atual para a igreja de Cristo a ordem repetida tantas vezes no salmo: “Celebrai ao Senhor por sua misericórdia e por seus maravilhosos feitos aos filhos dos homens!” (yôdû layhwh hasdô wenifle’ôtayw livnê ’adam).

Pr. Thomas Tronco

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