Terça, 16 de Abril de 2024
   
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Salmo 34 - Um Relacionamento de Duas Vias

 

Sempre gostei muito de bichos. Durante toda minha vida convivi com as mais diversas espécies de animais. Apesar do meu gosto especial por gatos, pássaros e peixes, nenhum deles se compara ao meu gosto pelos cães. Tenho dois cães da raça rottweiller, o macho chamado Tímios e a fêmea, Malcah. Apesar do terror que os cães dessa raça causam nos visitantes e nas pessoas que passam na rua – esse é um dos propósitos deles –, essa não é toda a verdade sobre os rottweillers. Trata-se de cães extremamente obedientes, inteligentes e, acredite, dóceis – pelo menos com os donos. Não costumam ser traiçoeiros e, a meu ver, são os cães mais bonitos que eu já vi, com um porte inigualável. 

Apesar dessas qualidades, há algo que me surpreende todas as vezes em que penso nisso: a amizade que os cães mantêm com seus donos. Meus cães, principalmente o macho, por ser mais velho, age com extrema fidelidade e carinho para comigo. Faz de tudo para me agradar e para estar sempre por perto. Mesmo quando estou dentro de casa, ele procura, ao redor da casa, o lugar mais próximo de mim e só se levanta dali quando vou para outro cômodo. Ele me protege e me faz companhia o tempo todo. Por outro lado, eu o alimento, dou banho, zelo pela sua saúde e procuro passar tempo com ele. Nesses momentos, tenho a impressão de fazê-lo muito feliz. No final das contas, é um ótimo relacionamento, bom para ambas as partes. Eu chamaria tal convivência de “relacionamento de duas vias”, pois cada um supre necessidades do outro.

Há um outro tipo de relacionamento bilateral que supera qualquer outro e é, de fato, inigualável: o relacionamento entre Deus e seus servos. Uma diferença marcante desse relacionamento é que Deus não tem qualquer necessidade a ser suprida pelos homens. Se ele se relaciona conosco, não é porque precise de nós, mas porque decidiu fazê-lo. Apesar disso, como um relacionamento bilateral, está presente a atuação de cada parte conforme suas responsabilidades e capacidades. O que não pode – ou não deve – ser realizado de um lado, encontra no outro alguém que faz o que lhe cabe no convívio mútuo. O Salmo 34, escrito por Davi, apresenta atividades realizadas tanto por Deus como por seus servos no relacionamento que mantêm mediante a graça divina.

Pelo lado de Deus, a primeira das atividades voltadas aos servos é atender as orações. Ao notar que o início do salmo o situa depois de uma libertação do escritor em uma circunstância em que fica clara a atuação de Deus, compreende-se melhor o ponto em questão. Quando era provável e quase inevitável que Davi morresse nas mãos dos filisteus, ele diz (v.4): “Busquei o Senhor e ele me atendeu” (darashtî ’et-yehwâ we‘ananî). Enquanto os filisteus mantinham uma posição de cautela em relação a Davi, o rei acreditou realmente, contra as expectativas, que se tratava de um homem louco e poupou-lhe a vida. Diante do histórico guerreiro e vitorioso do salmista, a credulidade do rei filisteu ou nos parece tolice, ou nos convence da atuação divina na proteção do servo. Em outras palavras, a resposta de oração garantiu a vida do salmista quando o máximo que ele podia fazer era fingir ser doido diante dos inimigos.

A segunda atividade é proteger os servos. O v.7, muito conhecido e pouco compreendido pelos cristãos, diz: “O anjo do Senhor acampa ao redor dos que o temem” (honeh mal’ak- yehwâ saviv lîre’ayw). Não se trata de “anjos”, mas do próprio Senhor em pessoa protegendo os servos como uma sentinela que marcha em volta daquilo que está a proteger. A expressão “anjo do Senhor” frequentemente se refere à pessoa de Deus (Gn 16.10; Ex 3.2). Ainda que os anjos sirvam, sob as ordens do Senhor, aos homens que temem a Deus (Sl 91.11; Hb 1.14), o soberano não se tolhe de guardá-los pessoalmente.

A terceira atividade é opor-se aos injustos. Boa parte do sofrimento dos servos de Deus tem como fonte homens que, em sua injustiça, os exploram e oprimem. Ainda que o julgamento definitivo da maldade venha a ocorrer somente no final da história terrena, Deus costuma intervir a favor dos seus filhos quando sofrem diante dos maus. Enquanto protege os seus, o v.16 revela que “a face do Senhor está contra os que praticam o mal” (penê yehwâ be‘osê ra‘). O Senhor toma as dores dos servos e se posta contra os ímpios.

A última é manter comunhão. Diferente do pensamento agnóstico que postula que Deus se afastou da criação, Davi afirma que Deus permanece junto aos seus (v.18): “O Senhor é próximo dos quebrantados de coração” (qarov yehwâ lenishberê-lev). Tal proximidade é o que mantém a comunhão entre eles. Deus não apenas se deixa encontrar como se faz sentir ao redor dos que, arrependidos dos pecados e dependentes da graça e misericórdia do Senhor, entregam-lhe o coração.

Já, pelo lado dos servos, a primeira das atividades visando ao bom relacionamento com o Senhor é louvar a Deus. Em agradecimento a tamanha bondade, Davi – que havia sido poupado milagrosamente dos inimigos – diz (v.1): “Com a minha boca continuamente o louvarei” (tamîd tehillatô be). Ele se propõe não apenas a adorar a Deus, mas fazê-lo publicamente. Esse é o sentido de dizer que “com a boca” louvaria a Deus. Ele testemunharia todo o tempo, em dias bons e ruins, que o Senhor é digno de ser adorado pelos homens que o amam. Essa não é apenas uma atitude dos servos para com Deus, mas o sentido da sua existência (1Pe 2.9).

A segunda atividade humana é desfrutar da bondade divina. O v.8 contém uma ordem aos homens: “Provem e vejam que o Senhor é bom” (ta‘amû ûre’û kî-tov yehwâ). A palavra hebraica usada por Davi traduzida por “provar” não é a mesma usada pelo profeta Malaquias em um texto muito conhecido (Ml 3.10). Enquanto Malaquias propõe um “teste”, a palavra que Davi utiliza propõe o ato de “experimentar” algo, assim como “provar” uma comida ou “degustar” um vinho. Desse modo, o servo de Deus se “deleita” no Senhor aceitando as bênçãos que, pela graça, lhe são oferecidas. Ele não mendiga um pouco de alegria no meio do pecado. Ele se deleita nas palavras, na companhia e na bondade do seu Senhor.

A terceira atividade é a exortação dos irmãos. Como testemunha dos atos misericordiosos de Deus, Davi age também como transmissor dessa verdade e doutrinador de outras pessoas. Ele se propõe a fazer o seguinte (v.11): “Eu ensinarei a vocês o temor do Senhor” (yir’at yehwâ ’alammedkem). Temer a Deus não é ter medo dele. É certo que o servo de Deus deve temer, sim, desrespeitar o Senhor e ser por ele disciplinado. Mas o conceito presente no temor do Senhor é maior que isso. Envolve reverência, obediência, respeito e adoração. Davi, como homem temente a Deus, exorta seus conservos a terem a mesma disposição e se oferece para ensiná-los e encorajá-los nesse sentido.

A última atividade é a santificação de vida. Lutar contra o pecado e se deixar dirigir pelo Espírito de Deus é fundamental no convívio diário com o Senhor. Por isso, o salmista ainda orienta (v.14): “Aparte-se do mal e faça o bem” (sûr mera‘ wa‘aseh-tôv). A santificação é um esforço em dois sentidos. Em primeiro lugar, lutar para abandonar o pecado em forma de pensamentos, disposições e, obviamente, ações. Significa se empenhar para não fazer as coisas que ofendem a santidade do Senhor. E, na sequência, manter o esforço para fazer o que é correto obedecendo as instruções de Deus expostas nas Escrituras. Nenhum desses aspectos se perfaz sem o outro. Não existe vitória contra o pecado quando não há obediência; nem há santificação sem negação pessoal a fim de sujeitar os impulsos pecaminosos. O servo de Deus, mesmo diante de toda a dificuldade dessa batalha, luta para ser cada dia mais santo.

Com esse relacionamento de duas vias em ação, tanto a bondade de Deus como a submissão voluntária do servo se completam e produzem um clima de amizade, interação e união. Esse, sim, é um bom relacionamento cheio de bênçãos para os homens e repleto de honras ao Senhor. Pela graça de Jesus e seu sacrifício da cruz, podemos ser considerados, agora, por meio da fé, amigos de Deus. E não há nada mais magnífico que isso na vida de um cristão. Ou você, depois de refletir sobre tudo isso, ainda acha que é o cão o melhor amigo do homem?

Pr. Thomas Tronco

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