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Obadias 8

 

“Naquele dia ― declara o Senhor ― acaso não exterminarei os sábios de Edom e o entendimento do monte de Esaú?” (Obadias 8).

É dito que Martinho Lutero, em uma oração marcada por grande agonia na noite anterior à sua aparição perante a Dieta de Worms, clamou: “Tu, meu Deus, Tu, Deus, fica ao meu lado contra toda a sabedoria e razão do mundo. Oh, faça isso! Faça! Fica comigo. Tu, verdadeiro Deus eterno!”. Palavras simples as de Lutero, mas tocam em um ponto grandioso que é o fato de o Senhor ter a plena capacidade de vencer e envergonhar toda a sabedoria do mundo. Ele orou à pessoa certa.

Os edomitas achavam que tinham tudo bem planejado e sob controle. Pensaram em tudo e tomaram todas as providências para prosperar e manter sua condição militar. Usaram bem os conselhos e a experiência dos seus sábios, os quais, assim como as fortalezas sobre altos montes, eram considerados grandes trunfos pelo povo de Edom. Tal confiança não era sem motivo. Temã, citada no versículo posterior (Ob 9), ligada aos seus guerreiros, foi também citada por Jeremias, associando a cidade aos seus conhecidos sábios: “A respeito de Edom, assim diz o Senhor dos Exércitos: Acaso, já não há sabedoria em Temã? Já pereceu o conselho dos sábios? Desvaneceu-se-lhe a sabedoria?” (Jr 49.7). Assim, ainda que a cidade só seja citada no versículo seguinte, é apropriado que a tratemos aqui pelo que lhe parece ter sido um atributo mais notável do que seu poderio militar.

Cidade proeminente como Bozra (capital de Edom), Temã parece ter concentrado o maior número dos seus homens sábios. Essa reputação pode muito bem derivar de Elifaz, o “temanita”, que foi um dos amigos e conselheiros de Jó (Jó 2.11; 4.1; 15.1; 22.1; 42.7,9).[1] Apesar de as observações de Elifaz no livro de desconsiderarem a soberania incompreensível de Deus ― razão pela qual mereceu a reprimenda divina ―, não se pode deixar de notar o bom uso da lógica e do raciocínio naquele homem capaz, sendo um bom exemplo de um sábio edomita. Desse modo, Temã era, tradicionalmente, fonte de homens bem-preparados no campo do pensamento e das estratégias de ação. Mas nenhum desses atributos salvaria Edom do seu destino, muito tampouco seus conselheiros. Eles seriam “exterminados” e, consequentemente, envergonhados em sua prepotência.  

O versículo menciona a expressão “naquele dia”, em referência ao castigo com o qual Deus abateria o país, seguido pela fórmula solene “declara o Senhor”, usada para adicionar seriedade e terror à afirmação e garantir o cumprimento da promessa de juízo. Feito isso, o texto introduz uma pergunta retórica ― um recurso comum na linguagem antiga e frequente nas palavras de Deus. Nesse caso, a introdução da pergunta retórica é “acaso não exterminarei?”. É claro que não é preciso responder ao questionamento, pois seu significado é afirmativo, podendo ser entendido como “certamente eu exterminarei”. Trata-se de uma ameaça divina garantida por sua declaração solene de cumprimento.

O alvo da ação de Deus seriam “os sábios de Edom e o entendimento do monte de Esaú”. Não se trata de dois grupos, mas de um paralelismo comum no Antigo Testamento no qual o mesmo grupo é citado duas vezes de modos diferentes. A primeira cláusula desse paralelismo é simples de entender: “Os sábios de Edom”. A segunda é “o entendimento do monte de Esaú”, no qual “o monte de Esaú” é uma referência ao território nacional de Edom e o “entendimento”, mais que a qualidade em si, aponta para os homens que portavam tal qualidade ― buscando a boa compreensão dos leitores, a NVI traduz como “pessoa inteligente”. Sem dúvida, tais menções se referem aos membros da corte real que ofereciam conselhos políticos e militares aos reis edomitas. No antigo Oriente Próximo, tais homens eram frequentemente associados com adivinhações e práticas ocultistas (cf. Is 3:3, 47.10,13),[2] atividades consideradas na época como fonte de conhecimento e um trunfo a ser usado contra os inimigos.

A questão, porém, é a razão de Deus citar esse grupo de homens sábios em sua promessa de julgamento nacional. Uma conclusão superficial, ainda que não errada, seria que eles, assim como os demais, pereceriam diante do ataque traiçoeiro dos antigos aliados. Entretanto, é provável que o Senhor tenha aqui anunciado a falência da sabedoria da qual os edomitas se orgulhavam em seus conselheiros, tornando-os inúteis para precaver o povo do risco que estavam para enfrentar. Na prática, Deus anularia a sabedoria desses homens de modo que não fossem mais capazes de oferecer conselhos prudentes, sugerir planos de segurança (Is 19.11-16; 29.14; 47.12,13)[3] e nem ao menos antever as armações dos falsos aliados. A arma secreta de Edom falharia e permitiria que as portas fossem abertas aos seus algozes, oferecendo-lhes um banquete em vez da ponta de suas lanças. O trunfo edomita se voltaria contra seu próprio povo para destruição e vergonha.

A grande verdade é que Deus é capaz de confundir a sabedoria mundana e mostrar a loucura daqueles que o rejeitam (cf. 2Sm 15.31; Is 29.14; Jr 8.9; 9:23-24; 1Co 1.18-31; 3.19; Tg 3.13).[4] Curiosa e ironicamente, as palavras de Elifaz, um homem versado de Temã, atestam justamente a ação de Deus de fazer a sabedoria dos homens fracassar: “Ele frustra as maquinações dos astutos, para que as suas mãos não possam realizar seus projetos. Ele apanha os sábios na sua própria astúcia; e o conselho dos que tramam se precipita. Eles de dia encontram as trevas; ao meio-dia andam como de noite, às apalpadelas” (Jó 5.12-14).

O Novo Testamento concorda com essa verdade. Paulo diz aos coríntios: “Pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” (1Co 1.27-28). Do mesmo modo que em Obadias, a arrogância dos sábios se torna vergonha quando Deus atua para abatê-la. Entretanto, enquanto a falta da sabedoria edomita lhes tiraria a liberdade nacional e sua própria sobrevivência, em 1Coríntios os resultados são muito mais profundos e permanentes, ligados não apenas a esta vida, mas também à eternidade.

Quando, segundo Paulo, o Senhor tira dos sábios sua capacidade, eles não deixam de ver tramas militares, mas sim a mensagem do evangelho de Jesus Cristo: “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus. Pois está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos. Onde está o sábio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século? Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria do mundo?” (1Co 1.18-20). É por esse motivo que o homem não pode chegar a Deus por sua própria capacidade e entendimento. Mas o Senhor, em sua graça, providenciou um modo pelo qual a salvação pode chegar àqueles cuja sabedoria é incapaz de obtê-la: “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1Co 1.21-23). Por isso, clame a Deus por sua sabedoria e abra seus olhos e ouvidos à mensagem de Jesus. Somente ela pode prover o pecador daquilo para o qual a sabedoria humana é inútil.

Pr. Thomas Tronco


[1] Elwell, Walter A.; Beitzel, Barry J. Baker Encyclopedia of the Bible. Grand Rapids: Baker, 1988, vol. 2, p. 2042.

[2] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 8, nota 40].

[3] Spence-Jones, H. D. M. (Org.). Obadiah. The Pulpit Commentary. London; New York: Funk & Wagnalls Company, 1909, p. 3.

[4] Clark, David J.; Mundhenk, Norm. A translator’s handbook on the book of Obadiah. UBS Handbook Series. London; New York: United Bible Societies, 1982, p. 15-16.

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