Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Obadias 6

 

Oh, como Esaú será revistado! Como serão desenterrados e pilhados os seus tesouros escondidos!” (Obadias 6).

Na sequência do lamento do v.5, que dizia “oh, como você será devastado!”, o v.6 traz duas cláusulas lamuriosas do mesmo tipo, adicionando um severo grau de sofrimento e tons mais aterrorizantes ao quadro do futuro juízo de Edom pelo Senhor. O texto hebraico está composto no tempo passado, apesar de apontar para algo que ainda não havia ocorrido. Trata-se de uma forma chamada “perfeito profético” na qual acontecimentos são anunciados pelo ponto de vista do profeta, com seus olhos apontados para o futuro, como se já tivessem se cumprido. Assim, traduzir trechos desse tipo utilizando verbos no tempo futuro tanto faz jus à realidade contextual como auxilia o leitor a se localizar na história e na ordem dos eventos.

Na primeira parte desse pranto é dito que “Esaú será revistado”. O verbo hebraico “procurar” é usado metonimicamente nesse texto para indicar o ato de saquear os valores escondidos de um povo conquistado,[1] razão pela qual foi descrito aqui na forma de uma revista minuciosa. Um exemplo bem elucidativo é encontrado no conteúdo da ameaça de Ben-Hadade, rei da Síria, a Acabe, dizendo-lhe: “Todavia, amanhã a estas horas enviar-te-ei os meus servos, que esquadrinharão a tua casa e as casas dos teus oficiais, meterão as mãos em tudo o que for aprazível aos teus olhos e o levarão” (1Rs 20.6). O termo, portanto, descreve uma procura minuciosa a fim de tomar tudo que puder da vítima sem que lhe reste nada. Em outras palavras, o exército invasor que viria sobre Edom se empenharia de modo singular na busca por todas as riquezas presentes na cidade. Nada passaria despercebido e nenhum bem seria poupado. E não é para menos, pois Bozra, capital de Edom, no distrito da montanha de Petra, era um grande empório do comércio sírio-árabe, onde muitos objetos de valor eram armazenados.[2] A ganância dos inimigos seria uma das razões pela qual o sofrimento dos edomitas assumiria traços cruéis ― assim como a pilhagem de Jerusalém, da qual Edom também tinha culpa, trouxe grande dor aos judeus.

A segunda cláusula diz que seriam “desenterrados e pilhados os seus tesouros escondidos”. A palavra hebraica traduzida aqui como “desenterrados e pilhados” é uma só, mas seu sentido tem de ser mais bem explicado nessas duas ações para dar ao leitor a ideia correta do quadro pintado pelo texto. Literalmente, a forma da palavra em questão, dentre seus vários significados, tem como sentido mais próximo do contexto presente a ação de “roçar” ou “raspar uma superfície” ― nesse caso, a superfície da terra. É o ato de cavar para alguma finalidade ou em busca de algo, o que o texto completa dizendo se tratar dos “tesouros escondidos” dos edomitas. Assim, o panorama descrito envolve uma busca acurada na terra, desenterrando bens escondidos, com a finalidade de saquear a vítima. Vale lembrar que cavernas eram abundantes naquele território montanhoso, servindo não apenas de proteção militar, mas também de esconderijo para tesouros, motivo pelo qual a arrogância dos edomitas englobava não apenas a pretensa impenetrabilidade de suas cidades altas e protegidas, mas também a suposta segurança e salvaguarda das suas posses e riquezas.

Pode nos parecer estranho que bens sejam procurados sob a terra, mas essa era uma prática comum no passado, quando não havia, como hoje, bancos em que fosse possível entesourar bens valiosos. Por isso, tesouros eram frequentemente enterrados por segurança. Como os ladrões podiam cavar e quebrar paredes e roubar um local seguro na casa de alguém, as pessoas abastadas geralmente tentavam um dos vários outros métodos para proteger sua riqueza: investir dinheiro com cambistas, depositá-lo em um templo para custódia (a maioria dos ladrões se recusava a “roubar deuses”) ou, por fim, enterrá-lo no solo ou em cavernas.[3]

Histórias a respeito de encontrar tesouros perdidos circulavam naturalmente entre as pessoas dos dias antigos. Essa é a razão pela qual Jesus se valeu de tal conhecimento sobre o fato e ensinou verdades como: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo” (Mt 13.44). Nessa historieta de Jesus, podemos visualizar um homem, talvez um trabalhador, executando sua atividade campal, encontrando bens escondidos de um possível já falecido dono daquela propriedade, cujo paradeiro dos bens escondidos não chegou ao conhecimento do novo proprietário das terras, permanecendo ocultos. Assim, o camponês se esforçou para comprar tal campo e ser o novo dono daquelas ricas posses. Ao se valer dessa figura, podemos imaginar que os ouvintes não tiveram qualquer dificuldade de compreender a lição, visto a familiaridade que tinham com a ideia de tesouros escondidos sob a terra.

Jesus lançou mão dessa mesma figura na parábola dos talentos (Mt 25.14-30), na qual três servos receberam do seu senhor boas quantias de dinheiro a fim de fazê-las render enquanto o dono dos bens viajava. Dois desses servos investiram o dinheiro a juros e aumentaram a fortuna do seu senhor, enquanto o último, receoso de perder os bens e motivado pela falta de comprometimento com o trabalho que lhe foi confiado, enterrou o dinheiro, deixando-o lá em segurança até o retorno do patrão. Independente da atitude medrosa e preguiçosa desse servo, foi buscando o mesmo tipo segurança que o povo edomita também cavou refúgios secretos para seus tesouros. Mas isso não seria suficiente para impedir os invasores quando Deus lançasse seu pesado juízo. Eles seriam revistados minuciosamente em casa e seus campos seriam escavados de modo que os tesouros escondidos seriam todos pilhados. Eles ficariam sem nada, não havendo chance de se levantarem novamente. O desastre seria total.

O fato é que a confiança prepotente dos edomitas não estava apenas em suas fortalezas, mas também em seus recursos financeiros, algo que se mostrou enganoso e falho, pois nada do que eles pensavam ser “garantias” podia livrá-los da mão do Senhor. Não é sem razão que o Novo Testamento nos alerta a também não confiar nos bens e tesouros terrenos. Jesus disse: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corroem, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.19-21). Não é errado trabalhar e juntar posses, mas nada, além do nosso Deus, pode ser para nós a garantia na qual depositamos nossa esperança e amor. Que nosso tesouro de verdade seja o Senhor e que nosso depósito seguro e garantido da união com ele seja a fé no Senhor Jesus e a comunhão constante pela ação do Espírito Santo e a fidelidade às suas palavras. Esses são tesouros que o mundo jamais nos tirará, ainda que busque muito por isso.

Pr. Thomas Tronco

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[1] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 6, nota 27].

[2] Keil, C. F.; Delitzsch, F. Commentary on the Old Testament (electronic ed.). Peabody, MA: Hendrickson, 1996, vol. 10, p. 238.

[3] Keener, Craig S. The IVP Bible background commentary: New Testament. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1993, Mt 6.19.

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