Sexta, 29 de Março de 2024
   
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‘Maldito Aquele que Fizer a Obra do Senhor Relaxadamente’

Pastoral

O meio evangélico é especialista em tirar versículos do seu contexto literário e aplicá-los das formas mais estapafúrdias que a mente humana pode conceber. Um desses versículos, campeão em interpretações imaginárias, é Jeremias 48.10: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente...”. Sempre que alguém cita esse texto, pode esperar: atrás da tal citação vêm aplicações do tipo “a equipe de louvor deve ensaiar direito as músicas que serão cantadas no domingo”; “o pastor deve preparar bem os seus sermões”; “as senhoras que trabalham na cantina da igreja têm de caprichar no almoço”; ou “o ‘templo’ que estamos construindo tem de ser grandioso e feito com o material da mais alta qualidade”. Se não for assim, malditos seremos todos nós!!!

Todas essas aplicações (excetuando, talvez, a última), têm lá seu valor e, possivelmente, não gerem grandes prejuízos. O problema, porém, é que, ao fundamentar essas coisas em Jeremias 48.10, perde-se o real sentido dessa passagem e o povo de Deus deixa de aprender a lição mais preciosa que o texto citado transmite com imensa força e clareza.

Que lição preciosa é essa? Bem, para detectá-la, basta (como sempre) descobrir sobre o que o profeta está falando. Para isso, ajuda muito ler o versículo completo. Veja: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente! Maldito aquele que retém a sua espada do sangue!”. Percebeu? Esse versículo não fala sobre a tarefa de pregar, de cozinhar ou de construir igrejas. Esse versículo fala sobre a tarefa de punir!

Isso mesmo! Observando o contexto de Jeremias 48.10, descobre-se, facilmente, que o capítulo todo registra uma profecia de castigo de Deus contra Moabe, uma nação inimiga de Israel, situada no lado oriental do Mar Morto. O que Jeremias afirma é que essa nação seria destruída por Nabucodonosor, rei da Babilônia, o que ocorreu em 582 a.C. De fato, esse rei realizaria a “obra do Senhor”, trazendo a espada sobre um povo idólatra, soberbo, insolente e escarnecedor. E essa “obra” não deveria ser feita de maneira relaxada. Não! Nabucodonozor e seu exército deveriam aplicar um juízo de alto nível, um castigo excelente, não retendo de forma alguma a espada. Do contrário, ficariam sob a maldição do Senhor!

Evidentemente, a compreensão desses fatos assusta um pouco. Até porque deixa em pedaços aquelas noções que os evangélicos têm do “deus Papai Noel” — noções decorrentes mais da imaginação dos falsos mestres do que da revelação bíblica. A verdade, porém, doa a quem doer, é que, segundo o texto em destaque, a “obra do Senhor” é a aplicação de punição (e punição pesada), sendo certo que os instrumentos dessa punição devem ser muito zelosos na execução dela.

Disso tudo surgem, fatalmente, as seguintes perguntas: se essa passagem não serve para estimular as pessoas a cumprir direito as tarefas de pregar, cantar, preparar lanches na cantina ou cuidar do berçário, para que ela serve então? Se o destinatário dessas palavras era o Império Babilônico e esse império já cumpriu a tal “obra do Senhor”, castigando Moabe, de que modo podemos aplicar Jeremias 48.10 à nossa vida hoje?

Bem, uma grande tentação nessas horas é espiritualizar o texto e dizer que ele deve ser entendido num sentido simbólico, tendo em vista incutir medo nos descrentes. Nesse caso, uma boa sugestão seria dizer que Moabe representa os incrédulos; Nabucodonosor representa Jesus; e a espada simboliza o juízo final. Parece lindo, mas — cá entre nós — essa seria uma forma ridícula de tratar o texto, ainda que muitos pregadores façam exatamente isso com outras passagens proféticas, especialmente as que falam sobre o Reino Messiânico.

De minha parte, acredito que existe uma maneira melhor de encontrar a relevância de Jeremias 48.10 para os crentes de hoje. Vejo que esse versículo deixa bastante claro que nosso Deus requer um zelo maduro e devotado por parte daqueles a quem ele confere a tarefa de punir. E isso deve ser levado a sério por qualquer pessoa que Deus investiu na posição de autoridade, dando-lhe a incumbência de castigar o mal.

Assim, creio que todo governante, tendo recebido de Deus o dever de trazer a espada sobre os perversos (Rm 13.1-7), deve fazer isso com rigor e seriedade, sabendo que, no fim das contas, essa é a “obra do Senhor” a ser levada a efeito zelosamente pelos ministros que ele estabeleceu. Também o pai de família, sendo o responsável levantado por Deus para a direção e a disciplina do lar (Ef 6.4), deve castigar os filhos rebeldes de forma exemplar a fim de que eles não se afundem na lama da obstinação e tornem-se gente de mau caráter. Se não agir assim, realizará a “obra do Senhor relaxadamente”. Por semelhante modo, o pastor e a igreja que, tendo recebido do Senhor a incumbência de expulsar os membros da comunidade que vivem teimosamente no pecado (1Co 5.2,13), devem aplicar essa disciplina vigorosamente, sob pena de serem considerados alvos da reprovação de Deus, fazendo a obra do Senhor “relaxadamente”.

Note, assim, que o texto em análise, quando visto sob as lentes do seu propósito original e de seu ambiente próprio, adquire contornos específicos, passando a ter implicações mais sérias. Essa percepção ocorrerá sempre que olharmos com mais cuidado para a Bíblia. E isso ajudará a nos livrarmos de intuições vazias. Também evitará que caiamos no lugar-comum e vivamos repetindo aplicações superficiais e jargões bobos. Melhor ainda: isso nos ajudará a descobrir o que a Palavra de Deus realmente ensina, corrigindo nosso modo de ver as coisas e fazendo com que ajustemos melhor a nossa conduta ao que Deus quer.

Pr. Marcos Granconato

Soli Deo gloria

 

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