Sexta, 19 de Abril de 2024
   
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Posso Contar uma Coisa?

Pastoral

Em diversas ocasiões, a Bíblia trata do modo como o crente deve lidar com a língua. De fato, a comunicação é uma dádiva preciosa de Deus e pode ser usada tanto para o bem como para o mal. Entretanto, todo diálogo é composto por um emissor (que é quem fala) e por um receptor (que é quem ouve). Ambos precisam de sabedoria nesse processo, já que ouvir, ao contrário do que muitos pensam, não é um processo “passivo” em que simplesmente recebemos informação. Antes, é também “ativo”, já que processamos tudo que nos é dito para formularmos ideias e conselhos.

Atendendo à comunhão genuína, por vezes seremos confidentes, ombros amigos e conselheiros que ouvirão histórias que, naturalmente, exigirão algum tipo de parecer próprio. A cautela do crente, porém, começa muito antes daquilo que ele fala. Na verdade, inicia-se antes mesmo de ele sequer ouvir, já que algumas verdades devem permear previamente o nosso pensamento. Por isso, é importante que, como crentes, saibamos nos comunicar por completo — tanto falar como ouvir. Assim, são listados abaixo três princípios básicos para desenvolvermos ouvidos atentos e sábios.

Em primeiro lugar, lembre-se de que toda história tem dois lados. Provérbios 18.17 diz que “o primeiro a apresentar a sua causa parece ter razão, até que outro venha à frente e o questione”. É comum que, ao ouvir uma história, tomemos algum partido de imediato. Entretanto, é preciso lembrar que, “quem responde antes de ouvir, comete insensatez e passa vergonha” (Pv 18.13) e, com certeza, é prudente conhecer todos os fatos envolvidos na história para ter um panorama completo da questão. Na impossibilidade de fazê-lo, tome cuidado para não alimentar um julgamento precipitado.

Em termos práticos, isso significa que, ao aconselhar um casal em crise, amigos brigados ou pais e filhos em tensão, o crente sábio procurará coletar o maior número de informações e pontos de vista possíveis, sem negligenciar um lado em prol do outro. Como pecadores, em regra, dividimos a culpa pelas crises que sobrevêm aos nossos relacionamentos, mesmo que não admitamos isso de pronto.

Além disso, lembre-se de que toda história é seletiva. Em outras palavras, ninguém nunca conta tudo a respeito de um fato. Naturalmente, observamos os eventos a partir da nossa própria perspectiva e, ao reproduzir a situação, selecionamos aquilo que julgamos ser central na narrativa. Em termos morais, isso nem sempre é errado, já que faz parte do processo de comunicação, como se vê no Evangelho de João: “Jesus fez também muitas outras coisas. Se cada uma delas fosse escrita, penso que nem mesmo no mundo inteiro haveria espaço suficiente para os livros que seriam escritos” (Jo 21.25).

Entretanto, tal seleção pode ser feita com o objetivo de ocultar informações relevantes, contando apenas parte da história. É o caso de Abraão e Sara no Egito, narrado em Gênesis 20.1-13. Ali, o patriarca selecionou apenas parte da informação sobre seu parentesco com sua esposa a fim de não arriscar sua vida: “Além disso, na verdade ela é minha irmã por parte de pai, mas não por parte de mãe (...) eu disse a ela: Assim você me provará sua lealdade: em qualquer lugar aonde formos, diga que sou seu irmão” (Gn 20.12-13). Meias verdades são mentiras por inteiro e a narrativa da queda comprova isso (Gn 3.1-5). O que Abraão fez, portanto, foi reprovável e o crente sábio deve estar sempre atento para não cair em histórias propositalmente seletivas.

Em conflitos conjugais, é natural que algumas palavras do marido soem mais agressivas à esposa, enquanto algumas atitudes da mulher sejam inaceitáveis ao esposo. Muitas vezes, porém, ao reproduzir a história, ainda que os dois tenham errado, eles selecionarão aquilo que foi mais marcante para si, diminuindo ou mesmo excluindo do episódio algumas partes de igual relevância ao todo. Cabe ao sábio conselheiro lembrar dessa possibilidade e ponderar com cuidado aquilo que ouve.

Por fim, lembre-se de que toda história é contada com um propósito. Desde um simples “desabafo” até uma campanha para arrecadar apoio, como fez Absalão (2Sm 15), todos contamos alguma história com um objetivo prévio, bem definido ou não. Novamente, nem sempre tal propósito é moralmente condenável (Jo 20.30-31), mas muitos deles podem, sim, ser.

Na prática, aquele que possui ouvidos sábios terá o discernimento necessário para perceber se a história contada é um desabafo, feito com a devida cautela, ou um ato de maledicência, muitas vezes com o intuito de denegrir a imagem de alguém. Aliás, Paulo repreende fortemente as viúvas de seus dias que eram “ociosas, andando de casa em casa (...) também fofoqueiras e indiscretas, falando coisas que não devem” (1Tm 5.13). O efeito disso na vida da igreja é terrível, podendo levar à divisão do corpo de Cristo, como alerta Provérbios 16.28, dizendo que “o homem perverso provoca dissensão, e o que espalha boatos afasta bons amigos”.

Além desses princípios, outros poderiam ser listados aqui. De fato, a Bíblia é farta em conselhos práticos sobre comunicação. Isso não é por acaso! Todos os livros de relacionamento conjugal, por exemplo, sempre enfatizam que o maior problema entre casais é a má comunicação. Portanto, seja em casa, na igreja, no trabalho ou na escola, o crente sempre buscará uma comunicação bíblica, tanto ao falar como ao ouvir.

Níckolas Ramos

Coram Deo

 

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