Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Qual É Seu Apelido?

Pastoral

Conheci um judeu que, certa vez, parecia extremamente feliz porque finalmente teria seu nome “original” impresso em seu crachá do trabalho, ao lado do nome ocidental que ele havia adotado no Brasil. A razão de tanta alegria era porque seu nome “verdadeiro” tinha um significado especial para toda a família e carregava muito de sua história pessoal e até mesmo de sua personalidade.

Diferente da nossa cultura, os povos orientais têm grande apreço e cuidado pelos nomes que escolhem para seus filhos. No Ocidente, por mais que muitos pais façam suas escolhas tendo em vista algum significado ou fato marcante, parece que os apelidos dados por nossos amigos mais próximos refletem com maior precisão quem somos — seja por ironia ou associação direta.

Pelo que percebemos nos evangelhos, Jesus é alguém que também gosta de “apelidos” e, como é comum no Oriente, trazia com esse “novo nome” uma bagagem de significados. Para Tiago e João, filhos de Zebedeu, Jesus deu o apelido de “filhos do trovão” (BoanergesMc 3.17). O motivo, provavelmente, era o ímpeto desses dois homens, o que fica evidente no episódio narrado em Lucas 9.54. Ali, diante da antipatia de alguns samaritanos, os irmãos sugerem enviar fogo do céu para consumir os habitantes da aldeia.

Outro episódio que mostra o apreço de Jesus por apelidos é narrado em João 1.42, em que Simão passa a ser chamado de Cefas (aramaico) e Pedro (grego), ambos nomes que significam “rocha” ou “pedra”. Do que conhecemos de Simão, concordamos com Jesus que se tratava de um homem “duro” e “inflexível”, exatamente como uma rocha.

Ainda que haja certo humor nisso, parece difícil crer que Jesus apelidava seus discípulos apenas por diversão ou reconhecimento de “personalidade”. Na verdade, além de demonstrar sua posição — no Antigo Testamento, nomear algo ou alguém é sinal de autoridade (Gn 2.19, 23; Gn 17.4-6; Gn 32.28) —, é provável que Cristo usasse tais apelidos como lembretes de maturidade ou metas de crescimento. Assim, os “filhos do trovão”, antes rabugentos e sem foco, agora poderiam canalizar suas energias na proclamação do evangelho e serem, de fato, vozes poderosas. Do mesmo modo, Simão, antes inflexível e orgulhoso, agora poderia ser firme e estável como uma rocha, livre de suas inconstâncias e humildemente alicerçado nas verdades eternas do evangelho (Mt 16.16-18).

É claro que não se devem construir pilares teológicos em cima de constatações como essas, muito menos criar uma “teologia dos apelidos” ou buscar quaisquer significados místicos e secretos no nome de alguém. Porém, é possível aprender algumas lições preciosas a respeito do amadurecimento cristão a partir desses exemplos.

Em primeiro lugar, percebe-se que todo crente começa a vida cristã como uma “pedra bruta” a ser lapidada. Não se pode esperar maturidade completa de um novo convertido. O processo de santificação é gradual (2Co 3.18) e consiste, dia após dia, em transformar “Simões” em verdadeiros “Pedros”. Na prática, isso significa que os crentes mais maduros devem ser pacientes com os novos na fé, ensinando-os com amor e diligência, exatamente como Cristo fez com Tiago, João e Pedro.

Uma segunda aplicação nasce a partir dos “apelidos” usados para se referir aos crentes no Novo Testamento: “Santos” (Ef 1.1; Fp 1.1; Hb 13.24), “amados” (2Pe 3.1; 1Jo 4.7; Jd 3), “irmãos” (Rm 12.1; Fp 4.1; 1Ts 1.4), dentre outros. Ainda que falem sobre realidades já desfrutadas pelos crentes, também refletem verdades que devem ser “aprofundadas” no dia a dia.

Assim, como “santos” — separados do mundo para Deus —, o cristão deve abster-se da imoralidade (Rm 13.12-14; 1Ts 4.3) e não se apegar aos valores de uma sociedade caída (1Jo 2.15-17). Como “amados” por Deus, os salvos não devem buscar os aplausos dos ímpios ou mesmo negociar seus valores em favor da aprovação social (Gl 1.10), além de sempre reproduzir o amor divino em seus relacionamentos terrenos (1Jo 4.11). Como “irmãos”, os crentes também devem promover a unidade e a paz proporcionadas pela cruz (Ef 2.14), afastando-se de brigas e rancores (1Co 1.10; Ef 4.1-6). São valiosos lembretes que, constantemente, os autores bíblicos trazem à memória dos leitores e lançam o cristão para o amadurecimento genuíno.

Por fim, todo aquele que tem a fé alicerçada em Cristo também deve fazer valer o “apelido” recebido pelos primeiros crentes e que perdura até hoje: “... em Antioquia, os discípulos foram chamados de cristãos pela primeira vez” (At 11.26). Mais do que um grupo de pessoas que simplesmente estava associado a um homem de Nazaré, esse apelido representa um privilégio, uma esperança e um alvo.

Que a alegria do cristão seja a mesma daquele judeu que conheci, expondo a todos seu “verdadeiro nome”. Afinal, no caso dos crentes, isso fala muito mais a respeito de quem somos do que o nome que consta em nossos documentos ou apelidos que recebemos de nossos amigos.

Níckolas Ramos

Coram Deo

 

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