Quinta, 28 de Março de 2024
   
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A Função Didática do Louvor

Pastoral

As “músicas didáticas” são marca registrada dos cursinhos pré-vestibular. Preocupadas em fixar na mente dos alunos os números da trigonometria, as preposições da língua portuguesa ou, ainda, os processos da biologia, essas cantigas reforçam o poder “chiclete” da música. O mesmo acontece com aquelas canções de péssimo gosto que, vez ou outra, “grudam” em nossa mente.

Ainda que o desempenho da memória auditiva seja menor do que o da memória visual, é fato que ela foi amplamente usada na Antiguidade, já que a escrita era restrita a uma pequena parcela de indivíduos. Nesse contexto, tanto Israel como a igreja primitiva mantinham suas tradições fortemente acesas por meio da cultura oral.

É justamente por isso que a música desempenhou papel tão singular na história do povo de Deus, perpetuando e disseminando verdades teológicas por meio de salmos e hinos da igreja antiga. Dessa forma, até mesmo aqueles que não possuíam acesso direto aos registros bíblicos podiam, com segurança, aprender, aplicar e viver a teologia em sua rotina. Não por acaso, Paulo expressa a força dessa ferramenta para a igreja: “Habite ricamente em vocês a palavra de Cristo; ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda a sabedoria, e cantem salmos, hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seus corações” (Cl 3.16 cf. Ef 5.18-19).  

A função didática do louvor cantado pode ser assegurada tanto por sua proximidade textual com o ensino e o aconselhamento, como também pela própria preciosidade teológica presente nos diversos cânticos registrados nas Escrituras. Aliás, sobre o conteúdo do louvor, Paulo enfatiza que as verdades a respeito de Cristo e sua obra devem preencher abundantemente o pensamento do cristão, como um quarto completamente preenchido. Nesse sentido, o cântico de Maria, registrado em Lucas 1.46-55, é prova cabal não apenas do profundo conhecimento teológico daquela jovem, mas também do conteúdo que deve permear um ato legítimo e espontâneo de adoração a Deus.

Em contraste, músicas contemporâneas como Lindo és, Rendido estou e O poder do amor deixam muito a desejar quando comparadas com a densidade teológica do louvor de servos de Deus piedosos (veja, por exemplo, o cântico de Moisés em Êxodo 15.1-19 e o cântico de Davi em 2Samuel 22.1-51). Por mais que muitas músicas atuais não sejam, em si, heréticas (diferente de Sabor de mel, Arde outra vez, Me batiza com fogo ou Filho meu), também não contribuem em nada para o nosso crescimento na fé (2Pe 3.18), devendo, portanto, ser rejeitadas como louvor congregacional.

Além da teologia pobre ou da presença descarada de heresias humanistas, vale também ressaltar que muitos cânticos contemporâneos, no intuito de aplicar passagens bíblicas ao cristão do século 21, cometem verdadeiras bizarrices hermenêuticas, como é o caso de Faz chover ou Caia fogo (aliás, quão bom seria se teólogos e exegetas de qualidade retomassem as rédeas da arte cristã!).

Ao referir-se aos “salmos, hinos e cânticos espirituais”, Paulo também ressalta que o conteúdo do que é cantado na igreja deve evidenciar, além dos “atributos do Senhor”, de igual modo “a ação de Deus em favor de seus servos” (como os Salmos 18, 77 e 126, por exemplo). Esse é o cerne do louvor de Ana, Maria, Simeão e dos prováveis hinetos que a igreja entoava como fórmulas de fé, a exemplo de 1Timóteo 3.16.

Outro aspecto interessante a ser observado é que a gratidão pelas bênçãos pessoais desfrutadas pelo servo de Deus, quase sempre, ampliava seu foco para o caráter coletivo de Israel e da igreja. Assim, ao contrário do que cantamos hoje, o “nós” é muito mais frequente que o “eu” no louvor bíblico (Lc 1.54-55).

Por outro lado, em alguns contextos, é importante também combater a aridez do “louvor tradicional” que impede qualquer relação emocional legítima do crente com as verdades que estão sendo anunciadas. Mesmo contrários ao emocionalismo barato propagandeado pela igreja evangélica em geral, nossos lábios devem pronunciar apenas aquilo que realmente corresponde à nossa fé e que é fruto de um coração sincero (“... gratidão a Deus em seus corações” cf. Lc 1.46-47). Ao negar tais realidades, o louvor cantado é pura hipocrisia.

Diante disso, cabe ao povo de Deus preservar a sã doutrina com unhas e dentes (Jd 3), inclusive nos cânticos entoados pela congregação. Nesse sentido, o pastor, como protetor do rebanho (At 20.28), deve sempre avaliar as músicas que são cantadas em sua congregação com uma postura bereana (At 17.11). É também dever do crente ter plena consciência do que sai de sua boca (Mt 12.36-37), valendo-se, muitas vezes, do silêncio como uma real forma de adoração diante da mentira cantada a plenos pulmões.

Ao longo de sua história, Israel compreendeu muito bem o que a falta do conhecimento profundo e verdadeiro sobre o Senhor pode causar (Os 4.6 cf. 6.6). Por isso, faz-se necessário retomar urgentemente a função didática do que é cantado nas igrejas. Caso contrário, de forma análoga ao que aconteceu com Israel, aquilo que conservarmos em nossos lábios servirá de testemunho contra nós (Dt 31.19).

Níckolas Ramos

Coram Deo


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