Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Jeremias 1.1-3 – A Profecia de Jeremias

 

1   Palavras de Jeremias, filho de Hilquias, um dos sacerdotes que havia em Anatote, na terra de Benjamim.

2   Eis que a palavra do Senhor veio a ele nos dias de Josias, filho de Amom, rei de Judá, no décimo terceiro ano do seu reinado.

3   Veio, também, nos dias de Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá, até o décimo primeiro ano do reinado de Zedequias, filho de Josias, rei de Judá ― até o exílio de Jerusalém, no quinto mês desse ano.

Assim como a maioria dos livros proféticos, Jeremias começa com uma breve descrição de autoria e data, ou seja, informações sobre quem é o profeta e os dias nos quais ele efetuou seu ministério de anúncio dos desígnios do Senhor (v.1): “Palavras de Jeremias, filho de Hilquias, um dos sacerdotes que havia em Anatote, na terra de Benjamim”. A Septuaginta ― tradução grega do Antigo Testamento feita por volta do segundo século antes de Cristo ―, em vez de “palavras de Jeremias”, traz o texto “palavra de Deus que veio a Jeremias”. É improvável, contudo, que esse fosse o texto original, tratando-se, possivelmente, de um auxílio explicativo por parte do tradutor a fim de que seus leitores entendessem a natureza dos escritos que tinham em mãos. Porém, tal auxílio é desnecessário, dada a característica claramente profética do livro e a menção de que a “palavra do Senhor veio a ele” (v.2). A verdade é que as duas formas são comuns nas introduções de livros proféticos, tanto com a alusão à palavra do Senhor por meio do profeta (ex.: Mq 1.1; Sf 1.1) como a versão mais curta, que declara se tratar da palavra ou da visão do profeta (ex.: Is 1.1; Na 1.1) ― ambas, claramente, tendo o mesmo sentido final.

Quanto à identificação do profeta, diz-se ser “Jeremias, filho de Hilquias, um dos sacerdotes”. Não fica claro se a expressão “um dos sacerdotes” se refere a Jeremias ou a Hilquias, seu pai. Os versículos seguintes trazem a mesma construção com a fórmula “rei de Judá”, também dúbia como nesse caso. Entretanto, a repetição dessa expressão em dois casos cujo pai é o mesmo (v.3) dá a entender que ela não aponta para Josias, como rei que de fato foi, mas para seus filhos, já coroados como sucessores do trono. Se o mesmo critério for utilizado no versículo 1, poderíamos sugerir que a expressão “um dos sacerdotes” pretende designar o próprio Jeremias. Porém, dado o longo tempo de seu ministério e a pouca idade que deveria ter quando começou a profetizar, é mais provável que o pai de Jeremias seja quem aqui é descrito como um dos sacerdotes em atividade, cuja habitação era a cidade de Anatote, localizada cerca de cinco quilômetros a nordeste de Jerusalém, dentro do território da tribo de Benjamim, assim como Jerusalém. Quanto a Jeremias, é possível que, como filho de um sacerdote, estivesse sendo treinado para assumir o ofício sacerdotal no momento adequado, podendo-se dizer que ele nasceu para ser um sacerdote, mas exerceu, de fato, a tarefa de um profeta.[1]

A respeito da identidade de Hilquias, pai de Jeremias, podemos dizer que é muito improvável que seja a mesma pessoa que encontrou o Livro da Lei durante a reforma do templo e o fez chegar ao rei, a saber, o próprio sumo sacerdote daqueles dias (2Reis 22). No Antigo Testamento, há vários outros Hilquias mencionados. O nome era popular, particularmente entre os sacerdotes e levitas. Se o pai de Jeremias fosse o sumo sacerdote e alguém que, pela própria função, fosse próximo do rei, o profeta talvez desfrutasse de algum prestígio, mas isso não parece ter acontecido.[2] Além do mais, o sumo sacerdote teria sua morada estabelecida em Jerusalém e não em Anatote.[3]

Essa não é a primeira vez que Anatote é citada no Antigo Testamento. Anatote, apesar de estar dentro da “terra de Benjamim”, era uma cidade sacerdotal, dentre as cidades dadas como habitação à tribo de Levi (Js 21.18).[4] Abiatar foi banido para lá por Salomão, cerca de três séculos e meio antes, por apoiar a tentativa de Adonias de se tornar rei (1Rs 1.7; 2.26-27). Em vista disso, alguns estudiosos sugerem que Jeremias pode ter sido descendente de Abiatar e que, portanto, podia reivindicar ser descendente da casa de Eli, a família sacerdotal encarregada da arca da aliança quando ela estava em Siló (1Sm 1.3; 14.3; 1Rs 2.27).[5] Dificilmente tal parentesco procede, pois, caso contrário, a função sacerdotal, ainda presente na família de Jeremias, faria o juízo sobre a casa de Eli perder o sentido. Entretanto, a experiência dessa família, não apenas como história de Israel, mas também pela proximidade da linhagem de Abiatar em Anatote, certamente fazia com que cada jovem dali aprendesse desde cedo a respeito da infidelidade de Eli e seus filhos, desenvolvendo temor de Deus e mantendo essa lição sempre em mente. Talvez, por isso, o próprio Jeremias tenha se valido do destino de Siló como um sério alerta a Jerusalém (7.14; 26.6).

Tendo estabelecido a autoria da profecia (v.1), a próxima parada é situar a data em que ela foi produzida (v.2-3). O início dos pronunciamentos proféticos se deu nos dias do rei Josias (v.2): “Eis que a palavra do Senhor veio a ele nos dias de Josias, filho de Amom, rei de Judá, no décimo terceiro ano do seu reinado”. Ao dizer que a palavra “veio a ele”, a intenção do escritor é ressaltar a origem divina da mensagem e a função de mensageiro do profeta, dando maior peso às declarações do livro por ser “palavra do Senhor” e não de homens. Com isso, Jeremias é também apresentado como um modelo de servo cuja missão, determinada por Deus, deve ser desenvolvida em meio a dificuldades ― muitas delas enfrentadas, em alguma medida, por todos os crentes.

Josias, o último bom rei de Judá, que reinou entre os anos 640 e 609 a.C., era “filho de Amom”, um rei perverso e terrível (para conhecer o contexto histórico do reinado de Josias, veja a “Introdução”). É interessante lembrar o caráter ímpio de Amom para se ter a correta ideia de que uma educação perversa não define necessariamente o futuro de uma pessoa, como no caso de Josias, especialmente quando ela crê em Deus, teme-lhe o nome e deseja servi-lo. Oito anos após a morte do pai, Josias se converteu a Deus e passou a servi-lo, agindo a fim de honrar seu nome em sua vida e no meio de Israel. Jeremias começou a profetizar no início das ações de purificação nacional de Josias, “no décimo terceiro ano do seu reinado”, por volta dos anos 627 ou 626 a.C. Nessa ocasião, Jeremias não devia ter mais que vinte anos de idade, razão da sua timidez e temor e explicação sobre seu tão longo ministério.

Jeremias começou a pregar em dias de franca reforma religiosa, mas nos quais o coração do povo permanecia decadente, alheio ao exemplo do rei e imune às suas ações. Porém, não passou muito tempo para que o aparente retorno a Deus, promovido pela coroa, voltasse a ser uma rebeldia aberta ― inclusive da coroa ―, tão logo Josias tenha morrido. Desse modo, os reis seguintes também foram ouvintes e alvos das pregações do profeta (v.3): “Veio, também, nos dias de Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá, até o décimo primeiro ano do reinado de Zedequias, filho de Josias, rei de Judá ― até o exílio de Jerusalém, no quinto mês desse ano”. A expressão “filho de Josias” aparece duas vezes nesse texto, fazendo menção a Jeoaquim e a Zedequias. Se o enfoque fosse outro, poderia até aparecer mais uma vez, referindo-se aos três meses de reinado de Joacaz, antes de seus irmãos aqui citados.

O fato é que três filhos de Josias reinaram depois dele, além de um neto. A triste realidade é que, apesar do bom caráter e do temor do Senhor demonstrado por Josias, além das suas ações no sentido de eliminar a corrupção e idolatria de Israel e de restaurar o culto santo, nenhum de seus filhos se deixou marcar pelo exemplo do pai, nem lhe seguiu as pisadas. Ao contrário, todos eles foram maus aos olhos de Deus e dignos das punições que receberam, juntamente com o povo de Judá. Com isso, pode-se perceber que, no geral, o contexto histórico de Jeremias foi caracterizado pela decadência espiritual e política de Judá.[6]

O trecho termina dizendo que os pronunciamentos divinos por meio do profeta ocorreram “até o exílio de Jerusalém, no quinto mês desse ano”. A expressão “desse ano” não se encontra no hebraico e foi colocada aqui para localizar o mês, em questão, do último ano ― o “décimo primeiro”― do reinado de Zedequias, cujo evento foi a deportação dos habitantes de Jerusalém para a Babilônia. Porém, ainda que o prólogo do livro enfatize o ministério de Jeremias durante os dias desses reis de Judá, terminando com a queda de Zedequias e o exílio de Jerusalém, o profeta ainda fez anúncios de esperança depois desses eventos (40.7―44.30).[7]

Essa dureza de coração, tanto do povo como de seus líderes, fala muito sobre o próprio caráter e disposição de Jeremias como servo de Deus e como profeta. Sua “perseverança” fica em relevo ao notarmos que a maior parte do seu ministério foi, analisando de uma perspectiva puramente humana, um total fracasso, apesar de ter investido quatro décadas nessa tarefa. As queixas, lamentos, dúvidas e conflitos do profeta normalmente fazem com que os leitores o vejam como alguém fraco e instável. Entretanto, a verdade é diametralmente oposta.

É certo que ele passou por momentos de incerteza, desânimo e desespero, mas justamente por isso é que a permanência no ministério, em lugar da desistência, faz com que Jeremias seja um exemplo de fidelidade e perseverança. É em meio a lutas e dificuldades que o serviço a Deus assume um caráter marcante de lealdade e firmeza que aquilatam o servo, edificam sua vida e o fazem honrar seu redentor. Que o estudo desse livro nos dê a mesma disposição desse mensageiro persistente. Afinal, o próprio Jesus informou que nosso serviço a ele se daria em meio a muitas dificuldades, dando o seguinte alerta: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33).

Pr. Thomas Tronco


[1] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Vol. 1. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 1129.

[2] Wiersbe, Warren W. Be Decisive. Wheaton: Victor Books, 1996, p. 12.

[3] Keil, C. F.; Delitzsch, F. Commentary on the Old Testament. Peabody: Hendrickson, 1996, vol. 8, p. 25.

[4] Spence-Jones, H. D. M. (Ed.). Jeremiah. The Pulpit Commentary. London: Funk & Wagnalls: 1909, vol. 1, p. 1.

[5] Huey, F. B., Jr. Jeremiah, Lamentations. The New American Commentary. Vol. 16. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1993, p. 47-48.

[6] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 629.

[7] Newman, B. M., Jr.; Stine, P. C. A Handbook on Jeremiah. New York: United Bible Societies, 2003, p. 25.

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