Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Confissões e Confusões

Pastoral

O que é um analfabeto funcional? Esse tipo de analfabeto é aquele que sabe identificar as letrinhas do “abecedário”, juntar as sílabas e ler as palavras formadas. O problema é que sua leitura só vai até aí. É somente mecânica. Ele lê, mas não entende o que lê, por mais simples que seja o texto. E, pior: não entendendo o que lê, muitas vezes atribui sentidos aos textos que jamais estiveram ali.

O meio evangélico está cheio de analfabetos funcionais. Sou vítima deles algumas vezes. Por exemplo: recentemente, eu disse que as grandes confissões de fé da tradição reformada não são documentos isentos de erros e tampouco estão acima de qualquer trabalho de revisão. Algumas pessoas, porém, entenderam errado o que eu escrevi e disseram: “O Pr. Marcos é contra as confissões de fé”. Outros sugeriram que eu me oponho até mesmo à adoção de qualquer confissão ou à composição de um documento desse tipo. Quanta distorção! E, talvez, quanta perversão (ou perversidade)! Eu não sou contra as confissões de fé. Muito pelo contrário, eu sou um ferrenho defensor de sua importância e necessidade.

De fato, no meu exame de ordenação, realizado muito tempo atrás, meu primeiro ato durante o concílio foi distribuir aos quinze pastores presentes uma cópia da minha confissão de fé pessoal. Também quando cheguei à Igreja Batista Redenção, uma das minhas primeiras medidas foi elaborar uma declaração de fé. Essa declaração de fé está inserida no livrete Conheça a Redenção que preparei para a Classe de Novos Membros e é estudado por todos os que querem fazer parte da nossa igreja. Ela também está em nosso site pra quem quiser ver. Como se não bastasse, não faz muito tempo, eu aconselhei o diretor de um seminário bastante conhecido no Brasil a levar essa instituição a um compromisso mais claro e intenso com uma declaração de fé bem-definida, a fim de que houvesse uma “peneira mais fina” na seleção de alunos e, principalmente, de professores.

Assim, longe de mim ser contra o confessionalismo em qualquer sentido. O que deve, a meu ver, ser evitado, é a elevação das confissões antigas ao patamar de regra intocável de fé, posto que isso destrói o princípio de Sola Scriptura. Se as igrejas que são filhas da Reforma fizerem esse tipo de confusão com suas confissões tradicionais, elas cairão no mesmo erro do catolicismo romano que coloca sua tradição no mesmo nível de autoridade da Bíblia. Então, querendo defender a teologia dos reformadores, acabarão caindo num dos erros mais condenados por eles!

Em tem mais: considerar intocável uma determinada confissão antiga acaba por engessar o trabalho hermenêutico, paralisando-o e tornando-o também inútil. De fato, se as confissões antigas chegaram ao ápice das conclusões exegéticas em algumas áreas, não havendo nada que se possa acrescentar a elas, nem nada que deva ser reconsiderado ou corrigido, então para que prosseguir com a análise dos textos bíblicos ligados aos temas tratados nas confissões?

Algo que muita gente parece não saber é que a exegese progride à medida que novas descobertas são feitas no campo da história antiga e da gramática das línguas bíblicas. Isso não significa que o bom exegeta tem de adotar visões ou ferramentas modernistas, comprometendo a ortodoxia. Antes, significa que a ortodoxia verdadeira, moldada cuidadosamente pelos santos pastores do passado, pode ser ainda mais bem lapidada, sem que o grande diamante da verdade seja deformado, mas sim adquira beleza e brilho ainda maiores.

Deixem-me dar um exemplo. Os teólogos que escreveram as confissões do século 17 não conheciam a Regra de Colwell, proposta somente no início da década de 1930. Segundo essa regra, no grego no NT, se um predicativo anartro (sem artigo) preceder um verbo, ele poderá (e, muitas vezes, deverá) ser interpretado (ou traduzido) como definido. Esse foi um avanço importantíssimo no campo da exegese, tendo reflexos especialmente sobre o debate cristológico. É claro que essa regra foi questionada, tanto em sua validade como em sua relevância, mas as próprias discussões que gerou foram importantes para o amadurecimento da interpretação bíblica.  Os teólogos de séculos anteriores, porém, jamais sequer ouviram falar da Regra de Colwell. Certamente, se a conhecessem, seu trabalho exegético seria mais rico do que foi, expondo bases ainda mais sólidas para suas conclusões e talvez corrigindo alguns equívocos. Na verdade, é graças a essa dinâmica de uma exegese viva — uma exegese que avança na defesa mais e mais aprimorada da ortodoxia — que o estudioso da Palavra se deleita como se estivesse participando de uma aventura em que descobre na Bíblia armas ainda mais poderosas para destruir a mentira.

Será que descobertas dessa natureza não serviriam também para corrigir e/ou incrementar as confissões antigas, tornando-as mais fiéis àquilo que a Bíblia realmente ensina? É claro que sim. E ninguém precisa ficar assustado ou escandalizado com isso. Não somos católicos. Nossa ortodoxia é viva. Ela cresce e se fortalece à medida que avançamos no conhecimento da Palavra. “Igreja reformada, sempre reformando”.

Valorizem, pois, as confissões antigas. Estudem esses documentos tão instrutivos e enriquecedores. Levem as confissões muito a sério e nunca entrem para  o rol de membros  de uma igreja sem antes ler e entender sua definição de fé. Contudo, lembrem-se que as confissões são composições humanas, que não foram inspiradas pelo Espírito Santo, que podem estar maculadas por erros aqui e acolá e que devem ser revistas, corrigidas e ampliadas à medida que os estudos exegéticos avançam.

Pr. Marcos Granconato
Força e Fé
Soli Deo gloria

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