Terça, 16 de Abril de 2024
   
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O Princípio do Santuário

Pastoral

Um erro antigo

Entre os erros mais comuns cometidos no meio cristão está o princípio do santuário. Segundo esse princípio, o edifício que a igreja usa para realizar seus cultos e reuniões é um templo, ou seja, uma espécie de lugar sagrado em que habita a divindade, um lugar em que o piso, as paredes e os móveis que guarnecem aquele espaço são revestidos de santidade especial que jamais deve ser maculada.

Que esse princípio está errado é evidente — em primeiro lugar, porque o cristianismo é uma religião sem templos. Desde os seus primórdios, a igreja cristã nunca foi obrigada por qualquer disposição divina a ter um lugar santo onde seus membros devessem se reunir. Se os cristãos de Jerusalém se reuniam no templo (At 2.46), é preciso lembrar que aquela magnífica construção feita por Herodes pertencia ao judaísmo, não ao cristianismo. Além disso, não se deve esquecer que os crentes de Jerusalém se reuniam nos imensos pátios e pórticos do templo (ali não existiam auditórios) porque, sendo judeus, mantinham ainda certos costumes judaicos relativos à prática da oração (At 3.1).

Também é preciso frisar que, como todos em Jerusalém naqueles dias, os cristãos viam os amplos espaços do templo como lugares de convívio social, muito convenientes para seus encontros e para a pregação do evangelho ao povo (At 3.11; 4.1; 5.21,25,42). Ainda, porém, que nutrissem esses costumes, a pregação de Estevão, proferida diante do Sinédrio, mostra que até os crentes judeus do período neotestamentário sabiam que “o Altíssimo não habita em casas feitas por homens…” (At 7.48,49).

Além do mais, é sabido que a igreja do Novo Testamento, mesmo em Jerusalém, se reunia nas casas dos crentes (At 2.2,46; 5.42; 12.12). Esse fato se torna ainda mais notório quando são observadas as comunidades cristãs espalhadas pelas diversas cidades distantes de Jerusalém, onde o templo judaico estava. Todas aquelas comunidades se reuniam nos lares, sem jamais se preocupar com a edificação de um “santuário” (At 20.20; Rm 16.5; 1Co 16.19; Cl 4.15; Fm 2).

Aliás, para o cristão da igreja primitiva, a construção de templos era uma prática tipicamente pagã (At 14.13; 19.27,35; 1Co 8.10). Tanto que, ao que parece, foi só no limiar do século 3 que o princípio do santuário começou a integrar o pensamento cristão. Prova disso é que o mais antigo templo cristão já encontrado é uma casa-igreja em Dura-Europos, que foi construída por volta de 232 e destruída em 258.

A suposta conversão do imperador Constantino, ocorrida por volta do ano 312, imprimiu o princípio do santuário com força ainda maior na mentalidade da igreja. Segundo o notável historiador Edward Gibbon, a partir dessa época esse princípio foi totalmente assimilado pelos cristãos. Com isso, as ideias pagãs sobre edificações dedicadas aos deuses foram cristianizadas, e os templos de Júpiter e Minerva foram consagrados a Cristo.

Desde então, muitos líderes eclesiásticos passaram a ensinar que as sedes onde as igrejas locais se reúnem são templos e, com base nisso, inventaram novos rituais e estranhas restrições que têm ares de piedade, mas que não servem para nada.

Por exemplo: muitas igrejas realizam “cultos de consagração” quando terminam a construção de um “templo” novo. Essas consagrações muitas vezes abrangem móveis e utensílios como bancos, instrumentos musicais e microfones. Outras igrejas consideram o púlpito a parte mais sagrada do “santuário” e não permitem que ninguém sequer pise ali, exceto os pastores e os pregadores (como os faxineiros fazem para limpar essas áreas?); outras ainda proíbem que se entre no “templo” fora do horário dos cultos e censuram quem conversa ali depois de findas as reuniões.

Todas essas práticas provam que falta a muitos ministros de hoje uma visão mais bem elaborada acerca do que a Bíblia diz sobre santuários, em especial o templo usado na época do Antigo Testamento. Ora, mesmo um estudo superficial desse assunto revelará que sua análise deve envolver dois aspectos: o interno e o externo.

Em seu aspecto externo, o ensino bíblico sobre o templo judaico aponta para as disposições dadas por Deus sobre o local em que devia ser construído o edifício (Dt 12.4-14), suas dimensões, a maneira que seus móveis e utensílios deviam ser dispostos, os detalhes acerca das práticas a ser realizadas em suas dependências e as normas gerais sobre sua utilização (Êx 25–30).

Já o aspecto interno do ensino sobre o templo realça os santos princípios que cada um dos fatores externos visava a transmitir. É o autor de Hebreus quem ensina claramente que o templo judaico, com suas formas e utensílios, era uma representação de verdades e princípios eternos (Hb 9.1-10). Ora, é sabido que esses princípios são imutáveis e permanentes, enquanto as regulamentações de natureza exterior são mutáveis e passageiras.

A efemeridade do que é meramente exterior no tocante ao templo pode ser comprovada pelo próprio testemunho histórico. O templo de Jerusalém foi destruído pelo general Tito no ano 70 d.C. e jamais foi reconstruído. Aliás, o próprio Senhor predisse essa destruição quando seus discípulos se revelaram admirados com as imensas colunas do templo de Herodes (Mt 24.1,2). Diga-se de passagem que nessa ocasião o Mestre mostrou que o entusiasmo com monumentos religiosos de pedra, tão comum ainda hoje, é vão.

Além disso, mostrando a importância passageira do templo em seu aspecto físico, Jesus disse em outra ocasião, quando conversava com a mulher samaritana, que a época de adorar a Deus levando em conta lugares físicos chegara ao fim (Jo 4.19-24).

O que importa, portanto, para a igreja de Deus, é o “aspecto interno” do ensino sobre o templo. O que significavam todas as disposições exteriores ligadas ao santuário? Para quais verdades apontavam aquelas prescrições? Como a igreja pode observar e viver essas verdades hoje, num tempo em que santuários de pedra não têm mais valor algum?

Mediação e sacrifício

Em resposta a isso tudo, é preciso destacar, em primeiro lugar, que o ensino bíblico sobre o templo indica a necessidade que o homem tem de um mediador para ter acesso a Deus. No templo, o “lugar santíssimo” ficava separado do “lugar santo” por um véu que só o sumo sacerdote transpunha uma vez por ano, a fim de oferecer sacrifícios por seus próprios pecados e pelos do povo (Hb 9.2-4,6-8).

Isso significava que o acesso a Deus permanecia fechado (Hb 9.8), aguardando um mediador perfeito, por meio de quem o pecador pudesse se achegar ao Pai. Como se sabe, o mencionado mediador é o Senhor Jesus Cristo (1Tm 2.5,6; Hb 9.11,12,15; 12.24). Foi por esse motivo que, quando ele morreu, o véu do templo se rasgou de alto a baixo (Mt 27.51). Isso mostrou que o caminho do homem para Deus acabara de ser aberto.

A implicação prática desse fato é que o cristão pode agora se aproximar de Deus com confiança (Hb 10.19-22) e junto dele desfrutar de boa comunhão, misericórdia, graça e auxílio (Hb 4.16), sem precisar, por exemplo, da ajuda de um sacerdote a quem deva se confessar.

O fato de o véu ter se rasgado também mostra que a necessidade do templo como veículo de acesso a Deus desapareceu. Isso significa que construir um templo hoje (como fez a IURD) equivale a afirmar que a obra de Cristo não foi suficiente para abrir o caminho do trono da graça para o pecador, necessitando ele ainda de lugares sagrados e rituais especiais para achegar-se ao Senhor e obter o seu favor (Hb 9.8).

Em segundo lugar, o estudo das verdades que subjazem a figura do templo mostra que a ira de Deus suscitada pelo pecado humano só pode ser aplacada por meio de sangue (Hb 9.22). A justa indignação do Senhor contra toda iniquidade exige propiciação — e esta só pode ser feita com a morte. A existência do altar no templo bem como todos os rituais de sacrifício pelo pecado ali realizados apontam para essa realidade (Lv 16).

Isso tudo explica a necessidade da morte de Cristo, destacando sua importância singular, uma vez que o Novo Testamento ensina que, por sua morte, Cristo fez propiciação pelos pecados (Rm 3.25; 1Jo 2.2; 4.10), desviando do crente a ira de Deus (Rm 5.1,9; 8.1) ao lhe oferecer um sacrifício perfeito e definitivo, suprindo assim uma necessidade que os sacrifícios realizados no templo judaico não podiam suprir (Hb 9.11,12; 10.11-14).

Nesse aspecto em particular, a morte de Cristo mostra ainda quão desnecessário o templo se tornou, pois, sendo ali o local em que os holocaustos eram realizados, sua importância desapareceu tão logo o Senhor ofereceu a si mesmo como sacrifício final e completo pelos pecados, feito uma vez por todas (Hb 7.26,27).

O caráter marcantemente sangrento dos rituais realizados no templo também revela o quanto Deus é santo e não pode suportar a iniquidade (Hc 1.13).

Assimilando essas verdades ensinadas simbolicamente pelo sistema sacrificial do Antigo Testamento, o cristão entenderá melhor o sentido da cruz e também verá com maior nitidez o quanto Deus odeia o pecado (Hb 10.26-31), já que este só pode ser punido com a morte (Ez 18.4; Rm 6.23) e, considerando essas coisas, tentará viver uma vida grata e reta (Hb 12.28,29).

Do estudo do templo, também é possível auferir o princípio de que o culto a Deus deve ser regido por determinações que emanam da sua vontade soberana (Hb 8.5). Quando alguém observa as inúmeras regras divinas que regiam os atos cultuais dentro do templo no Antigo Testamento, conclui facilmente que é falsa a ideia de que a adoração ao Senhor pode ser feita da maneira que o adorador bem entende.

A liberdade concedida por Deus, ao contrário do que muitos pensam, não é liberdade sem fronteiras (Gl 5.13; 1Pe 2.16). Os interessados nesse tipo de liberdade devem renunciar à condição de seres humanos e viver como animais a dar vazão a todos os impulsos de seus instintos naturais. Mas façam isso nos campos e florestas, não durante a adoração ao verdadeiro Deus. Pois o culto cristão não deve ter espaço para baderneiros, mas sim se desenvolver dentro dos limites da decência, da ordem, da reverência, do temor e de tudo que é aceitável (1Co 14.40; Hb 12.28).

O culto puro

Outra verdade que deriva da análise do templo do Antigo Testamento advém do seu papel na centralização da religião israelita. O estudo do templo mostra que Deus se preocupou muito em criar um núcleo central para o culto verdadeiro. Com efeito, o Senhor proibiu que diversos templos fossem construídos em Canaã. Sua ordem era que somente um fosse edificado no lugar que ele próprio escolhesse (Dt 12.4-14). Na verdade, construir um santuário em outro local (como o que foi construído recentemente no Brás, em São Paulo) equivaleria a criar uma nova religião, sujeita a outro deus (1Rs 12.26-33).

Evidentemente, a centralização do culto determinada pelo Senhor tinha por propósito preservar a unidade nacional e evitar que as doze tribos de Israel espalhadas pela Palestina, em contato com as diferentes formas cananitas de culto pagão, dessem origem a alguma espécie de sincretismo religioso, comprometendo com isso a qualidade moral e espiritual de toda a nação que, então, sofreria fatalmente as terríveis consequências da quebra da aliança (Dt 28.15-68).

Para evitar, ou pelo menos retardar tudo isso, a lei de Deus determinava que o templo fosse um só, sendo instalado no local que Deus escolhesse (Dt 14.23; 15.20; 16.2; 17.8), ao que Josué obedeceu e instalou o tabernáculo em Siló (Js 18.1), onde permaneceu por cerca de trezentos anos, até os dias de Samuel (1Sm 1.3).

Posteriormente, nos dias de Davi, um novo local para o templo foi escolhido pelo Senhor na cidade de Jerusalém (1Cr 21.18–22.1; 2Cr 6.6). Nesse lugar, Salomão construiu um magnífico santuário (2Cr 3.1). Depois disso, nenhum outro local foi escolhido por Deus para a edificação de sua casa. Os templos edificados pelos judeus depois do exílio babilônico foram todos construídos no mesmo lugar que o Senhor indicara a Davi.

De todo esse cuidado de Deus em exigir a manutenção de um núcleo central e singular para a adoração, se depreende que ele quer que o culto ao seu nome seja sempre livre de contaminações. O sincretismo religioso e o tão pregado ecumenismo são abomináveis aos olhos dele, pois implicam a mistura de atos legítimos de culto com práticas e crenças supersticiosas, próprias de religiões demoníacas.

Fuja, portanto, a igreja cristã de qualquer tipo de associação com o romanismo, o islamismo, o hinduísmo e com as seitas que parecem cristãs e não são. Que esse zelo ocupe mais a mente dos pastores de Cristo do que o vão cuidado de consagrar paredes de tijolo e móveis de madeira.

É também estudando o ensino bíblico sobre o templo judaico que o crente descobre princípios eternos acerca da contribuição financeira para a obra de Deus. Sabe-se, por exemplo, que no Antigo Testamento o dízimo devia ser levado ao templo (Ml 3.10). Ora, essa determinação tinha por objetivo proteger o princípio de que os bens materiais devem ser usados para honrar a Deus, sendo aplicados em seu serviço (Pv 3.9).

Portanto, ainda que, pelo fato de não haver mais o templo, seja impossível hoje cumprir à risca o preceito de Malaquias 3.10, permanece intocável o princípio acima exposto. Assim, todo cristão que quer agir de maneira responsável deve cooperar financeiramente para que a obra de Deus seja mantida e levada adiante neste mundo (At 4.34-37; 11.29,30).

Eis, assim, alguns exemplos do aspecto interno do ensino bíblico sobre o templo. O problema de muitas igrejas, conforme visto, é o apego às normas acerca do santuário em sua face externa, ignorando que a época do santuário de pedras ficou para trás.

Isso tem gerado preocupações e enormes gastos com a construção de suntuosos edifícios, tem levado pessoas a gastar tempo precioso com o planejamento de cultos solenes de consagração de santuários e seus utensílios e tem feito pastores se desgastarem com a criação e manutenção de regras acerca do que pode ou não ser feito na “nave” dos seus templos.

Todas essas enormes parcelas de tempo, trabalho e dinheiro poderiam ser mais bem direcionadas se uma compreensão maior das Escrituras reinasse no meio evangélico. Com efeito, quantos esforços deixariam de ser empregados em vão se todos os crentes atentassem para o ensino de Jesus à samaritana, quando disse que o período de adoração a Deus em templos ou lugares sagrados havia chegado ao fim (Jo 4.19-24)! E que dizer dos ensinos de Paulo, de Pedro e do autor de Hebreus que, unânimes, insistem em afirmar que o templo cristão são os próprios crentes (1Co 3.16; 6.19; Hb 3.6; 1Pe 2.5)?

Quem quiser, pois, consagrar um templo a Deus, consagre-se a si mesmo; e quem quiser ter reverência dentro de um templo, tenha reverência em si mesmo. Da mesma forma, se alguém quiser glorificar a Deus num santuário, glorifique-o em seu próprio corpo, com cada membro que o compõe; e se algum cristão quiser adorar o Pai num lugar sagrado, adore-o dentro de si mesmo, no templo de sua alma, e de todo o coração, pois é esse o tipo de adorador que o Pai procura (Jo 4.23,24).

Ora, o que é numeroso e patente não exige busca cuidadosa. Só o que é raro e difícil de ver requer a diligência da procura. Que todo crente seja, pois, parte da classe quase extinta de homens e mulheres que se preocupam em adorar a Deus no verdadeiro santuário do coração.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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