Quarta, 24 de Abril de 2024
   
Tamanho do Texto

Pesquisar

‘Não Toque no Ungido do Senhor’

Pastoral

Há vários anos, fui a um congresso jovem cujo preletor defendia a doutrina da perda da salvação. Como era um congresso batista, realizado numa época em que nossa denominação defendia doutrinas bem definidas, o preletor encontrou forte resistência nos jovens que, ao final da palestra do primeiro dia, deixaram-no perdido com perguntas e mostras de reprovação. Por causa disso, no segundo dia do evento o preletor não teve dúvidas. Subiu ao púlpito e, não tendo bases para sustentar seus argumentos, apelou dizendo que os jovens estavam se insurgindo contra o “ungido do Senhor”.

Quem conhece bem a Bíblia vai lembrar que aquilo que o palestrante bravo disse se baseava na história de Davi, que teve a oportunidade de matar o perverso rei Saul, mas não o fez sob a justificativa de que jamais tocaria naquele homem, posto que ele era o ungido do Senhor (1Sm 24.1-13). Usando esse episódio bíblico, o irritado preletor tentou dar uma espécie de “carteirada” pra tentar fazer valer suas ideias e calar a oposição. Infelizmente — para ele — a jogada não funcionou e os jovens corretamente continuaram a censurar todos os desvios que o tal “ungido” ensinou.

De lá para cá parece que muitos pastores fracos e inseguros passaram a seguir as técnicas do nosso amiguinho. Usando também a história de Davi e Saul, esses pastores se dizem ungidos do Senhor e arrogam para si uma posição especial no meio do povo de Deus, posição essa que, segundo imaginam, os coloca acima da possibilidade de serem questionados ou mesmo corrigidos quando erram. E o pior é que — diga-se de passagem — geralmente, quem dá essa espécie de carteirada é o tipo de pastor que mais erra... E erra feio... Em muitas áreas!

Vamos colocar os pingos nos “is”. Em primeiro lugar, a expressão “ungido do Senhor” era aplicada no Antigo Testamento para se referir aos profetas, aos sacerdotes e aos reis, ou seja, aos homens de destaque em Israel, responsáveis por sua direção política e espiritual. No Novo Testamento, porém, os ungidos do Senhor não são somente os líderes do povo santo. Antes, segundo o ensino de João, todos os crentes têm a unção do alto (1Jo 2.20,27), desfrutando juntos da bela posição de reis e sacerdotes (1Pe 2.9). Isso significa que, para desespero dos líderes covardes que usam a expressão “ungido do Senhor” como um escudo para fazer e dizer tolices sem aceitar reprovação, o fato é que, na igreja de Deus, pastores e ovelhas, em termos de unção, estão no mesmo nível.

Em segundo lugar, é preciso destacar que, mesmo no Antigo Testamento, os ungidos do Senhor, ainda que desfrutassem de um respeito especial, como demonstra a citada história de Davi e Saul, isso jamais significou que aqueles homens estavam acima de avaliação, correção e castigo. Na verdade, na mesma passagem em que Davi se recusa a tocar no ungido do Senhor, ele repreende Saul por suas injustiças (1Sm 24.9-15). E isso ocorreu com outros ungidos de verdade (sacerdotes, reis e profetas), mostrando que, se de um lado não se podia tocar neles, de outro era perfeitamente correto adverti-los, corrigi-los e exortá-los. Ora, se os ungidos verdadeiros não estavam acima de censura e disciplina quando erravam, que dizer dos ungidos piratas de hoje, que criam uma blindagem imaginária em torno de si, tomando falsamente esse título com o único propósito de fazer o mal sem aceitar correção?

Enfim, a grande verdade que se quer destacar aqui é que os pastores e líderes evangélicos de hoje não têm o direito de abusar de sua autoridade, não têm o direito de ser injustos com as pessoas, não têm o direito de ensinar meras opiniões pessoais, não têm o direito de praticar o mal e não têm o direito de forçar sua vontade individual sobre os outros, tudo sob a afirmação de que são os ungidos do Senhor. Em vez disso, esses homens devem estimular o povo de Deus a ouvir todos os sermões e aulas que pronunciam com postura crítica (1Co 14.29) e avaliar a vida dos líderes eclesiásticos sob o crivo da Palavra de Deus (1Tm 3.1-7), sabendo que o Senhor muitas vezes usa os respeitosos e amorosos alertas da igreja para colocar os seus pastores nos trilhos certos.

Quero terminar com uma ressalva. Tudo o que foi dito aqui não significa que os pastores estão no mesmo nível dos membros da igreja em termos de liderança, nem que eles devem ser tratados sem qualquer respeito especial. Os pastores bíblicos são líderes de verdade que o Senhor colocou sobre o seu povo para equipá-los para o serviço santo e protegê-los da mentira (At 20.28; Ef 4.11-15). Eles merecem respeito por causa do trabalho que realizam e porque velam por nossas almas como quem deve prestar contas (1Ts 5.12-13; Hb 13.17). Tudo isso os coloca numa função diferenciada que deve ser levada em conta. Porém, o que não se deve admitir é a ideia de que os pastores desfrutam de um status espiritual que os torna intocáveis, situando-os acima de qualquer correção e obrigando o povo de Deus a aceitar seus desvios e falhas sem dizer nada (Gl 2.11; 1Tm 5.19,20; 3Jo 9,10). Essa ideia ilusória jamais recebeu respaldo bíblico e todos os crentes, tendo a unção que vem do Santo, devem rejeitá-la com todo vigor a fim de escapar de homens maus que aterrorizam o rebanho com ameaças vazias.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

 

Este site é melhor visualizado em Mozilla Firefox, Google Chrome ou Opera.
© Copyright 2009, todos os direitos reservados.
Igreja Batista Redenção.