Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Zacarias 10.1-12 - Da Humilhação do Exílio à Glória do Reino

 

À medida que o livro de Zacarias prossegue, as promessas e figuras vão se tornando mais sugestivas e enfáticas, como no capítulo 10, que é um texto grande, mas que não deve ser fracionado a fim de não perder de vista a compreensão do seu ensino. Ele começa com uma ordem simples, mas de grande interesse para uma população de atividade agropecuária (v.1): “Vós deveis pedir ao Senhor chuva no tempo da primavera, o Senhor que faz os relâmpagos, e ele dará chuva abundante e erva no campo para cada um”. Resumindo: “Peçam chuva e o Senhor dará”. Só isso? Não! O assunto continua sendo a salvação de Israel[1] e sua restauração como nação abençoada e próspera. Levando em conta a aliança com Israel (Lv 26.3,4), a chuva não era apenas uma questão de pedir, mas de se honrar o Senhor com a obediência e com o modo de vida segundo o caráter divino. Eis a razão pela qual Deus se zangou contra os líderes espirituais e políticos de Israel (v.3), pois, apesar de terem obrigação de ensinar e promover a obediência, eles corromperam o povo por maus caminhos.

Isso fez com que os israelitas, durante séculos, buscassem falsos deuses e falsos profetas para obter as bênçãos que necessitavam para o sustento. O resultado foi se afastarem de Deus, sendo enganados (v.2a): “Porque os ídolos do lar falam falsidades e os adivinhos têm visões mentirosas, revelam sonhos vazios e dão consolo vão”. Aqui surge uma visão que nos parece fora de tempo, já que os “ídolos do lar”, citados como objetos de adoração pagã em Gênesis e em Juízes, não parecem fazer parte do dia a dia dos judeus do período pós-exílico, assim como os vaticínios de adivinhos e prognosticadores. Na verdade, quando o v.3 demonstra o desagrado de Deus contra os maus líderes de Israel, lembramos que nos dias de Zacarias o povo era liderado por homens que, apesar de não serem perfeitos, também não eram perversos e corruptores da nação, a saber, o governador Zorobabel e o sumo sacerdote Josué. Assim, a impressão é que o Senhor expande seu olhar sobre a história do seu povo entre o Egito e a Babilônia e sobre as razões de Israel não tê-lo servido, mas se rebelado, sofrendo severas punições. Além de culpar o povo, o Senhor responsabilizou com grande seriedade a liderança da nação (v.2b): “Por isso, o povo vive como ovelhas, às quais vivem aflitas porque não têm um pastor”. Apesar de “não ter um pastor” poder significar que não havia um rei, é provável que Deus tenha apontado o fato de as lideranças de Israel não terem agido como verdadeiros pastores, protegendo e alimentando o rebanho.

A reação de Deus não podia ser outra (v.3a): “Minha ira se acendeu contra os pastores e eu punirei os bodes-guias”. Enquanto o termo “pastores” aponta aqui para os líderes religiosos, a palavra traduzida como “bodes-guias” pode ser usada como metáfora para homens poderosos ou magnatas,[2] apontando para a liderança política e para a aristocracia israelita. Ao percebermos que o verbo denota uma ação futura, podemos concluir que a realidade passada de Israel não estava resolvida e que o povo voltaria a se desviar por falta de quem os pastoreasse corretamente, redundando em novas punições e, segundo o texto sugere, um acerto final de contas antes que o próprio Deus assuma o controle do rebanho. Essa realidade final é descrita na segunda parte do versículo (v.3b): “Pois o Senhor dos exércitos visitará seu rebanho — a casa de Judá — e fará dele o seu cavalo majestoso na guerra”. Se os maus líderes não chefiaram corretamente Israel, Deus o fará cumprindo seus propósitos na vida da nação, tornando-a seu exército pronto a desempenhar o papel escatológico entre outras nações antes que seja estabelecida definitivamente a paz, como exposto no capítulo anterior.

Na sequência, o profeta utiliza várias figuras de linguagem, nem todas fáceis de compreender (v.4): “De Judá virá a pedra angular, o prego na parede, o arco de guerra e todos os governantes”. O texto não fala “de Judá virá”, mas “dele virá” sem especificar quem. Alguns estudiosos optam por dizer que é de Deus que virão tais coisas, mas ao olharmos para o final do versículo anterior e para o versículo seguinte, percebemos que Judá é o foco das palavras. É claro que o fato de tais coisas virem de Judá, em nada significa que não é o Senhor quem as produz. Ao contrário, é exatamente essa a intenção da profecia, a saber, informar o que Deus fará a Judá e à nação como um todo. Assim, a primeira metáfora é a “pedra angular”, a qual não pode deixar de ser associada ao Messias (Lc 20.17; Ef 2.20; 1Pe 2.6). Entretanto, para os ouvintes originais, a ideia produzida em suas mentes também envolvia firmeza e segurança, já que esse era o papel de uma pedra angular em construções como a que eles vinham executando no templo e como já haviam lido nas Escrituras a respeito do estabelecimento, na criação, das bases da Terra (Jó 38.6 cf. v.4) — Isaías 28.16 também usa o termo, cujo significado está mais próximo dos textos do Novo Testamento que de . Quanto aoprego de parede”, embora seja frequentemente traduzido como “estaca”, produz a ideia de um apoio em que as ferramentas e armas eram penduradas, o que, figuradamente, aponta para as promessas de Deus como apoio da própria esperança dos israelitas (cf. Is 22.15-25; Ed 9.8).[3]

A terceira metáfora é o “arco de guerra” que, além de apontar para o papel militar de Israel nos planos futuros do Senhor, deve também indicar o poder e a soberania do rei divino para, não apenas conquistar, mas também manter seu domínio e a paz nele instalada. Por fim, é dito que virão de Judá os “governantes”, palavra usada para indicar o governo dos israelitas sobre as nações,[4] além de um poder centralizado no reino messiânico e não um governo difuso e espalhado pelo planeta, como acontece atualmente.

Em função disso, o povo enfraquecido e pouco numeroso de Judá dos dias de Ageu e Zacarias veria tal transformação que seria como um exército poderoso que cerca cidades inimigas, pisando o barro nas ruas como figura de quem vence todas aqueles que se opõem a ele[5] (v.5): “Eles serão como valentes pisando o barro das ruas na guerra. Eles guerrearão, pois o Senhor estará com eles e eles envergonharão os cavaleiros inimigos”. Valentes que, na guerra, pisam o barro nas ruas são os soldados de infantaria, aqueles que lutam a pé e que têm poder bélico inferior ao da cavalaria. Mesmo assim, o texto pinta a imagem das cavalarias inimigas sucumbindo ante à infantaria judaica. Isso quer dizer que, quando Deus cumprir sua promessa, não importa o número de inimigos e seus poderosos armamentos. Com o braço do Senhor ao seu lado, Israel se torna vencedor onde quer que vá.

A partir do v.6, o assunto muda do estabelecimento de Israel como nação forte para o tema do retorno dos exilados, algo realmente significativo para os judeus que tinham retornado da Babilônia em um número não tão grande quanto desejavam (v.6): “Eu fortalecerei a casa de Judá, livrarei a casa de José e os farei voltar, pois tive compaixão deles. Eles serão como quando eu não os tinha rejeitado, pois eu sou o Senhor dos exércitos e lhes atenderei”. Os dois reinos de Israel são citado aqui. Judá recebe uma referência clara e Israel é citado por meio da figura de José, de quem provinha as tribos de Efraim e Manassés, sabendo que Samaria, antiga capital do reino do Norte, ficava em Efraim. Dizer que Judá e Israel voltariam, significa pelo menos três coisas: que as nações se uniriam novamente, que se arrependeriam dos pecados e voltariam a servir o Senhor e, adiantando o v.9, voltariam de seu exílio pelo mundo para a terra dada a seus pais. Em resumo, trata-se de uma restauração plena como a descrita no anúncio da nova aliança (Jr.31.31-34).

Mesmo o reino de Israel, chamado Efraim, espalhado pela Assíria e pela Média desde 722 a.C. (2Rs 17.6), sem que houvesse grandes expectativas de que pudessem ser novamente reunidos, serão restabelecidos (v.7): “Os [homens] de Efraim serão como valentes e o coração deles se alegrará como se fosse com vinho. Seus filhos verão isso e se alegrarão. O coração deles se alegrará no Senhor”. Assim como na visão de Ezequiel, do vale de ossos secos (Ez 37.1-14), em que Deus refazia corpos há muito deteriorados e estabelecia um exército, a improvável reunião de Israel será um fato. Interessante notar que Ezequiel, na sequência da sua visão, anuncia a unificação e restauração dos reinos do Norte e do Sul (Ez 37.15-28). Zacarias faz o mesmo (v.8): “Eu os chamarei e os reunirei, pois eu os terei redimido. Assim, eles crescerão em número assim como cresceram [no passado]”. “Eu os chamarei” — lit. “eu assobiarei para eles” — quer dizer que Deus será o responsável por, na hora certa, trazer de volta para casa os israelitas dispersos pelo mundo. Não apenas alegria será a marca dessa nova era (v.7), mas também o crescimento do povo (v.8), mostrando que a aliança com Abraão encontrará livre curso para se cumprir plenamente quando o Senhor também cumprir as previsões de restauração espiritual e retorno dos israelitas (previsões da nova aliança), além do reinado perpétuo do Messias (previsão da aliança davídica).

Ainda que o estado atual de Israel faça, na mente dos homens, ser improvável e até impossível tal retorno, seu arrependimento e volta a Deus, mesmo em terras longínquas, é o suficiente para o Senhor, em seu poder soberano, mover toda a história a fim de reuni-los e restaurá-los à sua condição original (v.9): “Embora eu os tenha lançado por entre as nações, eles têm se lembrado de mim mesmo em lugares distantes. Por isso, seus filhos viverão e retornarão”. Nenhum outro povo no mundo foi tão perseguido e, mesmo assim, durado e permanecido ao longo dos milênios. O fato de Israel ainda existir, mesmo que disperso, é prova incontestável do controle divino sobre a história humana e da sua fidelidade em cumprir as promessas que fez. Por isso, os filhos de Israel “viverão e retornarão”.

O retorno será total e tão numeroso que não haverá espaço suficiente para assentar todos os repatriados dentro dos limites atuais do Estado de Israel (v.10): “Eu os farei retornar da terra do Egito e os reunirei da Assíria. Eu os farei vir para as terras de Gileade e do Líbano, pois não se achará lugar para eles [habitarem]”. Egito e Assíria representam aqui as nações em que os israelitas estão espalhados,[6] já que o reino do Norte foi trasladado para a Assíria e o remanescente do reino do Sul, aquele que não foi levado à Babilônia, encontrou asilo político nas terras do Egito. Dizer que “não se achará lugar para eles habitarem” é um modo de revelar que serão tantos os judeus dispersos pelo mundo que retornarão à terra da promessa que novos limites territoriais serão alçados para que possam morar, já que todo o território estará abarrotado de gente. Não por coincidência, isso acaba por cumprir outra faceta da promessa feita a Abraão: possuir a terra ao norte até o limite do rio Eufrates (Gn 15.18-21), terra essa que nem vemos atualmente ou na história passada como território israelita. Na verdade, esse grande número de repatriados sugerido por Zacarias nos faz entender a razão de Deus prometer a Abraão um território tão grande.

Na efetivação da busca e retorno do povo espalhado pelo mundo, Deus é quem vai à frente deles e os guia (v.11a): “[O Senhor] cruzará o mar da aflição e golpeará as ondas no mar e todas as profundezas do Nilo secarão”. Há um desacordo entre os tradutores sobre quem é o agente das duas primeiras ações. Enquanto os verbos hebraicos estão no singular, apontando para o Senhor com agente, a Septuaginta — tradução grega do Antigo Testamento datada por volta de 200 a.C. — traz os verbos no plural, indicando que os israelitas poderiam ser os responsáveis pelas ações. Apesar de a Septuaginta ser mais de dez séculos anterior ao texto massorético (hebraico) que temos, não há mais evidências que indiquem que a versão grega esteja correta. Além disso, a possibilidade levantada pelo texto grego não combina com o restante do texto, o qual, na verdade, descortina ao leitor uma ação sobrenatural e soberana movendo os rumos das nações.

Por isso, a ideia produzida pelo início do v.11 é a do Senhor agindo como um navio que traz de volta o povo espalhado pelo mundo. Assim, ele “cruza o mar” e “golpeia as ondas” como faz a proa de um navio que viaja decidido e com boa velocidade. O nome “mar da aflição” provavelmente faz menção ao sofrimento dos israelitas durante todo o tempo em que o mar — possivelmente o Mediterrâneo — os separou de sua pátria amada. Entretanto, o Senhor os traz de volta das regiões da Turquia e da Europa (terras além do Mediterrâneo) — na época não se tinha noção de regiões mais distantes como o continente americano —, como também do Norte da África, pelo que é dito que o Senhor também seca o Nilo para que atravessem por ele. Essa linguagem é, obviamente, contextualizada com a realidade da época para que se tornasse significativa para os ouvintes originais, ao passo que sabemos que nem todas as viagens atualmente são feitas de barco e que não é necessário secar o Nilo para que haja acesso livre de um lado para o outro do rio egípcio devido ao sistema de estradas e pontes. Entretanto, a intenção do profeta é apontar Deus como aquele que toma seu povo de entre as nações e os traz de volta poderosamente, contra todas as dificuldades e expectativas atuais.

E quanto às nações inimigas? E quanto aos poderosos reinos? E quanto ao que conhecemos hoje das nações, da economia, da política, dos blocos militares e das comunidades mundiais e principalmente do armamento incontável mantido por nações que sabemos que reagirão a um despontamento de Israel como nação hegemônica? Sobre isso, diz Zacarias (v.11b): “O orgulho da Assíria será abatido e o cetro do Egito não mais existirá”. À primeira vista, a resposta do profeta parece não satisfazer às perguntas levantadas logo atrás, pois basta lembrar que a Assíria deixou de ser um império e até uma unidade política um século antes e que o Egito foi abatido e subjugado pela Babilônia e depois pelos medos-persas. Por isso mesmo, é possível perceber que o texto utiliza essas duas nações para representar os poderes mundiais. Apesar de a Assíria não mais existir e de o Egito não ter mais seu antigo poder e influência, todos os judeus sabiam o que ambos significaram em seu passado e como representavam as forças inimigas e opressoras sobre eles. Por isso, quando Deus cumprir o que diz nesse capítulo, as nações que ocuparem o lugar político-militar da Assíria e do Egito em sua época serão subjugadas e desmanteladas.

Mas Judá e Israel, por sua vez, passarão pelo processo inverso em que, crendo e obedecendo novamente a Deus, viverão sob a guarda e as bênçãos divinas (v.12): “‘Eu os fortalecerei no Senhor e eles procederão de acordo com o seu nome’ — declara o Senhor”. Com isso, define-se de modo claro o cumprimento final da profecia em que Israel é restaurado do cativeiro, vive sujeito às ordens de Deus e é convertido ao Messias, o Senhor Jesus Cristo, o qual reinará sobre eles perpetuamente.[7]

É maravilhoso ver que tudo, todo o poder, fortuna e arrogância dos homens se rendem ante os pés do governante divino. Porém, depois de falar sobre a sorte de Israel e das nações mundiais, o que dizer da igreja de Cristo e da sua participação nisso tudo? Quando falamos do reinado futuro do Messias, obrigatoriamente falamos sobre nossa participação nele: “Se perseverarmos, com ele também reinaremos” (2Tm 2.12a). Para que não se diga que se trata de um reino meramente espiritual, João confirma o reinado “terrestre” daqueles que, crendo, foram salvos no meio de todos os povos: “E com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra” (Ap 5.9b,10). Assim, nos planos futuros de Deus, se Israel é a ponta da lança do Senhor para lutar contra os ímpios do mundo e acabar com seus reinados de rebeldia, de algum modo a igreja de Cristo, glorificada na época, será envolvida na administração do governo mundial de Jesus Cristo. Isso, além de nos encher da esperança de exercer um papel tão importante e significativo no futuro, deve, já no presente, nos engajar em um serviço tal que nossa influência no meio das nações expanda o reino espiritual de Cristo e glorifique a Deus. Afinal, na obra do Senhor, não há lugar para ociosos e covardes.

Pr. Thomas Tronco

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[1] Baldwin, J. G. Ageu, Zacarias e Malaquias: Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 141.

[2] Schökel, Luiz Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997, p. 527.

[3] The NET Bible, First Edition, Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006, [Zc 10.4, nota 5].

[4] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah. UBS Handbook Series. Nova York: United Bible Societies, 2002, p. 265.

 

[5] Keil, C. F.; Delitzsch, F. Commentary on the Old Testament (electronic ed.). Peabody, MA: Hendrickson, 2002, vol. 10, p. 585.

[6] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 1564.

[7] Spence-Jones, H. D. M. (ed.) Zechariah. The Pulpit Commentary. London; New York: Funk & Wagnalls, 1909, p. 108.

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