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Colossenses 2.13-15 - Vida, Perdão e Vitória

  

Descrever a nova e privilegiada condição dos crentes de Colossos foi um dos meios que Paulo usou para estimulá-los a fugir das doutrinas falsas que lhes estavam sendo propostas. O Apóstolo sabia que se os cristãos tivessem uma noção clara de sua real identidade e condição, jamais se preocupariam em buscar os supostos benefícios oferecidos pelos gnósticos aos iniciados em seus mistérios.

Assim, o v. 13 apresenta uma dinâmica do tipo “antes e depois”, ressaltando a situação dos colossenses nos tempos da incredulidade e apontando os privilégios de que passaram a participar quando acolheram a mensagem do evangelho. Nos dias de sua ignorância eles “estavam mortos em pecados” (Ef 2.1). A figura evoca o estado espiritual deplorável e de crescente degeneração em que se encontra o homem separado de Deus. Ele se decompõe moralmente em meio às suas transgressões. A palavra traduzida aqui como “pecados” sugere a idéia de desvio.[1] De fato, os incrédulos apodrecem espiritualmente enquanto se desviam mais e mais dos caminhos que o Senhor aponta como retos e verdadeiros.

A condição lastimável dos colossenses não era decorrente apenas de seus tropeços e desvios. Eles também tinham estado mortos em virtude da “incircuncisão da sua carne”. Ao mencionar os pecados deles, Paulo se referiu a atos de desobediência. Agora, ele fala de um estado permanente de rebelião. Ao usar a expressão “incircuncisão da sua carne”, o Apóstolo se refere à natureza não regenerada que domina a vida dos incrédulos, determinando continuamente seus anseios, decisões e comportamento (Rm 7.5).

A carne, isto é, a natureza que há no homem inclinada para o mal (Rm 8.5-8), precisa ser “cincuncidada” por Cristo para que o domínio das paixões carnais sobre o ser humano tenha fim. Conforme já visto no comentário ao v. 11, essa circuncisão consiste de um enfraquecimento da inclinação que o homem tem para o pecado, de tal modo que ela não mais reine na vida de quem recebeu o Salvador (Rm 6.6,17-18). Os colossenses  tinham sido outrora incircuncisos de coração. Isso agravara ainda mais seu estado de morte, acelerando o processo de putrefação moral a que estavam sujeitos.

É preciso destacar ainda que a ausência da circuncisão espiritual não significara somente o domínio da natureza pecaminosa na vida dos colossenses. Considerando o sentido da circuncisão no Antigo Testamento (Gn 17.10-14), ser incircunciso implicava estar separado do povo de Deus, fora da aliança com ele e, consequentemente, longe das promessas constantes dessa mesma aliança (Ef 2.11-12). Essa condição de “estranho” para Deus também compõe o retrato do cadáver espiritual.

Depois de falar sobre a deplorável condição espiritual dos cristãos de Colossos ao tempo de sua incredulidade, o v. 13 menciona uma série de ações salvíficas de Deus em favor deles. Primeiramente é dito que Deus os vivificou com Cristo. A participação do crente na vida ressurreta do Senhor já foi mencionada no v. 12 (veja-se comentário supra). Paulo continua destacando que, assim como Cristo superou a morte, os crentes, desde o dia em que o receberam, se uniram a ele e passaram a experimentar, desde já, o poder da vida ressurreta (Fp 3.10), manifesta, na prática, numa vida que não se sujeita ao domínio do pecado (Rm 6.11-12).

A segunda ação salvífica que o Apóstolo menciona é o perdão de Cristo. No momento da conversão foram perdoadas “todas as transgressões” dos colossenses (v. 13 in fine).  Aqui aparece novamente o termo usado para descrever o pecado como desvio (Veja-se nota 1). Paulo diz que todos os descaminhos que os colossenses trilharam receberam a absolvição de Deus. O verbo traduzido aqui como “perdoar” encerra a noção de benevolência gratuita, oferecida livremente (Rm 8.32; Fp 1.29). O perdão de Cristo foi, assim, gracioso. Esse ensino paulino conflitava com as doutrinas dos falsos mestres que impunham aos crentes um minucioso conjunto de preceitos ascéticos como meio de obtenção de pureza espiritual (2.20-23).

O v. 14 fala de um terceiro ato divino em prol da salvação dos crentes. O texto diz que Cristo “cancelou a escrita de dívida”. Essa expressão se refere a um documento de natureza comercial, um tipo de nota promissória, que consubstanciava a dívida que alguém tinha obrigação de pagar. A idéia óbvia presente em todo o quadro é de Deus como credor do homem que, diante dele, se apresenta sempre como devedor inadimplente.

A dívida do homem para com Deus “consistia em ordenanças”. Evidentemente, Paulo faz alusão aqui à Lei Mosaica com seus rigorosos preceitos morais e cerimoniais. Consistindo a dívida de mandamentos tão rígidos, a obediência perfeita a cada um dos seus itens era a única moeda através da qual o débito do homem com Deus poderia ser saldado. É claro que um montante tão alto não podia ser pago pelo ser humano (At 15.10). Daí a afirmação de Paulo de que essa escrita de dívida “nos era contrária”.

No início do v. 14 é dito que essa dívida foi cancelada (apagar, remover ou eliminar). Em seguida, Paulo diz que o título de dívida foi removido. Desta vez, ele usa outro verbo, cujo significado básico é tirar ou tomar algo e levá-lo embora. Em ambos os casos, é óbvio que o ensino dominante é que a Lei foi abolida, uma doutrina comum nos escritos paulinos (1Co 9.20; Gl 3.19, 23-25; Ef 2.14-15).

Existe uma viva controvérsia no meio teológico acerca de qual aspecto do Código Mosaico foi cancelado. Esse debate tem produzido interpretações forçadas, como a que diz que a referida remoção só foi aplicada aos preceitos veterotestamentários de natureza cerimonial, sendo mantida a vigência das normas morais. O ensino de Paulo, contudo, não aponta para essas distinções. Na verdade, nos textos em que o Apóstolo diz que o crente está livre das normas mosaicas, ele dá claras evidências de que tem mandamentos morais em mente. Isso se verifica em toda a Carta ao Gálatas, onde Paulo fala do fim da Lei (Gl 3.23-25), fazendo constantes referências aos seus aspectos tanto éticos (e.g., Gl 3.12) quanto litúrgicos (e.g., Gl 4.10-11; 5.3). Romanos 7.6-7 e 2Coríntios 3.7-11 também são textos que falam do cancelamento da Lei destacando seu lado ético.

O que foi dito acima pode conduzir o estudante apressado a virar as costas para a bela conduta proposta nos escritos de Moisés e em todo o Velho Testamento. Isso, porém, seria uma trágica temeridade. O cristão deve aprender que a revogação da Lei não implica anomia (Rm 6.15). Na verdade, o ensino de Paulo é que, mesmo estando livre da totalidade da norma mosaica, o crente, sendo transformado por Deus em seu interior, é induzido e capacitado pelo Espírito que nele habita a cumprir a justiça que há na Lei (Rm 8.3-4; Gl 5.18; Hb 8.10-12). Desta vez, porém, estando sob uma Nova Aliança, ele não fará isso como escravo, e sim como filho, com um coração inclinado à sujeição, numa obediência livre e voluntária (Rm 7.4-6; Gl 4.4-7).

O quarto e último ato salvífico é mencionado por Paulo no versículo 15: Cristo despojou os poderes e as autoridades. Esses dois termos são basicamente sinônimos e apontam para alguém que ocupa um posto de comando ou um lugar de preeminência. Paulo os utiliza em suas cartas para se referir a anjos (Rm 8.38: Ef 1.20-21; 3.10), inclusive os maus (1Co 15.24; Ef 6.12), como é o caso no texto em análise.

Em 1.16, o Apóstolo afirmou que Cristo é o criador dessas entidades, e em 2.10 declarou sua perfeita supremacia sobre elas (Veja-se comentários supra). Agora Paulo ensina que, no tocante aos poderes e autoridades malignos, o Senhor, quando foi pregado na cruz, os “despojou”, isto é, removeu algo que tinham.[2] Não há precisão no texto quanto ao objeto de que os anjos maus foram privados quando Cristo foi crucificado. Parece, contudo, óbvio que Paulo tem em mente aqui a perda do domínio que essas entidades espirituais tinham sobre as pessoas.[3] Aliás, em 1.13-14 é evidente que a redenção realizada por Cristo em prol dos crentes implicou também na sua libertação do império das trevas.

Assim, a crucificação de Cristo cujos contornos exteriores podem inspirar noções de derrota foi, na verdade, uma vitoriosa ação militar realizada no campo espiritual. Nessa ação, o divino General atacou seus inimigos e de certa forma os golpeou, removendo os muros que tornavam possível o seu domínio sobre os homens e impediam o acesso a Deus.[4] No Calvário, portanto, ao pagar o preço do pecado humano, Cristo fez com que os principados e as potestades do mal perdessem força. De fato, a cruz foi como um aríete que abriu uma grande brecha nas muralhas do império das trevas, possibilitando que a humanidade fugisse de seus malignos dominadores e, redimida pela fé, corresse para os braços do perdão do Pai (Hb 2.14-15).

O v. 15 apresenta um quadro ainda mais vívido do magnífico impacto da cruz sobre os principados e potestades. Paulo diz que, além de despojá-los, Cristo “fez deles um espetáculo público”.  As palavras usadas pelo Apóstolo evocam o costume militar romano que consistia de conceder a um general vitorioso a glória de desfilar na capital do Império, conduzindo em correntes seus prisioneiros de batalha.[5] A humilhação dos inimigos é o aspecto específico do costume romano que Paulo tem em vista aqui. É como se a cruz tivesse sido a biga, o carro de batalha sobre o qual Cristo desfilou triunfantemente à frente dos poderes demoníacos expostos ao vexame.

Essa figura é cheia de significado. Ela indica que, ao livrar o homem por meio do seu sangue, Cristo revelou que os anjos maus não eram detentores de todo poder, nem dignos de temor, adoração ou glória, nem tampouco senhores do destino humano como os falsos mestres ensinavam em Colossos. A natureza libertadora da obra de Cristo na cruz demonstrou, assim, quão falaciosa era a crença gnóstica de que os diversos poderes espirituais tinham em suas mãos o controle de cada vida humana.  De fato, ao buscar na cruz o homem perdido, Cristo tornou notória a verdade de que os espíritos maus são incapazes de dirigir o destino das pessoas, são fracos para se opor aos desígnios de Deus e são mentirosos quando se apresentam como deuses onipotentes que devem ser temidos e honrados. Vergonha, portanto, foi o que a cruz trouxe sobre eles, e o homem que foi liberto pela cruz ri das pretensões desses espíritos desmascarados, jamais permitindo que o medo deles determine suas ações ou lance seu coração no labirinto da dúvida (1Jo 4.4; 5.18).  

Pr. Marcos Granconato    



[1] A palavra também sugere a idéia de dar um passo em falso e cair para o lado. Em todo caso, a noção que prevalece é a de alguém que está fora da vereda reta.

[2] O verbo usado aqui pode significar “desarmar” ou simplesmente “despir” (3.9). Em 2.11, a forma substantiva é usada no sentido de “espoliar” (Veja-se comentário supra).

[3] É admissível também a idéia de que os principados e as potestades foram despojados de qualquer honra que arrogassem para si. Sendo esse o caso, o culto gnóstico, com sua veneração aos anjos (2.18), perde completamente o sentido.

[4] A derrota completa de Cristo sobre esses poderes espirituais está reservada para o fim, mais precisamente para algum momento no tempo que seguirá a ressurreição dos justos (1Co 15.24).

[5] A mesma figura é usada em 2Coríntios 2.14, porém com o objetivo de mostrar Cristo vitorioso, conduzindo o povo que conquistou para si.

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