Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Gálatas 6.11-18 - O Que Realmente Importa

 

A importância de tudo o que Paulo diz às igrejas da Galácia se reflete no tamanho das letras que escreve[1] e no fato de compor a carta de próprio punho, isto é, sem o auxílio de um secretário que poderia, conscientemente ou não, alterar em um grau ou outro o que fosse ditado (11). Ele considera tão sério o problema dos galateus que não quer correr o risco de transmitir com pouca precisão o que tem em mente. Por isso, faz uso de uma caligrafia clara e evita intermediários.

Não é, porém, somente na forma que Paulo compõe sua carta que ele mostra quão preocupado está com os crentes da Galácia. Ele também revela seu cuidado chamando a atenção de seus leitores para o fato de que os falsos mestres eram pessoas interesseiras, que procuravam obter a aprovação dos outros através da ostentação de sinais exteriores, mais especificamente a circuncisão.[2] A real intenção deles ao induzir os gentios da Galácia a se circuncidarem era receber o aplauso dos judeus evitando, assim, a perseguição (12).

Sabe-se que ao tempo do surgimento do Cristianismo, os judeus foram seus primeiros perseguidores. Uma das razões disso era a pregação liberal dos apóstolos que insistiam em afirmar que a justificação não depende da observância dos preceitos mosaicos, mas sim da fé no Cristo crucificado (At 13.38-39). Ora, os mestres judaizantes que atuavam entre os gálatas não estavam dispostos a sofrer a oposição dos seus compatriotas que se escandalizavam com a pregação da cruz (1Co 1.23; Gl 5.11). Estavam, isto sim, interessados em agradá-los. Segundo Paulo, esses eram os reais motivos pelos quais defendiam tanto a circuncisão. Na verdade eles não eram zelosos da Lei, mas sim da sua própria comodidade.

A maior prova disso era que eles próprios não guardavam a Lei (13). Aliás, nenhum legalista, nem mesmo o mais sincero, jamais conseguiu guardá-la (At 15.10). O discurso dos mestres da Galácia era apenas uma tentativa de obter prosélitos entre os gentios, circuncidando-os e recebendo depois o louvor dos israelitas, um louvor decorrente do fato de terem induzido gentios a se submeterem a práticas judaicas.

Paulo, por sua vez, tinha essas intenções mui longe de sua mente (14). Ele não buscava satisfação e alegria na aprovação dos homens (1.10). Era na cruz de Cristo que tinha a base da sua exaltação e da sua exultação (Fp 3.3), pois na cruz há provisão para que o homem seja justificado, já que nela Cristo se fez maldição em nosso lugar (3.13). Ademais, graças aos benefícios oriundos da obra de Cristo na cruz, um rompimento ocorreu. Paulo e o mundo estavam crucificados um para o outro. De fato, a transformação que advém da fé em Cristo incluíra mudanças no modo de Paulo considerar a realidade ao seu redor e relacionar-se com ela (2.20-21; 5.24). Agora o Apóstolo via o mundo como algo desprezível e repugnante. O mundo, por sua vez, via Paulo da mesma forma. 

Sendo alguém que pouco se importava com o aplauso do mundo em geral e dos seus compatriotas em particular, Paulo não impunha a necessidade da circuncisão aos convertidos do seu ministério. Ademais, havia o fato de que a circuncisão não tem qualquer relevância dentro da aliança do evangelho. Na mensagem dada pelo Espírito, o que importa é fazer parte da nova criação de Deus (15).

As diferenças entre o Antigo e o Novo Pacto, bem como o fato da nova criação em Cristo, são mais amplamente tratados por Paulo em 2Coríntios 3 e 4, onde ele estabelece um forte contraste entre o Evangelho, (também chamado de “nova aliança” [2Co 3.6], “ministério do Espírito” [2Co 3.8] e “ministério da justiça” [2Co 3.9]) e a Lei Mosaica (também chamada de “letra” [2Co 3.6], “ministério da morte” [2Co 3.7], “ministério da condenação” [2Co 3.9] e “antiga aliança” [2Co 3.14]). Segundo Paulo, o pacto mosaico, outrora glorioso, “já não resplandece” diante da glória do Novo Pacto (2Co 3.10). Contudo, o brilho do evangelho não pode ser percebido por todos porque um véu foi posto no coração dos judeus (2Co 3.14-16) e Satanás cega os homens em geral (2Co 4.3-4). Para que essa condição espiritual seja alterada é preciso um ato criador de Deus. Assim, em 2Coríntios 4.6, Paulo ensina que da mesma forma como Deus, por sua palavra, fez brilhar a luz ao tempo da criação do universo, assim também, ao criar agora um novo homem, ele faz com que sua luz brilhe nas trevas dos corações humanos, capacitando as pessoas a ver a glória de Deus que está em Cristo. De fato, tanto para criar como para salvar, Deus diz “haja luz!” É por causa desse paralelo que o Apóstolo, em Gálatas 6.15, chama o crente de nova criação (Veja-se tb. 2Co 5.17).

Dentro da Nova aliança, portanto, a circuncisão é absolutamente irrelevante (Rm 2.28-29; 1Co 7.19; Gl 5.6). Só o livramento das trevas, com o conseqüente surgimento de um novo homem é que importa. Paulo, aliás, expressa o desejo de que a paz e a misericórdia de Deus estejam sobre todos os que andarem conforme essa “regra” (16).  A palavra usada aqui (κανών) tem o sentido de “padrão” ou de “limite”. Desse modo, o Apóstolo deseja paz e misericórdia às pessoas que adotam como princípio ou padrão de conduta a verdade de que tudo o que importa é ser nova criação, gloriando-se nisso e não em rituais exteriores. Refere-se, assim, àqueles que encontram motivo de exaltação e base para o comportamento dentro dos limites da verdade de que são nova criação, e não buscam glórias além dessa fronteira (Fp 3.3), como faziam os falsos mestres da Galácia.

O desejo de Paulo de que Deus abençoe os homens com paz e misericórdia não se estende apenas aos que conheceram a realidade da nova criação. Ele pede as mesmas bênçãos para todo o Israel de Deus (16 in fine).  Se a igreja precisava de paz e de misericórdia, considerando suas perturbações internas (5.10,15) e os perigos externos (6.12), Israel também carecia dessas bênçãos. Paulo via os judeus em geral como o povo de Deus (Rm 9.3-5; 11.28), um povo para o qual Deus tem reservado uma herança (Rm 11.25-27; Ef 3.6). Por isso, o fato de rejeitar a circuncisão como requisito para a justificação não significava desprezo pela nação israelita. De fato, o apóstolo estava longe de menosprezar seu próprio povo. Antes, sofria em face da sua incredulidade (Rm 9.1-3) e orava continuamente, desejando que ele conhecesse a paz e a misericórdia de Deus que podem ser provadas pela fé em Cristo, o Messias já vindo.

Concluindo, Paulo expressa o desejo de que deixem de perturbá-lo (17). O Apóstolo estava sendo incomodado com questionamentos referentes à sua autoridade apostólica (1.1; 2.8-10), com acusações de mudar sua mensagem de acordo com as circunstâncias (1.10; 5.11) e com denúncias de anunciar um evangelho liberal que encorajava a vida desregrada (5.13,16) e tirava dos adoradores de Deus as suas obrigações ritualistas, em especial a circuncisão (5.2). Uma vez que os mestres legalistas da Galácia tanto prezavam a marca corporal da circuncisão e só deixavam em paz quem a recebia, Paulo afirma ter marcas no corpo muito superiores, de modo que deveriam parar de molestá-lo. Ele tinha as marcas de Cristo: cicatrizes (στίγμα) adquiridas no trabalho missionário e que os galateus conheciam muito bem (At 14.19; 2Tm 3.11). Paulo as chamava de “marcas de Jesus” porque entendia que o sofrimento dos servos do Senhor em prol do seu trabalho é uma espécie de complemento das torturas do próprio Senhor, dada a união que há entre Cristo e seu povo (Rm 8.17; 2Co 1.5; Fp 3.10; Cl 1.24).

Ele encerra a epístola suplicando que os galateus experimentem a graça de Cristo em seu espírito (18). De fato, era nessa esfera que a graça deveria atuar a fim de livrar os crentes da mentira, das discórdias e das inclinações carnais que reinavam entre eles. O fato de chamá-los de irmãos realça que se sente fraternalmente unido a eles e que tem consciência de que escreve a pessoas que pertencem à família da fé. Sem dúvida, com essas breves palavras de docilidade e simpatia, espera criar nos galateus uma disposição favorável ao acolhimento das verdades consubstanciadas nessa magnífica carta.

Pr. Marcos Granconato 



[1] A sugestão de que Paulo escreveu com letras grandes porque, desde a sua experiência na estrada de Damasco, passou a ter problemas de visão, é puramente especulativa. O entendimento mais natural é que Paulo escreveu com letras grandes para dar ênfase ao que dizia.

[2] Em Romanos 2.29 há mais uma indicação de que a circuncisão promovia o louvor decorrente dos homens, tão caro aos falsos mestres.

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