Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Gálatas 4.8-11 - O Perigo de uma Nova Escravidão

 

A menção do elevado status atual dos crentes da Galácia, constante dos vv. 6-7, conduz o pensamento do Apóstolo ao chocante contraste existente entre essa gloriosa situação e a condição na qual os galateus viviam anteriormente. De acordo com Paulo, antes eles “não conheciam a Deus” (8).  O verbo usado aqui (οἶδα) sugere mais do que o mero conhecimento de dados sobre alguém. Na verdade, a palavra admite o sentido de estar ligado a uma pessoa, relacionando-se com ela. Decorre disso a verdade de que à parte do evangelho, é impossível que o homem tenha acesso a Deus e ande com ele, não importa quão religioso seja.

O modo como o desconhecimento de Deus se manifestara na vida dos crentes da Galácia, ao tempo da sua incredulidade, foi a idolatria. De fato, os galateus haviam sido escravos de falsos deuses.[1] No v. 8 há uma forte ênfase no fato de não serem deuses aqueles que os pagãos serviam. Paulo desenvolve mais esse ensino em 1Coríntios 8.4-6, onde diz que ainda que muitos tomem para si o nome de “deuses”, só há um Deus, ou seja, o Pai, e um só Senhor, a saber, seu Filho, Jesus Cristo. Por outro lado, ainda que os ídolos não passem de objetos inanimados (1Co 8.4; 12.2), Paulo adverte que o culto a eles prestado é dirigido a demônios (1Co 10.19-20)[2], de modo que o crente deve fugir de qualquer forma de idolatria (1Co 10.14; 1Jo 5.21).

A escravidão aos ídolos, à qual os galateus estiveram sujeitos, havia acabado. Se o v. 8 descreve o que havia acontecido outrora, o v. 9 fala do “agora”. Ao receber o evangelho, os destinatários de Paulo tornaram-se conhecedores de Deus. Na verdade, a melhor forma de descrever seu privilégio era afirmando que eles eram conhecidos de Deus, ou seja, seu relacionamento com o Senhor não foi o resultado de empenho ou iniciativa próprios, já que eram escravos absolutamente incapazes de dar um passo sequer na direção da verdade (Rm 3.11). Foi o próprio Deus quem se antecipou na busca de um relacionamento com aqueles irmãos, quando eles ainda se encontravam na mais mísera condição. Esse fato tornava os galateus ainda mais culpados. Depois de terem sido objeto de tão grande graça que os libertou, de quão grave erro não seriam autores caso voltassem novamente a um viver curvado sob o jugo da escravidão?

São esses os pensamentos que Paulo quer despertar em seus leitores ao perguntar “como é que estão voltando àqueles mesmos princípios elementares, fracos e sem poder? Querem ser escravizados por eles outra vez?” (9). Já foi visto o que são os “princípios elementares” (veja o comentário ao v. 3). Deve-se, no entanto, realçar aqui a conexão dos tais “princípios” com a escravidão da idolatria.  De fato, depois de afirmar que os seus leitores haviam se libertado da escravidão dos falsos deuses, Paulo diz que eles agora estavam voltando novamente ao seu procedimento anterior. Isso significa que a vida sob a escravidão dos falsos deuses era caracterizada pela observância dos princípios elementares, ou seja, aqueles conjuntos de regras predominantemente religiosas carentes de qualquer força contra o pecado (Cl 2.20-23).

As perguntas de Paulo no v. 9 evocam o absurdo de um retorno do cristão à escravidão debaixo de qualquer sistema legalista.  No entanto, por mais incrível que pudesse parecer, era exatamente esse retorno que os crentes da Galácia haviam empreendido. Vêem-se assim, no v. 10, exemplos do modo de agir daqueles cristãos que revelavam sua retomada do fardo típico de quem adora deuses falsos.  Voltando para o mesmo estilo de vida que caracterizara seus tempos no paganismo, eles estavam observando “dias especiais, meses, ocasiões específicas e anos”.

É claro que todas essas observâncias tinham conotações judaicas, fruto do trabalho dos mestres da Lei Mosaica infiltrados nas igrejas da Galácia. No entanto, seu efeito escravizador era o mesmo produzido pelo paganismo em que antes haviam vivido. Assim, em última análise, observar preceitos judaicos resultava no mesmo cativeiro em que se encontravam os adoradores de falsos deuses. O novo cuidado da Lei judaica conduzia os homens de volta à velha prisão pagã.[3] Ora, sendo certo que Paulo, ao anunciar o evangelho aos galateus, os conduzira pelo caminho da liberdade que há em Cristo, era óbvio que, vendo-os novamente agrilhoados a normas inúteis, suspeitasse que todo o seu trabalho entre eles tivesse sido vão (11). De fato, inútil é o evangelho libertador para aqueles que, deliberadamente, sobre si mesmos atam fardos pesados, impossíveis de carregar, assim como também vã é a luz para aqueles que teimam em ficar de olhos fechados.   

Pr. Marcos Granconato 



[1] Em 1Tessalonicenses 4.5 Paulo ensina que quem não conhece a Deus também é escravo de desejos lascivos.

[2] Na Igreja Antiga era pacífico o entendimento de que foram os demônios que, em tempos remotos, haviam se manifestado aos homens apresentando-se como deuses e dando origem às múltiplas formas de adoração pagã.

[3] O proto-gnosticismo, filosofia pagã que ameaçou o cristianismo nascente, acolhia com prontidão diversos preceitos judaicos (Cl 2.8, 16). Portanto, o retorno à Lei também poderia ser facilmente interpretado como a adoção de sistemas filosóficos pagãos. 

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