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Zacarias 1.1-6 - A Lembrança do Castigo

 

O profeta Zacarias surge pregando aos judeus cerca de dois mês após o primeiro discurso de Ageu repreendendo o povo por buscar o conforto dos seus lares e deixar a casa de Deus em ruínas. Não se sabe o dia exato da sua primeira pregação, mas ela não foi muito distante do segundo sermão de Ageu feito aos judeus, quando eles já vinham trabalhando na reconstrução havia três semanas, mas começavam a enfrentar os primeiros temores como sentimento de incapacidade, devido à magnitude da obra, e preocupações com sua subsistência, já que os celeiros estavam vazios e as colheitas frustradas dos últimos anos não serviam agora de encorajamento. Dado o momento em que Zacarias entra em cena, sua mensagem se coaduna com o momento no qual “encorajamento” é a palavra de ordem das profecias. A diferença marcante entre os dois profetas é que, enquanto Ageu prega seu último sermão dois meses após o início do ministério de Zacarias, este continua a falar ao povo por mais dois anos. Isso também faz com que o quantidade de material produzido por cada um seja bem diferente. Sobre o conteúdo da profecia de Zacarias, ela está dividida em oito visões, quatro mensagens e dois oráculos, exatamente nessa ordem.[1] Não obstante, assim como para Ageu, para ele o arrependimento era o início do processo de retorno ao Senhor, algo explícito no início do livro.

Como era um costume frequente da época, o livro começa com a data e com a fonte da mensagem (v.1): “No oitavo mês do segundo ano de Dario, veio a palavra do Senhor ao profeta Zacarias, filho de Berequias, filho de Ido, dizendo”. Tendo já feito considerações sobre a data, resta-nos falar sobre o autor. Sobre a filiação de Zacarias, ele não tinha dois pais, mas um pai e um avô aqui listados. A menção “filho de Ido” pode ser compreendida de duas formas. A primeira, como pai de Berequias, como se dissesse que Zacarias era filho de Berequias, o qual, por sua vez, era filho de Ido. A segunda forma, consistente com a evidência bíblica e com o costume antigo, é entender que Zacarias, sendo neto de Ido, era também chamado filho, já que a referência filial muitas vezes apontava para a linhagem de alguém (1Rs 15.11; 22.51; 2Rs 14.3; Mt 1.1,20; 9.27; Jo 8.39) — o versículo seguinte lança mão do mesmo tipo de linguagem ao se referir aos antepassados distantes do povo como “vossos pais”. O fato é que, apesar de ser comum para nós o uso do termo “neto”, em algumas línguas, como o hebraico, é mais natural o uso duplo de “filho”, assim como nesse caso.[2] A identificação de Zacarias como “filho de Ido” ocorre outras vezes (Ed 5.1; 6.14), mesmo porque Ido era uma boa referência pessoal, por se tratar de um dos sacerdotes que retornou do cativeiro — o próprio Zacarias é listado como um sacerdote descendente de Ido (Ne 12.16 cf. v.12). Como Ido era vivo e atuante no ofício sacerdotal quando os judeus retornaram da Babilônia, devemos imaginar que Zacarias não era muito velho, razão possível pela qual ele é sempre citado depois de Ageu (Ed 5.1; 6.14).

O v.1 apresenta a dinâmica que marca a atividade profética na forma de o Senhor falar diretamente a eles e os comissionar como mensageiros oficiais das suas palavras. Assim, sem alongar a introdução, Zacarias passa à mensagem em si (v.2): “O Senhor muito se irou contra vossos ancestrais”. Ancestrais, nesse texto, é a tradução do que literalmente quer dizer “vossos pais”. Entretanto, não é uma referência aos progenitores diretos daquela geração, mas aos israelitas de muitas gerações anteriores, os quais, pela incredulidade, desobediência e rebeldia, acumularam pecados que levou a nação a ser rejeitada como alvo de bênçãos e proteção divina e a conduziu ao juízo por meio da invasão e cativeiro babilônicos. Para mostrar a intensidade da ira de Deus, o verbo “irar-se” (qatsaf) faz um par com o substantivo “ira” (qatsef) no texto hebraico, dando ênfase ao sentimento de ira e sendo traduzido como “muito se irou”. Como uma famosa e antiga tradução do Antigo Testamento para o grego, feita cerca de dois séculos antes de Cristo — a Septuaginta —, acrescenta o adjetivo “grande” (megálen), poderíamos também dizer: “O Senhor se irou contra vossos pais com grande ira”. Tudo isso aponta para a rebeldia obstinada dos antecessores dos judeus a ponto de provocar tal reação no Deus cujo caráter é marcado por amor, misericórdia e paciência. Apesar de sabermos que o Senhor não perde o controle, o texto visa a transmitir a ideia de que os israelitas de tempos anteriores, em seu pecado, ultrapassaram todos os limites.

A simples menção da ira de Deus contra as geração anteriores serve de trampolim para um chamado à geração presente (v.3): “Portanto, dize a eles: ‘Assim diz o Senhor dos exércitos: Voltai-vos a mim — declara o Senhor dos exércitos — e eu me voltarei para vós — diz o Senhor dos exércitos’”. Assim como ocorre no último versículo de Ageu, a insistência na declaração de Deus eleva a importância da mensagem e lhe dá credibilidade, de modo que não haveria dúvidas para aqueles judeus de que, se agissem como Deus ordenou, seriam inevitavelmente abençoados. Também conferia grande responsabilidade a eles com a certeza de que seriam punidos se endurecessem o coração, como se o texto dissesse: “É pegar ou largar!”. A relação condicional proposta por Deus não é nova, mas compatível com as bênçãos pela obediência e as maldições pela rebeldia prescritas na aliança mosaica (Lv 26; Dt 28). Assim, essa não é uma nova proposta, mas um novo chamado à fidelidade.

Como motivação ao chamado, Deus expõe o povo à lembrança do castigo dos seus antepassados (v.4): “Não sejais vós como foram vossos ancestrais, à quem os primeiros profetas clamaram, dizendo: ‘Assim diz os Senhor dos exércitos: Convertei-vos dos vossos maus caminhos’, mas eles não deram ouvidos, nem me atenderam — declara o Senhor”. A lembrança não é apenas do castigo, mas do fato de o Senhor ter feito o mesmo chamado às gerações anteriores. A decisão daquelas gerações e as consequências das suas decisões são o material a ser avaliado pelos homens dos dias de Zacarias para que também decidam como agir. O verbo hebraico “convertei-vos” (shûvû) é o mesmo que no v.3 é traduzido como “voltai-vos”. Ele também quer dizer “arrepender-se” e a escolha da tradução deve levar em conta o contexto imediato. No v.3 a ideia é de relacionamento, já que Deus responde voltando-se ao povo também. Contudo, no v.4 o verbo é associado aos “maus caminhos” nos quais eles andavam. Nesse caso, a dupla ideia de conversão que envolve arrependimento, por meio do abandono do pecado, e retorno, no sentido de voltarem a obedecer a Deus, é o que o povo antigo devia ter feito, mas resistiu e permaneceu no erro. A grande rebelião contra o Senhor que eles protagonizaram é expressa tanto no pecado no qual andavam como na rejeição de um convite tão amoroso como o que Deus lhes fez, a quem eles “não deram ouvidos, nem me atenderam”, segundo as palavras do Senhor.

Para evidenciar a responsabilidade que aquela geração tinha de escolher o certo e de não agir como seus antecessores rebeldes, Deus propõe duas perguntas retóricas (v.5): “Quanto aos vossos ancestrais: ‘Onde eles estão?’. E quanto aos profetas: ‘Eles vivem para sempre?’”. A ausência de resposta a essas perguntas mostra que ela era clara: “Estão todos mortos, sejam os rebeldes, sejam os servos verdadeiros de Deus!”. Se a resposta não deixa dúvidas, a função das perguntas dentro da argumentação divina não é tão clara como desejaríamos. O ponto parece ser a celeridade com que a decisão de obedecer a Deus deveria ser tomada.[3] Nem as antigas gerações, nem os fiéis profetas de Deus podiam fazer qualquer coisa agora, nem contribuir com nada além do exemplo que deixaram. A oportunidade que perderam no passado não podia ser recuperada. Do mesmo modo que as gerações anteriores, nem esses judeus, nem os profetas que estavam ministrando entre eles durariam para sempre. A única coisa possível era essa geração agir diferente e logo. E o tempo estava passando, de modo que o atraso em obedecer lhes custaria caro. Outra implicação é o fato de que os profetas do passado, apesar de deixarem mensagens preciosas, não estavam mais entre eles, razão pela qual aqueles judeus deviam dar ouvidos aos profetas da sua geração.

A partir desse ponto, Deus deixa de apontar para as gerações de um passado longínquo e mostra como sua palavra impactou a geração imediatamente anterior (v.6a): “Não é certo as minhas palavras e os meus preceitos que ordenei aos meus servos, os profetas, alcançaram os vossos pais?”. Nesse caso, a expressão “vossos pais” — a mesma em hebraico presente nos vv.2,4,5 — faz menção a outro grupo, visto que a reação desses, expressa na segunda parte do v.6, é exatamente oposta à dos antigos ancestrais. Desse modo, “vossos pais”, nesse versículo, é uma referência aos pais de fato, os antecessores diretos daquela geração, os quais, sofrendo as consequências do juízo divino no cativeiro babilônico, realmente se arrependeram e voltaram ao Senhor. Se os “pais” são pessoas diferentes em relação aos versículos anteriores, o teor da mensagem era exatamente o mesmo.[4] O Senhor ainda os chamava ao arrependimento com base nas mesmas instruções a acordos. Apesar de os profetas do passado terem morrido, as mensagens que eles trouxeram da parte de Deus não passaram.[5] Ao contrário, tudo aconteceu exatamente como Deus estabeleceu e avisou (v.6b): Assim, eles se converteram e disseram: ‘Do modo como o Senhor dos exércitos planejou fazer a nós, de acordo com os nossos caminhos e com nossos feitos, assim ele fez para conosco’”. Diferente dos ancestrais rebeldes, esses se arrependeram, mudaram o comportamento e buscaram o Senhor. É notável a diferença na reação dos que foram ao exílio. Em primeiro lugar eles aceitaram a palavra de Deus e reconheceram seus pecados, atribuindo aos próprios erros o fato de estarem longe a terra da promessa e das bênçãos da aliança. Em segundo lugar, essa percepção e o desenvolvimento de um coração tratável os levaram ao arrependimento. Se o exemplo das gerações rebeldes era o modelo a não ser seguido, os judeus deviam imitar seus pais e corrigir seus próprios pecados, passando a obedecer e servir a Deus.

Como igreja de Cristo no século 21, devemos notar nessa mensagem que o encorajamento e a esperança promovidas pelo Senhor não andam longe do temor e da reverência. O servo de Deus deve obedecê-lo e honrá-lo porque o ama profundamente e lhe é grato por todas as bênçãos imerecidas. Entretanto, visto ser Deus santo e justo, os servos devem também fugir do pecado e da rebeldia por temerem a disciplina do Senhor que, segundo o autor de Hebreus, apesar de produzir o bem nos servos, não é considerada razão de alegria quando é executada (Hb 12.11), razão pela qual o temor deve produzir correção e acerto (Hb 12.12,13). Nesse sentido, a recordação da disciplina e das consequências enfrentadas por causa dos pecados tem um papel importantíssimo. O servo de Deus pode olhar para sua própria história, em suas experiências de correções efetuadas por Deus, e para a história de outros que passaram por isso. E conforme o raciocínio que Zacarias sugere, parece ser bem mais sábio aprender a partir da experiência alheia que aguardar, a duras penas, reunir experiência pessoal de sofrimento.

Na verdade, as Escrituras, dentre suas funções, foram dadas para nos ensinar por meio da história de outros homens, alguns de acertaram e outros que erraram e sofreram as consequências. Diz o apóstolo Paulo: “Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (1Co 10.11). Então, olhe para o que a Bíblia ensina e para o que aconteceu aos homens que a obedeceram e aos que se rebelaram, seguindo o exemplo dos bons servos que se arrependeram do mal e buscaram o Senhor de coração. Se você aprender essa lição, será a vez de o Senhor lhe encorajar e lhe encher de esperança.

Pr. Thomas Tronco


[1] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 787.

[2] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah. UBS Handbook Series. Nova York: United Bible Societies, 2002, p. 72.

[3] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 1548.

[4] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai. UBS Handbook Series. Nova York: United Bible Societies, 2002, p. 76.

[5] Spence-Jones, H. D. M. (ed.). Zechariah. The Pulpit Commentary. London; New York: Funk & Wagnalls, 1909, p. 1-2.

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