Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Deus não Gosta dos Coelhos?

 

Mais um filme tem feito sucesso na comunidade científica, entre universitários e em festivais de cinema: Flock of dodos: the evolution-intelligent design circus. Trata-se de um documentário de 2006, feito pelo cineasta e biólogo marinho evolucionista Randy Olson. Desde seu lançamento, esse documentário de quase noventa minutos foi elogiado por prestigiadas revistas científicas de alto impacto, como a Nature (http://www.nature.com/news/2006/060130/full/news060130-14.html). O filme contrapõe argumentos criacionistas, como Intelligent Design – “Desenho Inteligente”, em português –, e evolucionistas sob a perspectiva do ambiente escolar dos Estados Unidos (EUA). Ademais, o longa buscar alarmar a comunidade científica com relação ao espaço que o criacionismo chegou a conquistar em alguns distritos escolares dos EUA, como no Kansas, às custas da propagação da teoria do “Desenho Inteligente”.

O título Flock of dodos é uma analogia ao pássaro “dodó” (Raphus cucculatus), nativo da Ilha Maurício (500 milhas a leste de Madagascar), que foi extinto aproximadamente em 1700 pela colonização portuguesa, devido à caça e aos novos predadores trazidos pelos navios. Visto que o pássaro era dócil, não temia o homem e não sabia voar, tornando-se uma presa fácil. Essas características fizeram com que o pássaro ficasse conhecido por sua aparente estupidez. Fica evidente, à medida que as entrevistas são apresentadas, a quem Randy Olson se refere como “dodos”.

Durante o documentário, vários cientistas evolucionistas debocham da teoria do “Desenho Inteligente”. Eles alegam ser um argumento pseudocientífico que apenas ganha espaço porque o público leigo aprecia respostas simples para problemas complexos. Alguns dos proponentes do evolucionismo dizem que o espaço ganho pelos criacionistas é devido, em parte, à inabilidade dos cientistas evolucionistas “falarem a mesma língua” que o público leigo.

Um dos pontos altos do documentário é a entrevista do Dr. James Hanken, zoólogo da Universidade de Harvard, que desafia os proponentes do “Desenho Inteligente” usando o exemplo do sistema digestivo do coelho. Segundo Hanken, o coelho é um “disgusting design” (“desenho repugnante”) com falhas que ele mesmo corregiria se fosse o “designer”. A razão disso é que o animal come suas próprias “fezes” (i.e. cecótrofos), demonstrando possuir um sistema digestivo extremamente ineficiente. Ao final, Hanken conclui que o sistema digestivo do coelho é um “unintelligent design” (“desenho ininteligente”) e que ele poderia apresentar vários outros exemplos de ininteligência para cada exemplo de desenho inteligente que um criacionista apontasse (http://www.youtube.com/watch?v=NZR_jo_tCy0). Dessa forma, baseando-se nesses argumentos, não é difícil encontrar afirmações ousadas na Internet quanto ao suposto “erro de desenho” cometido por Deus em uma das mais conhecidas criaturas do planeta Terra: o coelho.

Entretanto, ao contrário do que Hanken defende, o sistema digestivo dos coelhos denota um ato criativo inteligente, essencial para a manutenção da vida desses animais e do ecossistema de que fazem parte.

A cecotrofia, comumente conhecida como coprofagia, é a maneira como mamíferos da ordem Lagomorpha e de alguns roedores utilizam para se alimentar de maneira eficaz. O sistema digestivo dos coelhos ocupa uma grande proporção da cavidade de seu corpo e é maravilhosamente desenhado para consumir uma grande quantidade de forragem típica de sua alimentação herbívora (Figura 1). Aproximadamente 88% do material digerível está contido no estômago e ceco. O ceco, o maior órgão do sistema digestivo, possui capacidade dez vezes maior que o estômago e compreende, aproximadamente, 40% do trato gastrointestinal. A digestão começa na cavidade oral, onde os dentes e a saliva entram em contato com o alimento. Depois, o alimento segue até o esôfago e o estômago. No estômago, o alimento permanece em contato com o suco gástrico (ácido estomacal) pelo período de três a seis horas. Posteriormente, o conteúdo gástrico é lentamente liberado para o intestino delgado onde a bile e as enzimas pancreáticas são liberadas para a quebra de proteínas e lipídeos em partículas menores que possam ser absorvidas.

Nesse momento, há uma complexa seleção química automática e inteligente: as fibras indigeríveis migram para o cólon e ali se transformarão em fezes duras ao passo que o restante, digerível, migrará para o ceco onde a microflora (bactérias anaeróbicas) o fermentará para que ocorra maior absorção para a corrente sanguína. Esse material fermentado é, então, levado ao cólon que formará pelotas macias conhecidas como cecótrofos.

O funcionamento do sistema digestivo dos coelhos é o mesmo que em outros animais monogástricos (animais com um único estômago). A distinção está na dupla e complexa função do cólon proximal. As contrações musculares do cólon são tão refinadas e coordenadas que apenas partículas não fibrosas maiores que 3 milímetros são coletadas e transformadas em fezes duras. O material que permanece no ceco é sujeito a várias horas de fermentação microbiana. Altos níveis de ácidos graxos voláteis (principal fonte de energia para o coelho) e produtos da fermentação são absorvidos na corrente sanguínea durante esse processo.

 

 Figura 1

Durante as primeiras horas da manhã, o conteúdo residual do ceco migra para o cólon que, por meio de finas e coordenadas contrações, forma pequenas pelotas de 5 milímetros, os cecótrofos (Figura 2). O cólon, então, secreta uma fina camada de muco sobre as pelotas que as protegerá do ácido estomacal quando engolidas (sem mastigar), pois permanecerão pelo período de seis a oito horas no estômago. A produção e ingestão desses cecótrofos ocorrem durante a noite, aproximadamente quatro horas após a última refeição.

 

  Figura 2

Os cecótrofos são uma solução eficaz e inteligente para animais pequenos, especialmente quando alimentados com dietas de baixa qualidade. A alta taxa de metabolismo de herbívoros pequenos, como os coelhos, requer que a energia seja extraída rapidamente pelo organismo e que o alimento não permaneça no trato gastrointestinal por um longo período. Quando um mamífero pequeno consome grande quantidade de vegetais (fibras indigeríveis), elas são retidas em seu organismo por um longo período e nenhum outro alimento fresco pode ser consumido por causa da falta de volume de armazenamento no trato digestivo. Como resultado, caso os cecótrofos não fossem produzidos, o animal teria fome (até causar a morte), embora estivesse com a “barriga cheia”.

Os cecótrofos, que não são as fezes, permitem que o coelho absorva aminoácidos essenciais, ácidos graxos voláteis e vitaminas B e K. Sua ingestão é tão importante para o coelho que sua privação por períodos prolongados resulta em malnutrição e deficiência de vitaminas B, como a tiamina. O consumo de cecótrofos é sensível à qualidade de dieta que um coelho possui. Para exemplificar, quando o coelho é alimentado com baixa quantidade de energia, a ingestão de cecótrofos é maximizada “automaticamente”.

Ademais, a dieta rica em fibras é imprescindível para a manutenção da saúde do sistema digestivo dos coelhos, estimulando o apetite e a motilidade intestinal e prevenindo a enterite. Quanto mais áspera e numerosa a quantidade de fibras na alimentação, mais rapidamente será sua passagem pelo trato digestivo. Dessa forma, a alta quantidade de fibras (65 a 80 g/kg de peso) e o rápido trânsito intestinal (cerca de dezenove horas) permitem que o coelho coma forragens de baixa qualidade nas mais diversas regiões do planeta sem deixar de suprir suas necessidades nutricionais. Tal característica confere ao coelho a vantagem de se adaptar em vários locais do planeta para exercício de sua função de consumidor primário na cadeia alimentar (i.e. cadeia energética) (Figura 3). Consequentemente, o coelho, que poderá se alimentar de forma eficaz de forragens de baixa qualidade, viabilizará o fluxo da cadeia energética até os predadores carnívoros em quase todo o mundo.

 

 Figura 3

Sabemos, pela revelação bíblica, que o padrão da cadeia energética alterou-se após a entrada do pecado no mundo com a desobediência de Adão e Eva (Rm 8.19-22). Por meio da promessa divina de redenção da criação – e dos hábitos alimentares dos animais – com o retorno de Cristo (Is 11.6,7), podemos inferir que antes da “queda” todos os animais eram consumidores primários herbívoros (Gn 1.30), não havendo a alimentação carnívora e, obviamente, os predadores carnívoros. Considerando o relato bíblico, o coelho não foi preterido por Deus em seu ato criativo magnífico, mas é exemplo da inefável bondade de Deus com os seres humanos até que toda a criação seja redimida (Rm 8.20). O coelho é, portanto, um dos animais eleitos de Deus como uma eficiente e inteligente “primeira ponte” de uma cadeia energética que gerará alimento e conforto, em última instância, para a humanidade caída até que os filhos de Deus sejam revelados com o Reino de Cristo (Rm 8.19).

 

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De Deus para os filhos abençoados. Amém! (2x)

Ev. Leandro Boer

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Referências:

1.     Cheeke, P.R. 1994.  Rabbit Feeding and Nutrition.  In: P.J. Manning, D. H. Ringler and C.E. Newcomber (ed.) The Biology of the Laboratory Rabbit. 2nd. Ed. p 321. Academic Press, New York.

2.     Jenkins, J.R. 1999. Feeding recommendations for the horse rabbit: Veterinary Clinics of North America. Exotic Animal Practice. Vol. 2 p 143. W.B. Saunders Company, Philadelphia. 

3.     Langer, P. 2002. The digestive tract and life history of small mammals. Mammal Review, 32: 107-131.

4.     Stevens, C.E. and I.D. Hume. 1995.  Comparative Physiology of the vertebrate digestive system. 2nd. Ed. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom.

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